Redução da Maioridade Penal: O Custo da Falência do Sistema
Por Maristela Basso
Do Justificando
Não obstante o debate sobre a redução da maioridade penal já ter perdido fôlego, quero, mesmo assim, voltar ao tema na medida em que parece ter faltado aprofundamento e musculatura mesmo às mais abalizadas opiniões legais.
Incialmente defendo que os Projetos de Leis que tramitam, hoje, no Congresso Nacional são oportunistas, populistas e demagógicos. Portanto, inúteis.
Ademais, defendo que as crianças e os jovens menores de 18 anos deveriam ganhar de volta sua responsabilidade penal. Não é preciso que a lei estipule a partir de que idade crianças e jovens devem ser responsáveis pelos crimes praticados: cada caso é um caso e deverá ser analisado pelo Poder Judiciário com suas peculiaridades, consequências e graus de entendimento e responsabilidade do menor infrator. Um Júri (um comitê de especialistas) ou um juiz togado capacitado e vocacionado podem decidir quem é imputável, quando e quais penas ou sanções deve cumprir.
Acima de 18 anos, valem as regras legais atuais.
De que adiantaria reduzir a responsabilidade penal para os 16 anos (completos ou incompletos?)? E por que aos 16 e não aos 15 anos? Quem chegou à conclusão de que aos 16 anos sabe-se mais sobre as consequências do ato praticado do que aos 15, aos 14 ou aos 13 anos?
Ao se fixar a responsabilidade aos 16 anos ficarão fora da imputabilidade jovens e crianças plenamente capazes de entender seus atos com idades inferiores.
Basta recorrer a um único exemplo atual.
Recentemente na cidade de Cascavel, Paraná, dois adolescentes irmãos, um menino de 17 e uma menina de 14 anos, foram apreendidos por tentarem envenenar os próprios pais. Segundo a polícia, a ação dos adolescentes já vinha ocorrendo a algum tempo. Na casa em que a família mora, a PM encontrou uma garrafa PET com uma substância tóxica que os filhos estariam colocando na comida e bebida dos pais. Os dois menores confessaram que queriam matar seus responsáveis, pois não aceitavam as represálias feitas por eles. O menino contou que queria se ‘livrar’ deles para ter mais liberdade. Na casa da família também mora uma outra criança de 10 anos, e o adolescente “deu com os ombros” ao ser questionado sobre a possibilidade de sua irmã mais nova tomar o veneno também, tendo em vista que a garrafa ficava na geladeira. Os país-vítimas ficaram abalados e custaram a acreditar na ação dos filhos, tendo em vista que se trata de uma família de classe média, com todos os recursos a favor do crescimento e da boa educação dos filhos. Os jovens prestaram depoimento e foram encaminhados à Casa dos Menores de Cascavel, até serem liberados.
Esse é um exemplo entre dezenas de outros.
Se a lei for alterada para reduzir a maioridade para os 16 anos, o garoto acima seria responsabilizado e receberia, provavelmente, uma pena de reclusão no regime fechado por alguns anos. Enquanto a garota de 14 anos voltaria impune para casa. A pergunta que fica é: a irmã sabia o que estava fazendo e qual seria a consequência dos seus atos? Se sim, só o juiz ou um júri poderia decidir o grau e a extensão da responsabilidade e a pena ou medida equivalente recomendável ao caso – como acontece em outros países nos quais vemos crianças, inclusive menores de 10 anos, cumprindo penas pelos crimes praticados.
Não se defende aqui a prática de arbitrariedades e desumanidades contra crianças e jovens menores de 18 anos. Até mesmo porque não são os jovens os responsáveis pela insegurança pública reinante no Brasil e não são eles nosso maior problema.
Sabe-se que apenas 1% dos crimes são praticados por menores de 18 anos no Brasil. A maior parte deles é relativo ao tráfico flagrado pela primeira vez e com pouca quantidade. Ato praticado mediante grave ameaça ou violência à pessoa, tais como o homicídio, latrocínio, estupro, reincidência e descumprimento de medida anterior, acontece em menor escala.
Não são os atos por eles praticados que devem estar na pauta do Congresso Nacional e das demais autoridades públicas hoje no país.
O sistema institucional, social e educacional no Brasil é tão perverso que apenas 10% dos menores cumprem punição em semiliberdade e em medidas sócio-educativas menos severas, enquanto o percentual, entre os adultos, é de 35%. Veja-se o absurdo: 90% dos menores cumprem penas em regime de internação (fechado), pela prática dos crimes referidos acima.
Quais as razões disso? Inúmeras. Descaso das autoridades públicas (as mesmas que hoje querem reduzir a maioridade penal). O limitado número de unidades de semiliberdade, assim como a falta de estrutura, preparo e rigor técnico dos juízes e pessoal do Poder Judiciário são apenas alguns, dentre outros, fatores.
Ninguém mais pode esconder que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) pode ser, na prática, mais rígido na penalização e julgamento dos menores do que o Código Penal para os adultos.
