O xadrez da República de Temer e a guerra mundial

Há um conjunto de circunstâncias que, em um ambiente democrático, permitem as grandes tacadas políticas e de negócios.

Os pacotes contra a inflação abriram esse espaço para operações de arbitragem de taxas, de jogadas no mercado de câmbio e de vendas de estatais. Criava-se a comoção nacional, em nome da união contra o inimigo maior – a inflação – e conferia-se ao comandante econômico o direito de matar. E matava-se valendo-se da sofisticação da matemática financeira.

O novo normal brasileiro incluiu o golpe do impeachment, que fere fundo a democracia, e um bando assaltando o poder com arcos, flechas e tacapes.

Mas não sufocou outras formas de manifestação democrática, como a autonomia dos poderes, o novo protagonismo das redes sociais, as manifestações de movimentos sociais e coletivos e o acompanhamento da cena política pela opinião pública midiática.

Essa democracia, ainda que ferida, é um obstáculo à dois tipos de ações espúrias:

1.     As manifestações ostensivas de poder.

2.     As grandes jogadas financeiras.

E a cada dia que passa mais se consolida o perfil do governo Temer em torno desses dois eixos.

Os personagens públicos que se expõem em demonstrações excessivas de força provocaminvariavelmente uma reação da opinião pública em sentido contrário.

Ocorre o mesmo nas jogadas financeiras, especialmente após campanhas de cunho moralista, como a que promoveu a tentativa de impeachment de uma presidente eleita.

É nesse terreno movediço que o grupo de Temer se move, como elefantes em loja de louça.

Chave 1 – a república de Temer e a truculência

No início, a República de Alagoas era incensada. Colegas saudavam os novos conquistadores, bajulavam, elogiavam suas gravatas Hermes, trocavam elogios pelo direito de participar das feijoadas de Cleto Falcão, divulgavam que PC Farias era um amante de “cantatas de Bach” (anos depois, fiz uma entrevista com Collor e indaguei sobre as aptidões musicais de PC Farias. Sua resposta foi a de que provavelmente eles confundiram com “cantadas no bar”).

Nos primeiros meses do PT foi a mesma coisa, com o deslumbramento dos novos poderosos sendo saudado por áulicos.

É chocante a diferença de dimensão do grupo de Temer com os coronéis nordestinos – como José Sarney e Renan Calheiros. Ambos têm boa formação cultural e respeito pela chamada liturgia do cargo. O grupo de Temer não. Agem como chefetes do interior, usando métodos de capitães do mato em pleno centro do poder, à vista de todos.

É só conferir o inacreditável Gedel Vieira de Lima, aplicando, no coração do país, os métodos políticos do sertão da Bahia. Diz, com todas as letras, que empenhará todas as suas forças para destruir a TV Brasil, que proibirá qualquer publicidade de empresas estatais em veículos críticos ao governo, em uma claríssima demonstração de censura política.

Na fase de deslumbramento, suas fanfarronices recebem o respaldo de jornalistas locais, como Tânia Monteiro, do Estadão, e Jorge Bastos Moreno, de O Globo, que se oferecem para os tiros a serem desferidos nos colegas do outro lado do muro.

Ocorre que o mercado de opinião não prescinde do exercício do caráter. Por mais oportunista que seja o jogo de mídia – ou de jornalistas, individualmente -, por mais que a parcialidade gritante da mídia teime em criar o discurso único, o mercado de opinião é suscetível a julgamentos de caráter. Ainda mais agora que o grande mote unificador – Dilma presidente – se diluiu e, em seu lugar entrou um Ministério dono da maior capivara da República.

Daqui a algum tempo, a imprensa do Sudeste estará se referindo aos Gedels, Padilhas, Moreiras Francos e Temers com o mesmo desprezo com que passou a se referir aos alagoanos que desembarcaram com Collor.

