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A educação paulista

Conversei com duas pessoas com ampla experiência com a educação paulista.

Ambas, envergonhadas com o episódio do teste feito pela Secretaria da Educação de São Paulo, que expôs de forma ampla a decadência do ensino paulista. Nada contra o teste em si, dizem elas, mas com o fato de se saber, a priori, o desastre que seria e da Secretaria da Educação jamais ter atacado a base desse desastre, que é a preparação dos professores.

Ambas entendem que a decadência do ensino paulista – e brasileiro – começou com a proposta da educação continuada. Não com a proposta em si, mas com a maneira como foi implementada.

O objetivo da proposta era claro. O estado perdia muito com os repentes, por isso os diretores e professores teriam que fazer de tudo para evitar a repetência. Mas o “fazer de tudo” significava prover o aluno das ferramentas necessárias para aprender e passar de ano com mérito.

Para que isso fosse possível, a rede pública teria que ser aparelhada com formas de suplementação do estudo, treinamento aos professores. E, principalmente, o propósito da educação continuada teria que ser explicitado de forma clara e abrangente. Nada disso ocorreu.

É proibido repetir

Na ponta, a mensagem que chegou foi outra: está proibido repetir aluno. O resultado foi um desastre, com o desinteresse dos professores em ensinar, sem ter como avaliar. Ensinar para quê, se a única forma de avaliação – as provas que poderiam levar ou não à repetência – tinham sido abolidas. Sistemas de ensino como o Senac e o Senai se depararam com muitos professores contratados que tinham absoluta certeza de que a repetência estava proibida.

Na área estadual, o desastre começou com a primeira Secretária a implementar o modelo, Rose Nebauer. A obra foi finalizada com Gabriel Chalita.

O segundo ponto – apontado aqui por uma das senhoras  – é que a base estava podre. E, por base, entenda-se a preparação dos professores. Passou-se a exigir cursos de Pedagogia. Imediatamente proliferaram esses cursos por tudo quanto é universidade privada, das Uninoves às Bandeirantes da vida.

Para não atrapalhar o andamento dos cursos, a maior parte das faculdades não exige experiência em aula. Os alunos saíam formados sem noção alguma de pedagogia, sem experiência de aula.

Em muitos casos, as professoras saíam semi-alfabetizadas. A senhora que possui maternal e primário disse que precisou ensinar todas as suas jovens professoras o que era dar aula. E, a muitas delas, precisou ensinar o português. Muitas vezes, alunos recém-alfabetizados acabavam corrigindo a professora em aula.

O MEC e o Conselho Estadual de Educação

Hoje em dia, o único sistema não privado que mantém um mínimo de qualidade em São Paulo é o SESI. Tanto que para conseguir uma vaga é uma briga – o que demonstra que as famílias e os alunos sabem da importância de educação de qualidade.

Aí entra o papel o Ministério da Educação e dos Conselhos de Educação. Uma delas, apesar de ter participado da campanha de Paulo Renato para deputado, diz que o seu período foi de completo abandono de qualquer veleidade de trazer qualidade ao ensino. Interessavam apenas as estatísticas quantitativas de número de aluno na escola.

Lembro-se de ter conversado no final do governo FHC com Jocimar, o grande educador, membro da equipe do Paulo Renato. O MEC havia, finalmente, desenvolvido uma nova sistemática de avaliação, para medir a qualidade do ensino. Mas isso quando o governo já estava no fim.

Depois, a situação melhorou, diz essa professora. Nos últimos anos, o MEC passou a distribuir recursos para treinamento dos professores. No entanto, praticamente desmontou a Delegacia de Ensino em São Paulo.

Com isso, as faculdades só são vistoriadas a partir de denúncias de alunos ou professores. Deixou-se todo um sistema mercantilista solto, sem maiores exigências de aprimoramento.

Outra peça essencial – o Conselho Estadual de Educação – foi completamente aparelhado nos últimos 8 anos. O Conselho tem 24 membros. Há um representante da USP, outro da Unicamo e Unesp, representantes de diversas organizações de ensino – mas sempre o diretor geral ou dono (que se preocupa com o negócio), e não o responsável pedagogo. Além dos donos de escolas, os demais estão loteados por indicações políticas, modelo que começou no governo Alckmin e foi mantido no governo Serra.

Educadores de verdade, diz ela, existem poucos. Um deles é o professor Kassab, pai do atual prefeito Gilberto Kassab.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • A primeira coisa a fazer e
    A primeira coisa a fazer e EXIGIR, eu disse EXIGIR, 100% professores doutores em tempo integral nas universidades ensinando. Esta e a base.

    Tem que fechar, FECHAR, os cursos de pos em fim de semana.

    A maioria dos cursos de pedagogia nao serve pra nada. Tem que FECHAR tambem. Tem e que permitir que profissionais como engenheiros e medicos possam lecionar. Muito melhor que professor que nao sabe nada.

    Outra coisa.

