Interesses de classe distorcem a História, por Pedro Augusto Pinho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto Pragmatismo Político

Interesses de classe distorcem a história

por Pedro Augusto Pinho

Como no jogo dos erros, coloco o texto: “O Brasil, que viveu 42 anos no sistema parlamentar monárquico, desde 1889 jamais teve um período tão longo de estabilidade.  De 1889 a 1930, foram 41  anos interrompidos pela ditadura Vargas (de 1930 a 1945)“, para análise dos argutos leitores. Onde se encontra a inverdade?

O período transcrito está na defesa do parlamentarismo, feita por um membro da elite que dirige o Brasil desde sua “independência”. A proximidade das eleições de 2018, a perspectiva de ter, mais uma vez o Poder Executivo ocupado por pessoa não vinculada a esta elite política, faz ressurgir um parlamentarismo, diversas vezes repudiado por indiscutível maioria dos eleitores brasileiros.

Vamos entender este comportamento em elites que se mantém ou se mantiveram por séculos no poder em seus países, dominando expressões do Poder.

Primeiro um caso de menor sucesso. A Casa de Hohenzollern optou pelo poder militar para seu empoderamento no Império Prussiano. Com um exército eficaz, bem organizado e conduzido, dominou, em diferentes formatos e ocupações territoriais, por mais de três séculos, a Prússia. Só a I Grande Guerra, a qual seguiu a Revolução Alemã (1918-1919), pôs fim a este Poder de expressão militar.

Bem diferente ocorreu com o Império Britânico, que comemora, no século XXI, mais de cinco séculos de domínio do Poder Econômico, melhor e mais corretamente diria Poder Financeiro.

Este começa com o empoderamento dos barões, ainda com João Sem Terra, e se firma com o mercantilismo e a criação do Banco da Inglaterra. Sua cruel capacidade de se apropriar de todo ganho e total desprezo pelas condições de vida do povo, lhe possibilitaram vencer as mais importantes revoluções do mundo ocidental: Industrial, Americana e Francesa; transformadoras das condições de produção, e dos princípios que passariam a reger a liberdade civil e política.

A elite financista inglesa é das principais, senão a mais importante gestora do sistema financeiro internacional, que denomino “banca”. Ela impede qualquer mudança que ponha em risco seu empoderamento e tem o objetivo de dominar o mundo, “o Império onde o Sol nunca se punha”. Também ignora a veracidade e falseia as mais mesquinhas realidades, como denominar batata inglesa o tubérculo nativo da América. A elite britânica engana seu próprio povo e todos os demais: eliminou etnias, usou a escravidão quando lhe conveio e se lhe opôs quando precisou criar consumidores, o caso Mossadegh é exemplar quando se trata de criar uma ficção para ter a força que não dispunha agindo em seu proveito.

A elite brasileira usa a expressão política para sua dominação; de nossa Terra e de nossa gente. E age em proveito próprio e dos capitais estrangeiros que lhe dão guarida. Não há patriotismo, nem nacionalismo, apenas sua manutenção no poder lhe importa.

Há um dado curioso nesta elite que a mais recente historiografia vem revelando. Tomo para exemplo o trabalho de dois brilhantes historiadores: João Fragoso e Sheila de Castro Faria. Desta última retiro do importantíssimo “Mulheres Forras – Riqueza e Estigma Social” (Tempo, nº 9, RJ): “em função de estigmas que pesavam sobre as atividades mercantis, este enriquecimento, entretanto, não foi acompanhado de prestígio social”.

A elite brasileira preferiu manter um concentrado poder social e político a deixar que o poder econômico tivesse ali guarida. A escravidão permitiu consolidar esta estrutura, durante o período do Império, o que, apenas num exemplo, os Estados Unidos da América (EUA) não conseguiram.

Em João Fragoso (com Manolo Florentino, “O Arcaísmo como Projeto”, Diadorim, RJ, 1993) aprendemos que, na estrutura produtiva montada para transferir excedentes para o exterior, o rentismo, a propriedade fundiária e, sobretudo, a exclusão social passavam a ser atributos formadores da elite nem sempre enriquecida.

Assim, o bacharel, mais do que o médico e os profissionais da engenharia, seria o símbolo do Poder Nacional. E hoje vemos aonde levou este empoderamento, em especial do Poder sem voto – o Judiciário, decisor de última instância de qualquer questão brasileira.