Como se vê, o Poder Legislativo ao dispor sobre a mesa a discussão em torno de assunto tão complexo, por razões de oportunidade e conveniência política, o faz com absoluto despreparo e desconhecimento das estatísticas, das causas e das consequências da criminalidade juvenil e, pior ainda, condena a todos nós à insegurança pública e à instabilidade social. Senão bastasse, ignora e joga para debaixo do tapete o fato de que de 2002 a 2012 mais de 300 mil jovens foram assassinados no Brasil. Isso significa, Senhores Congressistas e homens públicos, perdas irreparáveis para o país, ademais de dramas familiares e de um contingente populacional cuja vida produtiva se esvai pelo ralo do descaso e da irresponsabilidade das autoridades que deveriam cuidar de nós e zelar pelo futuro dos nossos jovens e crianças.
Estão achando pouco?
O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou que o Brasil desperdiçou, somente no ano de 2014, R$ 88 bilhões (ou 1,6% do PIB) em decorrência dos homicídios de pessoas que têm entre 15 e 29 anos.
Para as autoridade públicas é melhor fugir da realidade e se refugiar em temas de aparente melhor aceitação popular, como a criminalização dos jovens menores de 18 anos, do que acertar o passo e melhorar a instrução pedagógica e dar às escolas e professores melhores condições para que possam proporcionar aos jovens a certeza de serem membros de um estado-democrático de direito, diferente deste que está aí, no qual disciplina, punição, vínculos, autoconhecimento e conhecimento do outro devem fazer a diferença para um Brasil que se pretende mais sólido, educado, seguro e justo.
Maristela Basso é Advogada, árbitra, professora livre-docente de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP e professora na academia da Organização Mundial da Propriedade Intelectual. É Conselheira Editorial do Justificando.
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Opinião.
Um excelente projeto e que poderia evitar que a criança e o adolescente viva à merce das ruas, desamparados e sem rumo (sem excluir a importância da educação familiar).
"Os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), popularmente apelidados de Brizolões, foram um projeto educacional de autoria do antropólogo Darcy Ribeiro que, pessoalmente, o considerava "uma revolução na educação pública do País".1
Implantado inicialmente no estado do Rio de Janeiro, no Brasil, ao longo dos dois governos de Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1994), tinha como objetivo oferecer ensino público de qualidade, em período integral, aos alunos da rede estadual2 .
O horário das aulas estendia-se das 8 às 17 horas, oferecendo, além do currículo regular, atividades culturais, estudos dirigidos e educação física. Os CIEPs forneciam refeições completas a seus alunos, além de atendimento médico e odontológico. A capacidade média de cada unidade era para mil alunos3 .
mais...http://pt.wikipedia.org/wiki/Centros_Integrados_de_Educa%C3%A7%C3%A3o_P%C3%BAblica
- Sucederam -se projetos semelhantes, com "outros nomes" (aqui não se continua projeto de governo anterior), sem, entretanto apresentar a mínima estrutura para "segurar" a criança e o adolescente na escola, em horário integral.
Parte da alta carga tributária que é arrecadada é bastante para custear todo o aparato para manutenção e assistência do projeto (professores, psicologos, dentistas, educadores físicos, zeladores, merenda, etc), entretanto, os governantes se saem muito bem, sempre reclamando que falta dinheiro para tanto.
Post elucidativo!
Nem alterar a maioridade é uma panacéia, nem deixar como está ficará bom!
Sem dúvida, alterar o ECA é melhor que uma PEC casuística sobre maioridade, assim como este projeto de flexibilização da terceirização é apenas um remendo a uma CLT que se mantém rígida!
Algumas premissas:
a) alterar a maioridade não resolve a criminalidade:
Quem disse que se quer resolver isto? Prender assassinos adultos pode não diminuir também. Por isto não vamos prender ninguém? A idéia é que não haja IMPUNIDADE
b) alterar a maioridade afeta cláusula pétrea (direitos humanos):
Impunidade é direito humano?
c) As cadeias já estão lotadas:
Concordo!
d) a taxa de menores criminosos é irrisória em comparação aos índices gerais:
Ora, se é assim, porque se preocupar com a quantidade de menores encarcerados em cadeias lotadas, se poucos presos serão acrescentados? Ora....
e) Os menores são as maiores vítimas de crimes incluindo homicídios, segundo a ONU:
Pode ser verdade! Mas desligue a ideologia e pense com lógica um minuto: a não ser que estes estejam sendo assassinados dentro de prisões, o que se depreende da firmação é que sendo tirados das ruas, não serão mortos, correto? Ora...
Finalizando, esclareço que não sou parte interessada! Tanto faz para mim alterar a maioridade ou não!
Por que? Explico: os crimes que envolvem menores são: estupro e latrocínio associado a tráfico. Como não sou pai de meninas nem meus filhos usam drogas, não me considero afetado.