Não é fácil levar o atual momento político a sério, por Izaías Almada

Do blog da Boitempo

Está difícil levar o atual momento político brasileiro a sério. Ou melhor: se levado mesmo a sério, pode ser o início de uma caminhada para a depressão psíquica, desequilíbrios emocionais, angústias, tudo na conta de mudanças, atitudes e comportamentos de homens e mulheres que – colocados em postos de comando do país – batem cabeça como se não soubessem muito bem o que estão fazendo, quer para desatar o nó ou para apertá-lo mais ainda.

Comecemos por algumas reflexões banais:

1 – Marta Suplicy saiu do PT pelos “desvios do partido” e vai para o PMDB de Cunha e outros honrados políticos sem desvios.

2 – Disse o Kant da Vila Carrão em frase originalíssima: “A corrupção no Brasil vai diminuir ou acabar quando o último corrupto do PT for enforcado com as tripas do último corrupto do PSDB.” Isto quer dizer que os outros partidos são de uma pureza invejável. Filósofos? Hummm… Seria interessante assistirem ao último filme de Woody Allen, O homem irracional.

3 – O imortal (sic) FHC, aquele que está sempre pedindo para que nós esqueçamos alguma coisa que escreveu ou que falou, por sua vez, afirmou que “nunca se roubou tanto no Brasil como agora”. Será que não há um único espelhinho no apartamento de Higienópolis?

4 – O Ministro Gilmar Dantas, digo, Mendes quer moralizar o país. Logo ele, que usa seu cargo para fazer política de compadrio e tutela. Caro leitor, o cinismo tem limites, não?

5 – O governo de São Paulo fez acordo com o PCC e não fez acordo com os professores quando estavam em greve? Choque de gestão! 220 volts…

6 – O senador Aécio Neves acha que tem a missão de liderar uma inevitável mudança na política brasileira. Pó parar repetirá o Estadão… Aquele helicóptero no Espírito Santo, hein, Luciana Genro?

7 – Já viram os pré-candidatos à prefeitura de São Paulo que querem enfrentar Haddad em 2016? Celebridades do que tem de pior na nossa televisão. São Paulo merece…

8 – “As contas de candidatos derrotados nas eleições não têm data para ser analisadas pelo TSE”, afirma jornalista da TV Globo em Brasília. Então tá: o negócio é ser candidato, pegar muita grana para a campanha e perder as eleições. Entenderam ou não? Aecim, quer dizer, assim não é considerado corrupção.

9 – Luta de classes? O que é isso? O negócio agora é moralizar as atividades entre cidadãos e entre cidadãos e Estado. Comecemos por mandar para cadeia os corruptos da esquerda, pois a corrupção antiga, onde a elite e seus representantes de direita estão metidos até o pescoço, essa não vem ao caso. Já prescreveu. E como corolário da falta de vergonha na cara ainda se alega que sonegação não é corrupção.

10 – Quem entende mesmo dessa política pós-moderna é o Lobão, o Fábio Jr., o Ronaldão, a Ana Maria Braga, o Jabor, o Ratinho, a Sheherazade, o Silas Malafaia, o filósofo da Vila Carrão, redatores da Veja e da revistaÉpoca, um tal professor Villa, todos com títulos acadêmicos de fazer inveja a FHC…

Bom, eu poderia ir com essa “brincadeira” até a centésima delas e morreríamos de rir (ou de raiva) se não fosse trágico (ou tragicômico).

A impressão que se tem, às vezes, quando tratamos da atividade política no Brasil, aquela que expressa ou escancara os mais variados interesses de grupos, grupelhos e até alguma bandidagem, é que – de fato – passamos recibo como sendo o nosso um país de energúmenos. Sempre de olho na casa do vizinho, enquanto a sujeira vai se acumulando nos cantinhos da nossa própria casa.

Acostumados ao sofrimento com a lei da chibata e do pelourinho, muitos de nossos antepassados nos legaram, ainda que não o quisessem, os das Senzalas, sobretudo, o medo e a hipocrisia como forma de defesa e sobrevivência física e intelectual. Está introjetado na sociedade brasileira.

E outros, os da Casa Grande, a turma do cinismo, já agora culturalmente ligada à necessidade de todos se mostrarem senhores e não escravos, uma espécie de antídoto da semvergonhice. Faz parte do figurino neoliberal.

Sempre nos curvamos à Europa até os primeiros anos do século XX e, após a Segunda Guerra Mundial, aos interesses do mais avassalador capitalismo e seus capitães do mato ao redor do mundo, há anos sediado nos cofres e escritórios das grandes corporações nos Estados Unidos da América e na Europa (Suiça).  E sob a proteção de um arsenal de ogivas nucleares.

A tal ponto vai essa crença e obsessão, ou submissão, que para muitos de nossos conterrâneos – os do cinismo, sobretudo, ou mesmo os papagaios de pirata –, o futuro da humanidade está em Miami, ali pertinho da Disney World, onde o estoque de bonecos do Pateta se renova em progressão geométrica.

