Política no Brasil ainda é feita com estômago e não com a cabeça, diz João Cezar de Castro Rocha

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Jornal GGN – Autor dos livros Literatura e cordialidade: O público e o privado na cultura brasileira e Cordialidade à brasileira: mito ou realidade?, o historiador João Cezar de Castro Rocha afirma que a ideia do “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Hollanda, é característico de sociedade desiguais.
Para Castro Rocha, a polaridade política e a intolerância vivida atualmente no país é “absolutamente cordial no sentido próprio do termo”, sendo que o país ainda faz política “com estômago e não com a cabeça”.
O historiador acredita que não é possível comparar o chamado “jeitinho” com a corrupção de grandes empresas, como a Odebrecht. “Se dissermos que tudo é a mesma corrupção é mais um meio que a elite tem de se desculpar”, afirma,  ressaltando que o jeitinho, muitas vezes, é uma estratégia para se lidar com uma “sociedade que tem um cotidiano esquizofrênico”.
“No Brasil, historicamente, há uma elite que se considera realmente superior ao restante da população e que, por isso, considera ter direito a saquear a coisa pública”, afirma.

Leia mais abaixo:
Da Deutsche Welle
Em entrevista à DW Brasil, historiador diz que é preciso combater uma sociabilidade que se baseia em tratar o público como o privado: “Há uma elite que se considera realmente superior ao restante da população.”
Clarissa Neher
Há pouco mais de 80 anos do lançamento do clássico Raízes do Brasil, o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda, que não distingue o público do privado, parece ainda presente na sociedade brasileira, apesar das previsões do intelectual que a cordialidade desapareceria com a industrialização.
Em 1936, Sérgio Buarque de Holanda apresentou pela primeira vez o conceito, resultado de uma sociedade rural autoritária caracterizada pela família patriarcal. Segundo o intelectual, esse homem cordial dominou as estruturas públicas do país, usando-as em benefício próprio.
No entanto, não foi exatamente isso o que ocorreu. Para o historiador João Cezar de Castro Rocha, a cordialidade é uma característica de sociedades hierárquicas e desiguais. Em entrevista à DW Brasil, o autor dos livros Literatura e cordialidade: O público e o privado na cultura brasileira e Cordialidade à brasileira: mito ou realidade? debate o conceito de homem cordial e sua ligação com a corrupção.
“O problema da corrupção endêmica no Brasil só terá solução quando efetivamente constituirmos uma nação, quando em lugar de homem cordiais e elites que se consideram superior aos outros, nós formos de fato todos cidadãos”, destaca Castro Rocha.
DW Brasil: O conceito de “homem cordial” parece mais atual do nunca. Mas Sérgio Buarque de Holanda previa que ele desapareceria com a industrialização e o fim da sociedade rural. Na sua opinião, por que ele não desapareceu?
João Cezar de Castro Rocha: Eu proponho que, na verdade, o homem cordial não é apenas fruto de uma sociedade agrária, mas característico de uma sociedade hierárquica e desigual, como a sociedade brasileira, que foi fundada sobre o trabalho escravo e que ainda hoje mantém a consequência do longo período de escravidão. Então, o homem e a mulher cordiais não apenas permaneceram, como pelo contrário, cresceram e estão muito fortes.
E isso é visível também na política?
A atual política brasileira, marcada por uma polaridade radical, por intransigência inédita e por uma intolerância completa é absolutamente cordial no sentido próprio do termo, ou seja, é uma política que se faz com afetos, com estômago e não com a cabeça.
A corrupção seria característica própria do “homem cordial”?
Seria ingenuidade imaginar que o homem cordial é por vocação mais corrupto do que a seriedade alemã ou puritanismo anglo-saxão. A corrupção faz parte de toda e qualquer estrutura de poder, mas a questão central de uma corrupção que pode ser caracterizada como cordial é a sua associação com a ideia da hierarquia e da desigualdade.
No Brasil, historicamente, há uma elite que se considera realmente superior ao restante da população e que, por isso, considera ter direito a saquear a coisa pública. Nós não temos um Estado no sentido próprio do termo, temos é um aparato estatal apropriado pelas elites.
O senhor fala da corrupção nas elites, mas é possível afirmar que ela ocorre também nas camadas mais baixas, que é algo generalizado?
É preciso diferenciar a corrupção de uma sociedade que tem um cotidiano esquizofrênico. Em 1808, quando a família real veio para o Brasil, não havia casas suficientes, e o rei mandou pintar nas portas de algumas a inscrição “Propriedade Real”, PR, obrigando os donos a deixá-las para os nobres portugueses. O povo traduziu PR como “ponha-se na rua”. A história da cultura brasileira é uma oscilação constante entre propriedade real e ponha-se na rua.
Existe uma lei e sabemos que ela não é cumprida porque não há as condições práticas para cumpri-la, ao mesmo tempo, não podemos verbalizar o caráter vazio da lei, então, desenvolvemos uma sociedade profundamente esquizofrênica no sentido próprio do termo. Dizemos A sabendo que precisamos fazer B. Eu faria uma diferença entre o princípio esquizofrênico e a corrupção.
Qual seria essa diferença?
Há um princípio de maleabilidade que pode levar a uma corrupção, mas eu diria que corrupção hoje no Brasil é a apropriação privada dos recursos públicos. Não dá para comparar o senhor Emilio Odebrecht, roubando bilhões de dólares, com o pobrezinho do brasileiro que no serviço público oferece um cafezinho para o atendente. Se dissermos que tudo é a mesma corrupção é mais um meio que a elite tem de se desculpar.
Mas o jeitinho, esse desvio do cotidiano, não legitimaria de alguma forma a corrupção nas grandes esferas?
Acho isso é um equívoco, pois o que está à disposição da elite brasileira, das empreiteiras, dos partidos políticos e de políticos não é um jeitinho, é um tremendo jeitão, não tem comparação. Além disso, a sociedade foi organizada de uma forma esquizofrênica, o Estado sempre impôs ao povo inúmeros PR e o jeitinho é uma estratégia, em alguns casos, para driblar a impossibilidade de cumprir o PR.
Mas se simplesmente legitimarmos o jeitinho, nós estaremos favorecendo a corrupção. Acho importante que, no cotidiano, o brasileiro comece, por exemplo, a apenas atravessar o sinal quando ele estiver aberto para pedestres. É muito importante uma mudança de cultura.
Como seria possível acabar com esse ciclo desta corrupção generalizada?
Do ponto de vista do Estado brasileiro é preciso acabar com esse discurso tolo de que tem muito Estado no Brasil, pois não tem. O Brasil tem Estado de menos para o que de fato importa. É preciso ainda implementar mecanismos eficientes de controle que tenham como base a transparência. Do ponto de vista da sociedade é começar uma discussão a longo prazo que necessariamente deve passar pela educação e, sobretudo, por uma consciência crescente para mudarmos nossa forma de agir no trato diário. Por exemplo, não posso defender a universidade pública e não dar minhas aulas.
O problema da corrupção endêmica no Brasil só terá solução quando efetivamente constituirmos uma nação, quando em lugar de homem cordiais e elites que se consideram superior aos outros, nós formos de fato todos cidadãos.
O que é preciso combater?
É preciso combater uma sociabilidade que se baseia em tratar o público como o privado, e isso são o homem ou a mulher cordial. A sociabilidade cordial é movida pelo coração, tanto ama quanto odeia, tanto pode ser autoritária quanto afetiva, mas impõe fundamentalmente a ordem pública a lógica do privado.
Sem dúvida para superar esse tipo de corrupção precisamos fazer que o Estado brasileiro finalmente seja público e deixe de ser um parque de diversões para que as elites econômicas, políticas e financeiras deste país continuem tirando os recursos públicos como se fossem privados.
Redação

