O estupro permanente da notícia

Há dois tipos de leitores de jornais: os que querem se informar, e os que querem ler apenas aquilo que lhes agrada. Os primeiros, são leitores; os segundos, torcedores.

Nos últimos anos, os grandes grupos jornalísticos abriram mão dos leitores. A notícia tornou-se uma ferramenta de guerra, que, como em toda guerra, pode ser estuprada, manipulada, distorcida.

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Há inúmeros temas relevantes para se criticar Dilma, Lula e o PT: os erros da política econômica, o envelhecimento das ideias, a falta de propostas novas, o aparelhamento de muitas áreas, os problemas enfrentados pela Petrobras.

Mas, aparentemente, entre Pulitzer e William Randolph Hearst – o pai do jornalismo marrom -, a grande imprensa brasileira escolheu o segundo.

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O Estado de S. Paulo, o augusto Estadão, que historicamente se colocava como um baluarte conservador, mas respeitador dos fatos, divulgou em sua versão online a manchete de que a Petrobras destruira gravações de reuniões do Conselho de Administração para sumir com provas.

O repórter entregou uma matéria responsável. Consultou dois diretores que lhe asseguraram que não era hábito, mesmo, guardar gravações de reuniões de Conselho. Serviam apenas para instruir as atas. Depois das atas escritas, as gravações eram destruídas. Só depois que estourou a Lava Jato é que decidiu-se preservar as gravações, caso houvesse necessidade.

Ao longo do dia, a manchete foi desmentida por diversos veículos online. No dia seguinte, na edição impressa, manteve-se o enfoque errado.

Em outros tempos, poucos saberiam. Na era da Internet, o erro já tinha se espalhado. Ao insistir em mantê-lo os editores expuseram o jornal e sua história a milhares de leitores que já tinham conferido os desmentidos.

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O mesmo aconteceu com a revista Época, em conluio com procuradores da República do Distrito Federal.

Desde que saiu da presidência, Lula assumiu o compromisso público de aproximar-se da África e trabalhar negócios brasileiros por lá. Por seu lado, há décadas a Construtora Odebrecht investiu na área e em outros países emergentes. Hoje em dia, atua em 28 países construindo todo tipo de obra.

Finalmente, há décadas o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) dispõe de uma linha de financiamento às exportações de produtos e serviços, o Proex, da qual o maior cliente – por ser a empreiteira brasileira com mais obras no exterior – é a própria Odebrecht.

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No entanto, procuradores irresponsáveis foram investigar as obras da Odebrecht no exterior e montaram um inquérito com base nos seguintes fatos:

Lula visitou Gana e dois meses depois a Odebrecht conquistou um projeto por lá. Os procuradores tentaram criminalizar o que se tratava de uma estratégia bem sucedida. E ligaram a visita de Lula ao fato da Odebrecht ter conseguido um financiamento do BNDES – sendo que ela já tem 35 financiamentos, para suas obras internacionais.

Esse conluio mídia-procuradores teve repercussão em todos os jornais.

Os jornais atingiram seus objetivos políticos. Mas o jornalismo saiu mais uma vez sangrando do episódio. E mostrou que não há diferença mais entre blogs partidários e jornais.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Vitória de Pirro

    Não acho que se atingiu o objetivo político. Vão tentar, mas é tão ridícula a tentativa que se desfará no ar, restando apenas a vergonha que temos de nosso judiciário. A Época já não vale nada mesmo.

  • "Os jornais atingiram seus

    "Os jornais atingiram seus objetivos políticos. Mas o jornalismo saiu mais uma vez sangrando do episódio. E mostrou que não há diferença mais entre blogs partidários e jornais."

    Não era isso o que pretendia a Dna. Judith de Brito, em sua declaração sobre a postura da mídia nativa, como partido de oposição?

    Basta apenas um ou vários "porcoradores" e uma revista "éporca", para criar um factóide de ampla repercussão, para fornecer "argumentos" a paneleiros e coxinhas.

    A bola da vez agora é o marqueteiro do partido. Nessa toada, daqui a algum tempo, se um petista peidar no elevador vai ser acusado de crime ambiental.

  • O estupro propriamente dito tem punição, né não?

    Tem lei pra punir.

    Enquanto não houver ...

    O resto já sabemos, pelo menos uma parte da população já sabe, que FOI, É, SERÁ sempre assim.

    Tem lei contra isso, que puna esse tipo de estupro?