Trata-se de uma dinâmica do jornalismo que está acima das preferências ideológicas. Quando uma autoridade pública começa a dar demonstrações ostensivas de poder, a incorrer em abusos retóricos ou reais, entra na alça de mira da opinião pública nos centros mais modernos. Nasce uma nova demanda dos leitores exigindo seu enquadramento. E esse movimento chega até os jornais, aos seus colunistas e transborda para procuradores, juízes. Foi o que aconteceu com o mais blindado dos personagens políticos da Lava Jato, Aécio Neves.

Chave 2 – a república e os negócios

Parte intrínseca do pacto político que levou Temer ao poder é a entrega do Estado para negócios particulares dos novos conquistadores.  A montagem do Ministério é prova disso. Soma-se avidez e imprudência em um grupo que corre contra o relógio, sabedor da instabilidade intrínseca do interino.

A parte mais graúda virá nos próximos meses, em torno de dois meganegócios: a nova Lei do Petróleo e as privatizações.

A possibilidade de Elena Landau assumir a presidência da Eletrobrás é sinal eloquente do ritmo que se quer imprimir ao jogo. Landau é personagem polêmica nas manobras de Daniel Dantas no setor elétrico. Com ela na Eletrobrás, Moreira Franco na tal Secretaria das Privatizações, auxiliado por José Serra no Ministério das Relações Exteriores, não há como não dar errado.

Chave 3 – o mito do bom juiz

 Até ditaduras exigem a legitimidade do ditador. A legitimidade pode ser dada por propostas de expansão do poder nacional, por benefícios sociais, pela disseminação da imagem do déspota esclarecido, pela promessa de melhoria de vida e até pelo primado racial.

Deus poupou a Temer o sentimento da grandeza. É político pequeno, vingativo, sem capacidade de mediação, propenso a pequenos gestos de retaliação e suscetível a qualquer pressão.

Cedeu às corporações públicas, cedeu às pressões da base – ampliando a meta de déficit fiscal para atender aos políticos. Principalmente: cedeu a um grupo comprometido até o pescoço nas investigações da Lava Jato.

Em suma, em lugar de pairar acima das paixões, mergulhou de cabeça na pequena política .

Desfecho – a guerra mundial

Chega-se, finalmente, ao desfecho: a guerra mundial entre os poderes.

As três Chaves mencionadas comprovam as vulnerabilidades do grupo de Temer. Aí entram os demais personagens.

Numa ponta tem-se o Procurador Geral da República Rodrigo Janot e seu pedido de prisão de três senadores, mais os primeiros vazamentos envolvendo cardeais do PSDB. Abriu uma enorme frente de adversários.

Na outra, o Senado começando a se movimentar contra Janot, provavelmente articulado com o Ministro Gilmar Mendes.

Um terceiro ponto é o rigor discreto de Teori Zavascki, que não cedeu aos pedidos de prisão solicitados por Janot, mas com um voto que não enfraqueceu a posição do PGR. Ao mesmo tempo, abriu espaço para que a defesa de Dilma ou Lula processe o juiz Sérgio Moro.

Finalmente, o fator Eduardo Cunha, com uma certeza e uma incógnita. A certeza é de que irá em cana. A incógnita é sobre quantos levará com sua delação.  

Ontem, Janot recebeu dois apoios importantes: do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e de seu ex-chefe Cláudio Fonteles, uma das referências do Ministério Público Federal.

O apoio de Fonteles é simbólico – já que está aposentado -, mas com enorme significado moral. Foi graças à pressão dele e de outros procuradores referenciais, que Janot saiu da parcialidade que até então marcara sua atuação e embrenhou-se pela selva atrás de intocáveis.

Agora, seu apoio devolve a Janot parte da legitimidade perdida com seus assomos de onipotência. E isso apesar da piada pronta, da súbita indignação de Janot com vazamentos e o pedido ao diretor-geral da PF Leandro Daiello para que investigue o vazamento dos pedidos de prisão dos senadores. Até hoje se aguardam os resultados das investigações do vazamento de delações para Veja, na véspera das eleições. Nem a PF investigou nem Janot demonstrou a menor preocupação com a manobra.