    Por que acabaram com a CARTILHA e com a TABUADA? Gracas a elas o pessoal aprendiam rapidinho e fazia conta de cabeca. Ja hoje hein .....
    Tambem nao entendo, porque, apesar de tanto falarem na necessidade de boa educacao, nao ensinam ingles desde a mais tenra idade. Ingles e essencial.

  • Nassif,

    So de curiosidade, o
    Nassif,

    So de curiosidade, o professor Kassab leciona qual disciplina?

    Não perguntei. Eles se referiram a ele como um educador de mão cheia.

  • O TRISTE É QUE ESSES NÚMEROS
    O TRISTE É QUE ESSES NÚMEROS NÃO DESPERTAM NA SOCIEDADE O ALERTA VERMELHO. SÃO USADOS APENAS PARA QUE A ESFERA FEDERAL E ESTADUAM SE ALFINETEM.

    O BRASIL DARIA UM PASSO IMPORTANTE SE DESSE UM PISO SALARIAL PARA JORNADA DE 30 HORAS SEMANAIS DE 6.000 REAIS. AÍ SE FARIAM CONCURSOS MAIS DISPUTADOS DO QUE PRA CONTÍNUO DO BANCO DO BRASIL. TEM GENTE QUE, QUANDO ESCUTA ESSA MINHA IDÉIA, ACHA LOUCURA. MAS A LOUCURA MAIOR É DEIXAR QUE A BASE DA EDUCAÇÃO CONTEM COM PROFISSIONAIS DE BAIXA QUALIFICAÇÃO.

    O DIA QUE A ESCOLA PÚBLICA TIVER UMA QUALIDADE PRÓXIMA AO DE UM COLÉGIO COMO PORTO SEGURO, TODO MUNDO GANHA. ATÉ A CLASSE MÉDIA MÉDIA, QUE PREFERE CORTAR PLANO DE SAÚDE A TIRAR OS FILHOS DE UMA ESCOLA PARTICULAR, SERIA BENEFICIADA, POIS UMA BOA PARTE DAS ESCOLAS PRIVADAS Têm UM ENSINO FRACO - QUE PARECE SER BOM QUANDO COMPARADA COM A TERRA ARRASADA DO SETOR PÚBLICO.

    MAS A EDUCAÇÃO DEFINITIVAMENTE NUNCA FOI PRIORIDADE SÉRIA NA HISTÓRIA DO BRASIL. MESMO A GENTE TENDO EXEMPLOS DE PAÍSES QUE HÁ 50 ANOS ERAM MAIS POBRE QUE O BRASIL E QUE GRAÇAS A UM SALTO DE QUALIDADE EDUCACIONAL SE TORNARAM POTÊNCIAS ECONÔMICAS - VIDE CORÉIA DO SUL.

  • O problema sofrido pelo
    O problema sofrido pelo setor da educação é o mesmo que todos os outros setores onde os tentáculos do Governo chega. É difícil qualificar, podemos chamar de “várias e diversas” maneiras, tais como: APADRINHAMENTO, NEPOTISMO, CORRUPÇÃO, etc..., e poe etc... nisso.
    Me refiro aos cargos de segundo escalão, onde são colocados os cupinchas, os parentes e os que não conseguiram se eleger ou re-eleger.
    São nestes cargos de segundo escalão onde geralmente acontece toda a maracutaia, geralmente os indicados não são competentes para assumi-lo, geralmente também não foram colocados lá para administrar o setor e sim para tentar fortalecer o caixa dois deles ou do partido para as próximas eleições, e é difícil ser detectado pois o foco principal da imprensa geralmente são nos cargos de primeiro escalão.
    Essa mudança, a meu ver se daria possível somente com um STJ atuante, mas aqui no Brasil eles atuam em direção contrária, conforme vemos diariamente nas matérias publicadas pela imprensa.
    É a banalização da política brasileira, sou pessimista quanto a esse quadro, não sei quantas gerações terão que sofre e sinceramente não sei o que terá que acontecer neste País para que essa corja seja extirpada à bem do serviço publico.

  • o objetivo fundamental do
    o objetivo fundamental do neonliberalismo eh transformar o ensino publico do jeito que transformaram.

    Tudo obviamente para esculhambar de vez o ensino publico para beneficiar a escola privada...

    Deu no que deu...

    Outra coisa: eh impossivel que tanta gente com experiencia no ensino tire zero numa prova. Ha interesse politico evidente de desmoralizar os professores...

    So que isso mostra o verdadeiro retrato da politica neonliberal para o setor...Na verdade os professores sao orfaos de um sistema que esta distante deles e dos alunos...

    Eh como se dissessem: virem-se, professores, os responsaveis sao voces!

  • Garantir qualidade de ensino
    Garantir qualidade de ensino é muito mais difícil que quantidade. Não é à toa que mesmo com um provável aumento de recursos nos últimos anos os avanços nesse campo têm sido medíocres e sem grandes expectativas de melhora no médio prazo. A qualidade do ensino passa fundamentalmente pelo empenho, preparo e profissionalismo do professor. Sem essas características, não há qualidade no ensino.

