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O risco do pensamento único

Por Bento

Infelizmente muitos aqui confundem as coisas quando dizemos que precisamos de uma oposição bem constituída e articulada no âmbito dos partidos políticos e lamentamos a perspectiva de sua ausência.

Fato é que nunca houve oposição desse tipo no Brasil, e isso explica muito de nossa conturbada trajetória política. Então não lamentamos a decadência e eventual extinção política de lideranças fracassadas ou assumidamente golpistas do DEM, PSDB e PPS, lamentamos sim a decadência da oposição enquanto opção viável ao eleitor. Não dá pra misturar as coisas como muitos fazem aqui.

Ninguém lamenta a derrota de Serra, de Maia e de tantos outros políticos vergonhosamente respaldados pela mídia que abriram mão da legalidade e do compromisso para com a democracia em nome da luta sem quartel contra o governo Lula. Mas lamentamos sim que a oposição seja incapaz de apresentar alternativas consistentes, na forma de novas lideranças que encampem um projeto inovador para o país. O povo brasileiro, de forma contundente, rejeitou a forma de fazer política desses senhores, mas é preciso avançar mais. É preciso permitir que o povo escolha entre projetos claros para o país e sobre o papel a ser desempenhado pelo Estado na promoção do desenvolvimento.

É equivocado – e perigoso – concluir que, em razão da falta de seriedade e compromisso democrático dessas figuras decrépitas que ora freqüentam nossa mídia e se auto-denominam “oposição”, não há então espaço nem legitimidade para qualquer oposição no país. Fazer isso é repetir o erro de muitos entusiastas do governo FHc, que, mesmo reconhecendo os muitos erros do partido, ainda se recusavam a aceitar a possibilidade de sucesso de um governo de oposição simplesmente pelo fato de que o PT não teria capacidade nem legitimidade de levar adiante eventuais avanços do governo tucano e quiçá fazer melhor, sobretudo na área social.

Muitos desses simpatizantes do PSDB, outrora conhecidos pela temperança e capacidade de diálogo, hoje se converteram no que há de pior em matéria política, sendo incapazes de enxergar absolutamente nada no governo Lula a não ser o que os slogans tão propalados pela direita acéfala afirmam – aparelhamento, totalitarismo, corrupção “genética”, etc. Temo seriamente que muitos dos simpatizantes do PT caminhem para o mesmo lado. A forma como alguns deles tratam a candidatura de Marina e antes a de Ciro Gomes já é um sintoma dos males desse pensamento único. Transformam um fato a posteriori, aliás corretamente antecipado por Lula – que essas candidaturas subtraem votos de Dilma e portanto poderiam levar a disputa a um 2º turno que interessa a Serra – em causa a priori, concluindo daí que Ciro e Marina só podem estar a serviço de Serra.

Confundir uma conseqüência do jogo democrático com uma condição deste é o pior dos equívocos: foi esse erro que levou primeiro tucanos, depois petistas, a achar que “mensalão”, “caixa-dois” e outras práticas semelhantes são o “normal” na democracia, aceitando assim a idéia de que o PMDB tem direito de pedir o que quiser sempre, afinal a política é e sempre será uma coisa suja e só líderes maquiavélicos (para parafrasear um saudoso ex-sociológo) tem capacidade de geri-la. Esse erro poderá custar caro ao PT, da mesma forma como custou ao PSDB antes. Lula não viverá nem fará política para sempre, assim como FHc, que se permitiu cair no esquecimento muito mais cedo do que previam seus acólitos mais esperançosos. O que virá depois deles? Os otimistas acham que será o melhor dos mundos; eu, que sempre fui um otimista, gostaria de pensar o mesmo, mas me recuso a compartilhar do otimismo de quem acha que mídia e oposição são acessórios dispensáveis numa democracia, e toma toda crítica como ofensa pessoal. Não foi o PT que venceu esta eleição, foi Lula – quisera o restante de seu partido tivesse a mesma visão democrática de seu líder e compreendesse esse fato. 

Luis Nassif

Luis Nassif

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