Esses conflitos paralelos são parte do circo de horrores em que se converteram as instituições brasileiras.

Que Janot saia vitorioso desses embates, especialmente na hora do embate maior, do enfrentamento do poder indiscutível de Gilmar Mendes, o maior dos desaforos sofridos pela jovem democracia brasileira..

Mas, definitivamente, não há heróis na República.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • Uma coisa
    São as privatizações do governo FHC: apesar de entreguista, foram realizadas por um governo legitimamente eleito. Outra, são as promovidas por um golpe de estado.
    O que a esquerda deverá fazer, tão logo comecem as "reformas", é dizer em alto e bom som que elas serão revertidas, assim que retornar ao poder.
    Não se pode ter timidez neste caso, é preciso ter lado e compromisso numa hora tão relevante para o país. E que sirva de lição aos oportunistas que levaram este golpe.

    • Reformas

      Caro Rodrigo, depois de efetuadas dificilmente são revertidas.

      Impedir que aconteçam com mobilizações crescentes é minha utopia.

      Ela se desvanece na medida que ao longo de peregrinações em vários núcleos de representação popular, o discurso

      de resposta ao meu pedido de união entre as forças de esquerda é sempre que há discordância entre as causas da luta.

      Não adianta responder que o objetivo é o mesmo, proteger os direitos sociais e a autonomia do Brasil frente a entrega de empresas nacionais, projetos (energia nuclear e exploração de petróleo em águas profundas) e o próprio pré-sal.

      Ainda está por vir a revelação da quantidade das reservas de petróleo do Brasil além da entrega de patentes nacionais a interesses digamos nada republicanos.

  • Derrota do PGR

    E se ao contrário, Janot for derrotado?

    Renan não deve acatar o pedido de impeachment do PGR protocolado no Senado, mas não acho difícil de imaginar um presidente temerário já-desprovido-de-interinidade de mandar um pedido de destituição ao Senado.

    Destituição essa que passa com o voto de 41 senadores.

    Janot está tão certo assim do apoio da opinião pública a ponto de jogar nesse nível?

     

  • 0 xadrez da República de Temer e a guerra mundial

    Espero Nassif, que ela seja somente entre os poderes ! Tanta conspiração e jogadas não podem ter brotado de  cérebros   do Cunha e nem de Temer, por dependerem de elevado valor orçamentário ,  político, além de precisão , articulação e grande poder de persuação , atributos isentos ao Temer. Enxadristas decidem o jogo, Temer já está descartado, só falta alguém rolar a pedra ....! E Teori não quis fazê-lo, seria útil, salvaria o Estado de direito e a legitimidade das eleições , mas nada o convenceu, apenas a "insignificância" das gravações diante de um golpe de Estado! Não sou a favor da arbitrariedade, mas Janot não agiria com leviandade ....! Algo mais grave consta nessas gravações  que não foi publicado , por comprometer integralmente pessoas de grande poder ? Pois é, o Estado nada em oceano inimigo, é lançado de um lado para outro e de repente os náufragos percebem que todos da ilha têm a face semelhante a de Temer... !   Creio que o jogo será decidido em terras distantes ....contudo várias instituições brasileiras agem  como forças operacionais do golpe em curso!  Algo sério e criminoso, atentar contra a soberania , a independência econômica e política do país, concordam?  

    • Parece que a guerra  mundial 

      Parece que a guerra  mundial  é parte desse pacote desembrulhado no Brasil. O que de fato importa aos empacotadores de terras distantes segue o seu curso sem transtorno. O caos promovido pelas forças operacionais internas tem sido o padrão nos golpes destes tempos sombrios.