    Mas não deixa de ser engraçado como a questão da quantidade de alunos em sala de aula (não por sala de aula) é tratada como pouco relevante ou até pior, como o vilão da educação brasileira. Vende-se a idéia de que era possível universalizar o acesso à educação e ao mesmo tempo garantir que ela fosse de qualidade, ou ainda que se deveria priorizar uma expansão lenta mas com qualidade deixando milhões de crianças fora da escola. Fosse qual fosse o caminho escolhido ele seria fortemente criticado. Fez-se a opção certa pela inclusão.

    Nos anos 90, o repentino aumento da demanda por professores e a nossa pequena capacidade de formação dos mesmos levaram naturalmente a uma flexibilização na contratação de professores que deve ser corrigida no longo prazo. Aliás, fenômeno idêntico ocorreu e ainda ocorre com o ensino superior.

    Educação de baixa qualidade é melhor do que nenhuma. Quando um aluno de escola pública entra numa faculdade privada de péssima qualidade através do PROUNI, o feito é tratado em geral como algo positivo (e de fato é). Mas algumas pessoas se esquecem que esse mesmo aluno é o que pôde finalmente frequentar uma escola por causa da universalização. É usar duas medidas para o mesmo peso.

    Se alguém acredita mesmo que quantidade sem qualidade é o pior dos mundos, então por que não mandar as crianças de volta para casa e refazer a expansão do ensino? Se é a coisa certa a se fazer, por que não fazê-la? Tenho certeza de que não é.

  • Caro Luíz Nassif
    O que
    Caro Luíz Nassif
    O que estamos assistindo hoje na educação de SP é fruto de anos de subordinação da educação a Metas Econômicas e não Metas de Capacitação.
    O que vigora na educação e um formalismo exagerado, o professor é obrigado a oferecer ao aluno todos os instrumentos possíveis de aprendizagem, recuperação contínua, paralela, o que é justo.
    A resposta a uma indagação do aluno, ou uma explicação mais pormenorizada fazem parte dos procedimentos, imaginem uma classe cheia , com a tradicional indisciplina, e ainda extrema dependência do aluno em relação ao professor no quesito entendimento.
    Imagine agora o professor tendo que anotar os alunos atendidos, para não se tornar vulnerável no caso de uma eventual reprova.
    Não é o cúmulo da calhordice afastar o professor de sua atividade fim, para as burocráticas?

  • Mudando um pouco de assunto,
    Mudando um pouco de assunto, mas nem tanto:

    Jornal do Comércio-PE - Talvez o governo Lula falhe também na comunicação do que ele está fazendo nessas áreas (Ciência e Tecnologia e Educação).

    SÉRGIO REZENDE - Pode ser. Mas deixa eu contar algo que mostra que é mais do que isso. Na última terça-feira (dia 03), eu e o ministro Fernando Haddad (Educação) convocamos uma coletiva para anunciar o resultado da Olimpíada Brasileira de Matemática na Escola Pública. Foram 18 milhões de estudantes, de 40 mil escolas públicas e de 98% dos municípios do Brasil. É a maior olimpíada de ciência do mundo. Pois bem, não tinha um grande jornal lá. É uma olimpíada feita só para escola pública, os três mil premiados recebem bolsa do CNPq e assistência de 200 censos do Brasil para continuar estudando matemática, então é uma coisa interessantíssima que está ocorrendo na escola pública e o que saiu no dia seguinte nos jornais? Nada, isso não existe! Não é fácil comunicar determinadas áreas. A cultura e educação não são valorizados no Brasil.

    A pergunta que eu faço é:
    Faltou o presidente na apresentação para ela atrair a grande imprensa?

    Detalhe:
    Eu só fiquei sabendo que o Brasil agora tem uma fazenda marinha, pq o presidente foi lá para inaugurar?

  • A forma desastrosa de como
    A forma desastrosa de como foi implementada a educacao continuada acabou por causar uma falta de comprometido dos alunos e professores, principalmente dos alunos que acabam nao tendo um maior compromentimento com o estudos, ja que, no final "passarao de ano", mesmo tendo um desempenho inferior ao minimo estabelecido para passarem. Lembro-me quando estudava, quando a media minima era 5,0, abaixo disso estaria no vermelho. Quem tirasse uma nota vermelha, menor que 5,0, teria que fazer um maior esforco para se manter na media, ou seja, o aluno teria que estudar mais. Tirar nota vermelhas me causava preocupacao, com medo de tomar uma "surra" dos pais. rsrssr, e possivelmente ser reprovado. Nunca fui reprovado, mas ja tirei minhas notas vermelhas, mas sempre me esforcei, estudando, para manter-se na media e passar de ano, pois sabia que poderia ser reprovado se nao estudasse.

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