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Um jogo de perde-e-perde

Vamos a algumas considerações sobre Lula vs mídia, do ponto de vista exclusivo do posicionamento de mercado dos veículos.

Emir Sader, que é militante assumido, julga que, com a constatação da semelhança de estilos entre o editorial de domingo da “Folha” e Carlos Lacerda, eu estaria provando que o editorial é “lacerdista” e quer derrubar Lula. Ué, é evidente que, neste momento, ocorre uma competição entre praticamente todos os grandes veículos da mídia para saber quem derruba Lula primeiro.

O que vou tentar analisar, nesse post, é visão de competição na mídia.

Momentos de catarse são fundamentais para permitir a consolidação (ou a queda) de veículos. A campanha das diretas e do impeachment são provas cabais do potencial desses momentos.

Vive-se, agora, um novo momento de catarse e existe uma ânsia para se aproveitá-lo e garantir espaço junto ao público nos próximos anos. É uma competição para saber quem se diferencia em torno do mesmo objetivo.

Independentemente do conteúdo, o editorial inspirado no estilo de Lacerda, o maior carbonário da história da imprensa brasileira, faz parte da busca dessa diferenciação.

Na semana passada, o “Globo” colocou na primeira página as perguntas de Lula, em relação à compra de dossiê, e a resposta do jornal: pergunte ao seu companheiro A, que fez isso; pergunte ao seu companheiro B, que fez aquilo. Foi um recurso muito bem sacado, com impacto efetivo.

Um recurso forte, mas que deve ser utilizado com moderação, é o editorial na primeira página. O editorial da “Folha” contra Collor, depois da invasão do jornal e do processo contra jornalistas, foi um dos pontos altos do jornalismo dos anos 90.

O erro da competição atual, em minha opinião, é que todos os veículos caminham praticamente na mesma direção, fazendo uma aposta na qual não se tem possibilidades de vitória.

O jogo, hoje em dia, é muito mais complexo do que na campanha contra Collor. Na época, havia na classe média um sentimento anti-Collor forte, porém ainda difuso; e um temor reverencial que deixava a imprensa relutante em cruzar o Rubicão. Por isso mesmo, na época o editorial da “Folha” foi um divisor de águas. Captava o sentimento do leitor no justo momento da virada, enfrentava riscos, desnudava o poderoso.

O momento agora é outro. A imprensa não é mais um poder em ascensão, mas um poder consolidado e temido. Não há entre os formadores de opinião o mesmo consenso que havia contra Collor. Lula tem erros enormes, como o “mensalão”, mas acertos enormes como a “Bolsa Família” e a incorporação definitiva das classes C e D às políticas públicas. É odiado por uma parte da opinião pública, amado por outra; e há um terceiro grupo que tem a estabilidade e a legalidade como valores maiores. Mais que isso: embora o PT e o governo sejam pródigos em dar motivo para o prosseguimento de campanhas anti-Lula, a catarse não é elemento auto-sustentável. Campanhas baseadas na catarse têm vida curta, cansam, esgotam.

Nesse contexto, jogar todas as fichas na queda de Lula é uma dupla armadilha, da qual não se tem como sair vitorioso. Se Lula fica, a mídia é derrotada. Se Lula cai, a mídia é derrotada. O fogo se alastra, e todos os problemas que o país enfrentar, a partir dali, serão tributados aos que derrubaram o governo, seja mídia, sejam lideranças políticas.

Depois de janeiro, os que estão crescendo, agora, com a exacerbação e a catarse, tendem a cansar. E os negociadores tendem a crescer. Leia a excelente entrevista de Elizeu Resende (candidato ao Senado em Minas pelo PFL) à “Folha” de hoje, comprovando o enorme potencial pós-eleições do “pacto mineiro”.

Está-se tentando repetir a história, quando o momento seria propício para o veículo que se colocasse acima das paixões, recuperasse a técnica jornalística e se comportasse como magistrado, duro, inflexível, porém justo, colocando a preocupação com o país acima das conveniências de momento. A diferenciação teria que ser no enfoque, não no estilo. Mas, para isso, a mídia teria que sair desse ambiente auto-referenciado

Luis Nassif

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