    E o estuprador pode andar livre pelas bancas, sites etc.

    Eu conheço seu rosto... faço o que pra denunciál-o? A quem ?

    Há, portanto, estupros e estupros.

    E há quem goste de ser vítima deles.

    Parece.

  • A imbecilização é um projeto de longo prazo

    Os jornais assumiram de vez a vinculação aos interesses dos grupos político/econômicos que são os seus financiadores/mantenedores sem maiores prúridos confiados naquilo que dizia Roberto Campos,  antigo herói do liberalismo tupiniquim: " A burrice tem um passado glorioso e um futuro promissor".

    De qualquer forma faltou combinar com a parcela crítica dos leitores que teimam em negar sua condição de gado.

  • Nassif, depois de anos de

    Nassif, depois de anos de peneiramento nao sei se eh possivel dizer que ha leitores de jornais que busquem se inf ormar. Estes ha muito passaram pela peneira ao notarem o partidarismo jornalistico. Quem sobrou eh cascalho, areia literalmente grossa e sem capacidade de agregacao, discurso hidrofobo. Ou seja, soh ha, aparentemente,  um tipo de leitor, o torcedor. Este soh ve fanatismo nos outros, mas eh capaz de beber agua de merda soh pelo prazer de ser anti.

    • Exemplo da canalhice que

      Exemplo da canalhice que passou a ser recorrente diuturno na mídia golpista:

      http://observatoriodaimprensa.com.br/radio/a-liberdade-de-um-lado-so/:

      "Na sexta-feira (17/4), o repórter Fausto Macedo, do Estado de S.Paulo, publicou em seu blog que a mulher do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, Giselda de Lima, possui renda mensal de R$ 300 mil. Sua renda é de R$ 3 mil por mês.
       

      Uma informação como essa é fundamental para formar a opinião dos leitores sobre a inocência ou culpabilidade da pessoa que é objeto da notícia. O texto errado (ver aqui reprodução da revista Forum) foi multiplicado nas redes sociais. A correção, só viu quem voltou ao blog para ler uma notinha de rodapé." "Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma..." de Joseph Pulitzer

       

  • Esperar o que dessa gente disposta a tudo?

    Cenas de uma campanha eleitoral que continua...

    ''Nesta quarta-feira, 23, um fato chamou a atenção no meio do ato pró-Aécio em São Paulo: o jornalista Fernão Lara Mesquista, herdeiro do jornal “O Estado de São Paulo”, caminhou pelas ruas com o cartaz “Foda-se a Venezuela”.

    Convocado por dirigentes do PSDB, o ato teve gritos de “Viva a PM” e xingamentos à presidenta Dilma Rousseff (PT). Parece que os militantes tucanos estão sendo bem adestrados dissemando um discurso de preconceito e ódio.'' Miguel do Rosário, editor de O Cafezinho.

  • Não há maior estupro à

    Não há maior estupro à democracia que o monopólio da mídia.

    Esse sim, o estupro- mor.

    Dentro dele cabem os citados no texto.

    A democracia respira por aparelhos ( pelo jornalismo independente na internet , ao qual, infelizmente, só têm acesso os cidadãos mais esclarecidos ).

     

     

  • O problema de quem pega o touro pelo chifre...

    Com o HC conferido aos presos da Lava Jato, ficou claro que Moro e a grande Imprensa familiar, componentes do mesmo time e buscando os mesmos resultados, deveriam voltar à carga... Novos depoimentos de quem, aparentemente, já falou tudo que tinha para falar, mas que sabe que o show must go on. Nada importa... nem que as ações da Petrobras tenham se valorizarado em 50% nos últimos meses e muito menos que o chamado "movimento das ruas" tenha recrudescido. Decidiram pegar o touro pelo chifre... E agora, não conseguem mais larga-lo! 

  • No caso do Lula só tapado

    No caso do Lula só tapado acredita nessas reporcagens, se esquecem do lobby que o clinton fez sobre o sivam? Quando disse que os estados unidos não poderiam abrir mão de um projeto de um bilhão de dolares por que geraria empregos por lá? No caso dele o problema era de espionagem mesmo, se pedissem dariam aquelas tralhas de graça pro fhc, mas ele fez o que? O problema desse pessoal do jornalismo coxinha é que acha que está lidando com gente obtusa, mas esse tempo passoum eles é que estão em extinção, com seu jornalismo jurrasico e maledicente.

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