“O Brasil tem um monstro na Presidência e não tem agenda”, diz José Genoíno na TVGGN

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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"Lula viabilizou o desejo de um País inclusivo, democrático e soberano. Quando essas três coisas se juntam na história do Brasil, a classe dominante dá um golpe", afirma o ex-deputado

Jornal GGN – Desde a reabertura política o Brasil vinha caminhando para a consolidação de sua jovem democracia. Mas em 2016 sofreu um novo golpe, agora a partir do impeachment de Dilma Rousseff, e desde então amarga o que o neoliberalismo produz de pior na sociedade: a concentração de riquezas e a perpetuação das desigualdades. Esse golpe na democracia, que ninguém se iluda, viria “independente de falhas” atribuídas aos antigos governos do PT. “O capitalismo precisava de mudar o sistema e a existência de um governo progressista impedia isso, com todas as suas debilidades. (…) Lula viabilizou o desejo de um País inclusivo, democrático e soberano. Quando essas três coisas se juntam na história do Brasil, a classe dominante dá um golpe.”

No poder há 13 anos, o PT, evidentemente, não se preparou para esse “enfrentamento democrático”. Confiou que as instituições – Judiciário, Presidência da República, Congresso e Forças Armadas, além da mídia – seriam fortes e virtuosas. Descobriu da pior maneira que estavam todas afundadas em suas próprias crises. “A esquerda precisa perder a ilusão em farda e toga.”

Mas a recente reviravolta na Lava Jato, a partir da anulação das condenações de Lula e o retorno do petista ao jogo político, abriu uma janela de oportunidade para a construção de “uma alternativa democrática através de uma repactuação que só acontece através de eleições livres.”

Para tirar Jair Bolsonaro do poder e recuperar o projeto de Nação interrompido, os partidos terão de se unir. E a esquerda deve propor uma agenda que priorize “a redefinição do papel do Estado, o financiamento das políticas públicas, um sistema tributário onde os ricos paguem mais, um sistema de gestão pública para estabelecer o verdadeiro pacto federativo que está em crise, um sistema de preservação do meio ambiente que está em risco, e, através dessa agenda básica, recolocar o País em outro sentido.”

“Lula tem uma grande responsabilidade em promover essa articulação. Não é necessariamente para dizer que é candidato ou não. Ele tem que ser o líder alternativo de uma proposta que una a esquerda, porque a classe dominante brasileira é escravocrata, autoritária e quer tudo. Ela precisa saber ceder, ela precisa ter medo quando a gente mostra os dentes para ela.”

Essa é a avaliação do ex-deputado José Genoíno (PT), que concedeu uma entrevista exclusiva ao jornalista Luis Nassif, na TVGGN, na última quarta-feira (10).

Genoino apontou que o maior desafio do PT, agora, é ajudar a resolver a crise de 2021 antes de pautar as eleições de 2022. Para isso, o partido deve resgatar suas melhores experiências em gestão pública, diz. Ele também falou sobre o papel das Forças Armadas no governo, da politização da Justiça e compartilhou memórias do Mensalão que lhe trouxeram lições humanitária. “Vivi experiências fantásticas na Papuda”, afirmou.

“Aprendi a ser radicalmente humanista. A minha visão de socialismo é humanismo, pluralismo e radicalização da democracia”, finalizou Genoino, o “militante realista”.

Assista a íntegra da entrevista abaixo e, a seguir, alguns dos principais trechos resumidos pelo GGN:

DIAGNÓSTICO DA CRISE E O PAPEL DE LULA

Os avanços que construímos processualmente com a redemocratização, com a Constituição de 1988, com as experiências de governos anteriores a Lula, e depois com os governos Lula e Dilma, essas experiências positivas foram golpeadas por uma reação autoritária-conservadora que fraudou a Constituição, deu um cavalo-de-pau na democracia, tudo em nome da radicalização do modelo neoliberal de concentração financeira, de monopólios e super-exploração. 

