Eleições

O que quer o empresariado brasileiro?, por Marco Piva

O que quer o empresariado brasileiro?

por Marco Piva

Há algo de muito estranho no comportamento da elite empresarial brasileira após o golpe cívico-militar de 1964. Antes desse ano, a democracia brasileira andava a passos lentos, mas andava, inclusive com grandes nomes do empresariado interessados num projeto de nação.

Cito Roberto Simonsen, criador da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e do sistema S, que proporcionou a capacitação e o ingresso de jovens no mercado de trabalho. Simonsen também criou a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), uma instância acadêmica que gerou o primeiro curso de Ciências Sociais do Brasil. Ele tinha na cabeça um projeto de país para dar conta do desenvolvimento econômico que acontecia em nível global.

Outro personagem que marcou presença na história foi o banqueiro Walter Moreira Salles, fundador do Unibanco. Sua trajetória revela um espírito público que dificilmente se encontra no setor financeiro, especialmente nos dias atuais. Moreira Salles chegou a ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Com o golpe que retirou o presidente João Goulart do poder, surgiram os empresários oportunistas que acabaram fazendo grandes negócios com o setor público, aproveitando o viés desenvolvimentista da ditadura militar. No campo da infraestrutura cresceram Norberto Odebrecht, Queiroz Galvão e Sebastião Camargo. Na área da comunicação, o retrato mais fiel de alinhamento ideológico veio com Roberto Marinho, que saudou a chegada dos militares ao poder e assim construiu um verdadeiro monopólio das telecomunicações.

Ou seja, antes do golpe, tínhamos empresários com projeto de nação. Após o golpe, um empresariado oportunista que se servia da nação.

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E o que temos atualmente? Um empresariado que o tempo todo critica o Estado, mas segue dependente dele. Com baixíssimo nível intelectual, o que resulta numa tremenda incapacidade de conferir à democracia um valor fundamental para o desenvolvimento econômico, a maioria desse empresariado revela uma total inapetência para a criatividade.

Sem entender o que está acontecendo no mundo dos negócios globalizado, não existe competência suficiente para disputar mercados. A desindustrialização crescente do país não é explicável apenas por mantras como a alta carga tributária e o suposto excesso de direitos trabalhistas. Existe uma ficção ideológica em amplos setores do empresariado que os impedem de enxergar a nação e as suas necessidades sociais, ambientais e de regras civilizatórias.

Infelizmente ou não, o comércio internacional do ocidente cobra hoje posturas de responsabilidade que não podem ser desprezadas. Quando a Amazônia arde em chamas com a presença ilegal do garimpo e da exploração da madeira, entre outros crimes como a invasão de terras indígenas, é o Brasil inteiro que perde. Não compreender essa realidade é apostar na imagem de um país isolado do mundo, comprometendo, dessa forma, os negócios.

Agora que estamos às vésperas de uma eleição, o empresariado tem um grande desafio pela frente. Ou aposta na democracia ou mantem o país à beira do caos. Não é preciso ir longe para ver que as instituições estão sob ameaça de um presidente totalmente desqualificado que, por conta de um momento histórico especial, assumiu o governo. E sob sua gestão o único projeto existente é uma mistura de falso liberalismo com palavras de ordem religiosas e ameaças golpistas.

A fome voltou com tudo. A miséria bate às nossas portas. Não é hora de tapar os ouvidos nem de calar a boca e nem de fechar os olhos. O empresariado precisa decidir de que lado está da história.

Marco Piva é jornalista, apresentador do programa Brasil Latino, na Rádio USP, e pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC).

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