  • O que existe em comum neste circo de horrores

    Neste circo de horrores o que há de comum é a falta de espírito público, de espírito de estadista, de visão. Com o país em ebulição não são capazes de pensar grande. Só em defender seus pequenos feudos, suas regalias, suas corporações. Com o governo enterino (com "e") todos os 4 poderes comportam-se como piadas sem graça, despreparados, vingativos, maquiavélicos, obscurantistas desmoralizando o pouco que restava de moral às instituições.

    P.S. Se Teori constatou atitude criminosa por parte de Moro, por que não tomou medidas punitivas contra ele? A quem recorrer? Ao bispo? Aqui não cabe a desculpa de não interferir com outros poderes.

     

     

     

    • Deveriam alegar supeição

      Deveriam alegar supeição desse juíz já que ele agiu com espirito vingativo, mas nos tempos atuais duvido que isso de certo.

    • Prezado Fred
      Bom dia 
      São as

      Prezado Fred

      Bom dia 

      São as malditas listas triplice !!!

      Haja ingenuidade no petismo.

      Tenho inveja dos ianques.

      Abração

       

  • "(...) Senado começando a se

    "(...) Senado começando a se movimentar contra Janot, provavelmente articulado com o Ministro Gilmar Mendes."

    Então é por isso que aquele grupo de coxinhas inveterados que se xingam de “revoltados online” está falando em processar Janot... Agora caiu a ficha! Depois a cambada fala que o impeachment é pra acabar com a corrupção. Tem muitos cretinos ali que nem estão se dando conta, a que, estão se prestando.

  • Princípios da Filosofia do Direito, Hegel

    §318 - Tanto merece, pois, a opinião pública ser apreciada como desdenhada; desdenhada na sua consciência concreta imediata e na sua expressão, apreciada na sua base essencial que na manifestação concreta só aparece mais ou menos perturbada. Em si mesma não possui ela a pedra de toque ou a capacidade de elevar a um saber definido o que tem de substancial, e, por isso, a primeira condição formal para fazer algo de grande e de racional é ser independente (tanto na ciência como na realidade). Pode-se estar certo de que a opinião pública acabará por reconhecer esta grandeza e fará dela um dos seus preconceitos.

  • Estamos realmente perdidos
    Quando temos que torcer por Janot num embate contra Gilmar Mendes

    Que ataque a "cardeais do PSDB" que não foi noticiado aqui no blog? O intocável tucano não é Aécio, é Serra. Ninguém aponta como obteve o patrimônio que tem sendo filho de feirante ou como Veronica Serra, que só foi até hoje assessora do pai, conseguiu dinheiro para ser dona do site Mercado Livre, junto com Veronica Dantas, filha do "banqueiro brilhante" DVD, segundo FHC.

  • Estamos chegando ao gran finale do Golpe Jurídico midiático

    Sem dúvida estamos nos finalmentes do verdadeiro golpe e da verdadeira intenção única da lava jato: a retirada de Lula do cenário político.

    Ver os movimentos desses togados em consonância aos encaminhamentos dados à operação Lava Jato nos dão a certeza de que Lula vai ser o grande destaque midiático desses próximos dias, senão bem da vespera do julgamento do impedimento de Dilma. Não sei se a presença ostensiva de uma grande parcela da mídia mundial não será o obstáculo para o não adiamento da prisão de Lula para as vesperas do julgamento, portanto, durante as olimpíadas, mas isso será efetivamente o xeque mate de toda essa operação conjunta justiça-mídia-oposição.

    Aí deveremos ter a maior manifestação de patifaria por parte daqueles que se juntaram para perpetrar esse golpe nas barbas de todo povo brasileiro. Imaginem as cameras focadas nos semblantes extasiados dos frota, revoltados katagari bolsonaros, tripudiando em cima do líder jogado na jaula curitibana, Serão momentos de dobrar as víceras de qualquer mortal, principalmente aqueles que lutam por um país mais justo e voltado para os mais necessitados.

    Teori destrancou a porta....segue-se então a escrita.

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