Esse cavalo-se-pau produziu uma crise sistêmica das instituições. Todas as instituições estão em crise, seja o Parlamento, seja nas Forças Armadas, na Presidência da República, no sistema de Justiça – particularmente por causa da Lava Jato – seja o próprio papel da mídia corporativa monopolista.

O centro dessa questão é Lula, porque ele é produto do que houve de mais avançado nos movimentos sociais. Ele viabilizou o desejo de um País inclusivo, democrático e soberano. Quando essas três coisas se juntam na história do Brasil, a classe dominante dá um golpe. 

O País estava buscando o rumo da democracia de 1979 até 2016. Nesse processo, surgiu uma força autônoma que promoveu o protagonismo da Justiça através da Justiça Federal com a história do lawfare, isto é, a Justiça substituindo apolítica. A concentração de poder na Justiça deu nessa bagunça.

Estamos vivendo uma crise. Qual a saída para isso? Em primeiro lugar, o PT precisa fazer um resgaste da sua experiência de governo. Talvez o resgate mais importante tenha sido a gente governar o Estado sem mudar a estrutura do Estado – o sistema político, a relação com a mídia, o próprio sistema de Justiça. E também o protagonismo das carreiras de Estado através da alta burocracia civil.

[Tudo isso estava fluindo mas] Quando chegou a hora das políticas públicas que exigiam uma distribuição de riqueza e renda, a classe dominante resolveu alterar as regras do jogo. O Lula ganharia todas dentro das regras de democracia liberal, então produziram um golpe. Só que o golpe desorganizou o País, e ele se agrava com a pandemia, porque a pandemia revela a natureza do capitalismo monopolista financeirizado, e aí está o desastre. 

Nessa situação, a grande responsabilidade do Lula e do PT é enfrentar 2021. Não dá para botar 2022 na frente de 2021. Enfrentar 2021 é vacina, emprego, auxílio emergencial, e esse governo sair da frente. Por isso, temos que apoiar essas alternativas de governadores, Supremo e Parlamento para buscar solução para vacina e auxílio emergencial.

A partir daí o País começa a encontrar um sentido de futuro.A  democracia quando é atropelada e violentada, só tem um caminho para recuperá-la. É através da soberania popular. A farsa da Lava Jato pode produzir uma alternativa democrática através de uma repactuação que só acontece através de eleições livres, e a gente discute e faz a eleição e aceita o que vier dela. 

No mundo atual, não tem como governar o Brasil sem essa pactuação.

A crise é profunda e, nesse cenário, eu concordo com o que o Lula falou [em seu primeiro discurso após o STF anular as condenações da Lava Jato]: as medidas têm que ir na raiz. Por na agenda a redefinição do papel do Estado, o financiamento das políticas públicas, um sistema tributário onde os ricos paguem mais, um sistema de gestão pública para estabelecer o verdadeiro pacto federativo que está em crise, um sistema de preservação do meio ambiente que está em risco, e, através de uma agenda básica, a gente recolocar o País em outro sentido.

Neste ponto, independente de acordo ou aliança ampla ou não, os agentes políticos e econômicos têm que aceitar o debate franco, sincero. E eu acho que Lula tem uma grande responsabilidade em promover essa articulação. Não é necessariamente para dizer que é candidato ou não. Ele tem que ser o líder alternativo de uma proposta que una a esquerda. Porque a classe dominante brasileira é escravocrata, autoritária e quer tudo. Ela precisa saber ceder, ela precisa ter medo quando a gente mostra os dentes para ela. É necessário que o País busque uma solução para essa encruzilhada. Nós estamos em uma encruzilhada. Essa encruzilhada afeta o PT, vou ser muito franco, e o PT tem responsabilidade de botar o caminho para enfrentar essa encruzilhada.

É o momento de discutir o futuro do Brasil sem vanguardismo e sem euforia.

COMO O PT PERDEU O APOIO DO SETOR ECONÔMICO

O PT passou por um processo de não enfrentamento do sistema financeiro hegemônico. Nós não soubemos enfrentar desde o governo Lula, na questão dos juros, da dívida pública, no papel das direções do Banco Central e do Ministério da Fazenda. Essa hegemonia capturou o setor industrial, que, ao receber os benefícios, foi capturado para aplicar no mercado financeiro.