Como país de uma democracia sempre em construção, tal como as infindáveis obras do metrô paulistano a distribuir propinas, entramos para valer no jogo do faz de conta, a ver se conseguimos acreditar um pouquinho em nós mesmos.

Faz de conta que somos sérios em nossas intenções; faz de conta que estamos combatendo a corrupção; faz de conta que a justiça é igual para todos; faz de conta que vamos fazer uma reforma política séria; faz de conta que não somos racistas; faz de conta que democracia é poder protestar livremente nas ruas e nos meios de comunicação; faz de conta que liberdade de expressão é poder trocar de canal de televisão; faz de conta que acreditamos que outro mundo seja possível; faz de conta que São Paulo ainda é a locomotiva do país; faz de conta que o Partido dos Trabalhadores é a origem de todos os nossos males; faz de conta que os três poderes são independentes e que se respeitam; faz de conta que a nossa imprensa é imparcial.

Faz de conta que não existe corrupção no futebol, nas agências de publicidade e em seus clientes; entre emissoras de TV e anunciantes; nos hospitais públicos, privados e nos planos de saúde; faz de conta que não há sonegação de impostos no país ou, se ela existe, não chega a ser propriamente uma corrupção; faz de conta que não há corrupção nos governos estaduais e municipais; faz de conta que somos um povo cordial; faz de conta que acreditamos em Deus e somos sinceramente religiosos; faz de conta que somos competentíssimos naquilo que fazemos, inclusive este que assina o artigo; faz de conta que sabemos votar; faz de conta que temos uma esquerda combativa; faz de conta que nunca molhamos a mão do guarda da esquina; faz de conta que não compramos notas fiscais; faz de conta que obedecemos a todos os sinais de trânsito; faz de conta que não temos preconceitos contra paraguaios, bolivianos, cubanos, haitianos e outros latino-americanos; faz de conta que somos todos contra a pena de morte; faz de conta que não compramos carteirinhas de estudante; faz de conta que não subimos os preços das mercadorias acima da inflação; faz de conta que conhecemos minimamente a Constituição do país, principalmente juízes de direito; faz de conta que nos importamos com a exterminação dos Guarani/Kaiowás; faz de conta que não existem os proxenetas da fé…

Faz de conta; faz de com… Faz de… Faz… F…

***

Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mimO medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.

 

Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

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  • Vivemos tempos de extrema
    Vivemos tempos de extrema burrice! A mentira é a bandeira. O chiqueiro foi aberto. Tempo dos horrores, onde a alma penada da inquisição, da escravidão dita as regras. O ser humano passou a ser dejeto. O $, deus, "O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética...O que me preocupa é o silêncio dos bons." Martin Luther King

  • Pois é, prezado Izaías, o

    Pois é, prezado Izaías, o presente pode ser perfeitamente descrito como você fêz. De fato,  não há nada sério nesta girândola de fatos desimportantes, de indivíduos gesticulantes, de pasquins vingativos, de pequenos moralistas e de espancadores sem trabalho. No futuro, quando o presente tiver se tornado objeto da história, a rainha das ciências, como acertadamente  a definiu um certo alemão, que amava a cor vermelha, a verdade deste período se revelará por inteiro. Será, como deve ser, a verdade da ciência, deduzida dos acontecimentos ou, como entendemos, creio, a revelação dos nexos fundamentais da presente conjuntura.

    Mas podemos evitar, entrementes, a escuridão que a espera da verdade científica futura aparentemente nos condena? É evidente que sim. Como? Indagando os fatos, formulando hipóteses e observando o que sobrevive aos volteios de uma multidão de coadjuvantes e à contenção pública dos grandes atores, não obstante, sempre ativos atrás do palco.

    Deixemos,  por ora, as ações consolidadas nestes últimos nove meses, sua natureza e seus autores. Neste sentido, há  ainda muito mais para descobrir que para observar, mas, em momentos de incerteza e de confusão como este, cada um olha o que quer.

    Formulemos, contudo, uma hipótese, suficientemente ampla para abranger as ações incompreensíveis de tantos e que dão esse aspecto de falta de seriedade ao momento. Será que da parte de todos,  a saber,  do governo, da oposição, dos que podem ser uma coisa ou outra amanhã e que hoje apenas esperam, dos que ocultam o que são ou querem  ser de fato, ou daqueles que absolutamente não sabem o que são nem o que pretendem ser, em suma, desta verdadeira multidão de destinos de várias naturezas que se agitam objetiva ou subjetivamente nos bastidores ou no palco, mais ou menos iluminado, a grande questão não se resumirá talvez à falta do domínio do tempo do processo político nacional? Tempo que, por conta desta impossibilidade do instante, só possa ser vivido, sem escapatória,  como na clássica canção que repete incansavelmente o verso que lembra "as times goes by "?

    Deste último ponto de vista, o que já podemos dizer, neste 11 de setembro, que lembram o golpe de 1973 no Chile e o auto-atentado das Torres Gêmeas de Nova York? Muita coisa, acredito, mas isto é uma outra conversa ... 

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