Redação

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  • politica....

    É inacreditável este blá, blá, blá da nossa elite tupiniquim. Elite que não é elite. Esquerda que não é esquerda. Imutável. O que escreveram a 1 século não se altera. Cabe em qualquer circunstância. Mudamos dos filhos dos latifundiários que se tornavam advogados para o Escola de Sociologia da USP. Doutores, todos. Sabe com quem tá falando?! Ney e Ariano Suassuna, dois lados da mesma moeda coronel. A elite nacional que não se enxerga elite. Reescrevemos este país. O Brasil da Redemoratização, da Constituição Cidadã é o Brasil que nunca havia exisitido. Assim como a China da Revolução Cultural, do comunismo era outra China dos Imperadores. Diferentemente da China da Revolução Econômica de 1979. Assim como o Irã deste ano, não é mais o Irã dos Xa's. Como a Europa depois da Grande Guerra, se tornou outra realidade. Somente nossa elite ditatorial parece imutável. Não se enxergam ditatoriais, nem se enxergam o problema. Mesmo escrevendo a Constituição e a aplicando em 40 anos de redemocratização não se assumem responsáveis pela miséria nacional. A calamidade atual, de incompetência, imposições ditatoriais, votos obrigatórios, corrupções, 100 mil assassinatos, maior criminalidade mundial, escolas mediocres não é culpa desta elite de esquerda que dominou o país após a Anisitia de 78. E ainda tentam explicar o Brasil?!  Maia, de César Maia exilado no Chile. Cabral de Cabral pai, perseguido politico. Indenizado regiamente por isto. Campos de Arraes, FHC ou Serra de UNE e USP, Aloisio da guerrilha urbana, juntamente com Dilma, Genoino ou Dirceu. Lula dos sindicatos. Realmente, no brasil, elites e culpas são sempre os outros. País de fácil explicação.       

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