Por outro lado, como não viabilizamos a sustentabilidade das políticas sociais dividindo as riquezas, a partir de 2014, 2015, o financiamento dessas políticas públicas teve dificuldades, e naquela dificuldade não adiantava fazer o ajuste fiscal ‘a la’ Levy como a Dilma tentou fazer.

Deveríamos ter estabelecido regras mais claras de pactuação com o setor produtivo. Incentivos, mas com contrapartidas com relação aos trabalhadores e aos investimentos. Nesse sentido, tivemos uma política frouxa de incentivos.

Por outro lado, quando começou a surgir em 2018 uma radicalização política, as articulações se deram em torno de algumas empresas produtivas e representou uma ameaça para esse setores. 

O setor da indústria naval, estaleiros, agronegócio e construção civil foram prejudicados pela Lava Jato dentro do contexto da guerra anticorrupção encampada pelos Estados Unidos.

ESQUERDA TEM QUE PERDER A ILUSÃO EM FARDA E TOGA

Acho que o golpe na democracia viria independente de falhas ou não. Porque isso? Porque o capitalismo precisava de mudar o sistema. A captura das reservas, dos fundos, a questão dos recursos naturais, das commodities… O Brasil tinha potencial e compromisso com as políticas da Constituição de 1988 e isso precisava ser capturado. A existência de um governo progressista impedia isso, com todas as debilidades.

É evidente que nós não nos preparamos para esse enfrentamento democrático. Tivemos ilusões. Eu costumo dizer que guardo 5 lições de 5 ilusões. Primeira, eu achava que a democracia era pra valer quando eu era um deputado influente no Congresso. Segundo, eu confiava que a burguesia era democrática e negociava com ela. Eu confiava no sistema de Justiça e dei força a ele, demos condições ao Ministério Público e à Polícia Federal. Eu confiava na grande mídia porque tinha espaço para dar entrevista. E tinha a ilusão de que os militares eram nacionalistas e democráticos, e isso é ilusão. A esquerda tem que perder a ilusão em farda e toga. Não dá.

A AGENDA POLÍTICA POSSÍVEL COM OUTROS PARTIDOS

Temos de fazer um acordo preliminar, de natureza tática, para a reforma das instituições.

Reforma política para corrigir o sistema disfuncional. Cláusula de barreira, votação em lista e criação de uma federação de partidos. Em segundo lugar, a reforma na Justiça Federal, que o ministro Gilmar Mendes colocou bem. E uma reforma do Ministério Público para tirar o protagonismo que se materializou na PEC 37. Reforma nas Forças Armadas. Aprovar uma quarentena para o militar que quer assumir caso político. E mudar o artigo 142, sobre Lei e Ordem. Criar um sistema de segurança para que as Forças Armadas não sejam banalizadas, usadas em operações subsidiárias, como na pandemia, ou em operações de GLO [Garantia de Lei e Ordem]. E discutir o papel do Estado nas políticas públicas. 

O País tem um monstro na presidência e não tem agenda, vive de factoide e apostando no quanto pior, melhor. Quanto pior a crise, mais os negacionistas tentam faturar a partir do medo e do ódio. Tem setores do capitalismo que provocam a destruição e o choque para inviabilizar qualquer alternativa progressista. Acho que a gente vive esse problema.

MILITARES NUNCA ACEITARAM A TRANSIÇÃO POLÍTICA

A narrativa da guerra revolucionária, do politicamente correto, do marxismo cultural, entrou nas Forças Armadas através do olavismo, através da leitura gramsciana bruta. Eu tenho essa convicção: a transição política no Brasil não foi aceita pelas Forças Armadas. A nova República não foi aceita, o governo FHC não foi aceito, Constituição de 1988, e o governo Lula muito menos. As Forças Armadas ficaram recuadas e quando surgiu a oportunidade, eles voltaram ao poder através do capitão [Jair Bolsonaro]. E eles produziram a vitória do capitão. 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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