Política

“Todos os ingredientes para milicializar o País estão dados”, diz pesquisador

O Brasil já saiu da era em que as milícias se restringiam à venda de proteção ou cobrança de ágil sobre a operação de pequenos comércios. “Não é mais um carro parado na frente do supermercado, é um projeto de Estado”, e “todos os ingredientes para milicializar o País estão dados”. É o que afirma o doutor em Sociologia, pesquisador e professor da UFF, Daniel Veloso Hirata, em entrevista exclusiva à TVGGN (assista ao final).

A expansão do poder político e econômico das milícias, e sua estrutura sofisticada, é o principal objeto de estudo de Hirata, que também coordena os trabalho do GENI – Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos. Ele frisa que essa expansão se dá também por conta da conivência – quando não, a ingerência – de agentes de Estado.

“Pelos vínculos que as milícias sempre tiveram com agentes de Estado, elas crescem de maneira a entrar na estrutura estatal. Este é o detalhe mais importante. Hoje nós temos projeto de cidades, de Estado, de País que passa pelas milícias. Porque há compromissos, tolerância, conivência, participação direta de agentes de Estado – de todo tipo de funcionário do Legislativo, Executivo e Judiciário, em todos os níveis, que mantêm relações com as milícias.”

É este poder político que também permite às milícias se livrarem de investigações sobre crimes envolvendo paramilitares. Caso da morte da ex-vereadora Marielle Franco, que até hoje não foi elucidado.

Em 20 anos, as milícias passaram a controlar 57% da cidade do Rio de Janeiro, 25% dos bairros da capital, e 33% da população, ou seja, mais de 2 milhões de pessoas vivem sob o controle territorial armado de paramilitares. “Isso mostra expansão espetacular das milícias”, pontuou Hirata.

Sob o governo Bolsonaro, os milicianos – que têm a simpatia da família presidencial, que não esconde isso de ninguém – ainda ganharam mais vantagens, que vão desde o afrouxamento das leis sobre armamento, como a intervenção no Porto de Itajaí, de modo a facilitar o contrabando de armas – fato que acabou passando batido pela grande mídia.

Na entrevista aos jornalistas Luis Nassif e Marcelo Auler, Hirata também falou da relação da ditadura militar com a contravenção, e de como aquela era de repressão forjou os militares que se desviaram do caminho para integrar esquadrões da morte ou grupos milicianos interessados no próprio lucro.

Hirata também comentou sobre a estrutura sofisticada das milícias, que têm uma base econômica muito sólida graças à diversificação de seus negócios. Só no ramo imobiliário atuam em diversas frentes: “ocupação, grilagem, construção, compra e venda. Tem milícia atuando em administração condominial! É difícil reverter isso sem que os órgãos de controle e repressão estejam consentidos com a tarefa de enfrentar esses grupos”, comentou Hirata.

Quando questionado sobre o que o poder público pode fazer para desbaratar as milícias, antes que elas se espalhem pelo Brasil, Hirata apontou duas ações objetivas: primeiro, fazer o controle democrático da atividade policial. Segundo, realizar atividades de cunho regulatório para desmontar a base econômica das milícias.

Ele citou “regulação do solo urbano, transporte, água, esgoto, mercado de internet, gás, etc. Um presença não só policial, mas em forma regulatória, seria muito mais eficiente. O problema é que quando há atuação contra milícias, é puramente repressivo. Operação policial com força bruta nunca resolveu nem o problema de tráfico de drogas.”

Hirata também apontou os fatores que levam a população a aceitar o controle das milícias sobre os territórios e como religiões fundamentalistas podem se fundir com esses grupos paramilitares e representar, no futuro, um perigo ainda maior – que o pesquisador batizou de “iranização do Brasil”.

Assista:

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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  • O que mais espanta é que, como ajuda a esvaziar o estado, é bem aceito, é brincadeira como os donos dessa joça acham bom e doce, sobre os milicos, mas estado esvaziado, com preservação de direitos, que mal há? Podres!

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