Colocando o Poder Político onde se pode formar mais facilmente a maioria, livre da eventual ocupação por uma liderança, civil ou militar, que não siga estritamente o modelo dos dois últimos séculos, o parlamentarismo, na curta perspectiva desta elite, aparece como a solução.

Tendo medo de que o Presidente Lula volte a ocupar a Presidência da República, desencadeiam um manietado presidencialismo com um parlamentarismo de improviso.

O texto que apresento para contagem de erros é apenas mais um exemplo de como a fraude acompanha o discurso da elite brasileira. Vejamos então.

Surge logo a Guerra do Paraguai, como crasso erro. Mas não para aí a quantidade de revoltas que o Brasil conheceu desde 1822 até 1889. Sem pretender a exaustão, menciono: a prolongada Balaiada, no Maranhão; os Malês, na Bahia;  a Revolta dos Marimbondos, em Pernambuco; a Confederação do Equador; as lutas abolicionistas, cujo exemplo mais marcante ocorre no Ceará, com Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde, com a histórica frase: “no porto do Ceará não se desembarcam mais escravos”; e uma das maiores tragédias de nossa história – a Cabanagem, entre 1835 e 1840 – quando o Império, com ajuda da Inglaterra, provocou o extermínio de populações nacionais na região amazônica; para não mencionar a permanente extinção de índios e a perseguição aos escravos, envolvendo o Exército Imperial.

Também recai sobre o Império o opróbrio da escravidão racial.

Considerar este período imperial e da Primeira República estáveis só pode ser mais um escárnio dos que nos brinda permanentemente a elite e os golpistas de 2016.

Podemos, assim, ver pelos documentos históricos que toda elite usa a mentira, escamotear a verdade para se impor, seja ocupando o Poder pela expressão militar, como exemplifiquei na Prússia, seja pela expressão econômico-financeira, seja pela expressão política e social, como ocorre em nossa Pátria.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. A história e os fatos: A Judicialização do Brasil

    A perspectiva histórica acaba generalizando alguns fatos e colocando estes dentro de uma estrutura lógica, através do tempo. Mas, há muitas excepcionalidades e fatos concretos que poderiam ser avaliados e dissecados sozinhos, sem fazer parte da “história”, pois, dá a impressão de que somos fadados a aceitar este desencadeamento de fatos, apenas por conta de entender que fazem parte de uma determinada história ou narrativa. Aliás, esta tem sido uma desculpa recorrente de juízes do STF para encontrar na literatura jurídica alguma justificativa qualquer que lhe permita impor o seu desejo pessoal. Hoje, a justiça é quase que apenas isso: primeiro encontrar um culpado e depois procurar na literatura jurídica algum argumento para lhe condenar, mesmo às vezes sem sequer indicar o crime cometido.

    Vale a pena citar aqui algumas frases específicas, para chegar ao final a alguma conclusão:

    “A elite brasileira usa a expressão política para sua dominação; de nossa Terra e de nossa gente. E age em proveito próprio e dos capitais estrangeiros que lhe dão guarida. Não há patriotismo, nem nacionalismo, apenas sua manutenção no poder lhe importa.”

    “A elite brasileira preferiu manter um concentrado poder social e político a deixar que o poder econômico tivesse ali guarida”

    “Na estrutura produtiva montada para transferir excedentes para o exterior, o rentismo, a propriedade fundiária e, sobretudo, a exclusão social passavam a ser atributos formadores da elite nem sempre enriquecida”

    A frase que mais me chamou a atenção segue abaixo, e vai de encontro com o sentimento que começamos a sentir nestes últimos tempos em relação à judicialização do Brasil:

    “Assim, o bacharel, mais do que o médico e os profissionais da engenharia, seria o símbolo do Poder Nacional. E hoje vemos aonde levou este empoderamento, em especial do Poder sem voto – o Judiciário, decisor de última instância de qualquer questão brasileira.”

    Temos comentado aqui neste blog sobre a partilha que o Judiciário faz por meio dos três advogados – um deles togado – que integram todas as três partes de um tribunal, do butim que possa ser extraído de qualquer pobre coitado que chega até lá, a buscar justiça. Em se tratando de empresa pública, a “depenação” total é certa, em favor todas os três advogados sentadas na mesa da partilha.

    Advogado é como cartola de time de futebol. Nunca perde, mesmo com o time falido e endividado. Cartola ganha na troca, na venda do passe e, muitas vezes, deixando passar equívocos em assuntos legais relativos a jogadores (caso típico de FGTS) onde advogados do Clube e também do jogador se enriqueceram por conta disso, permitindo que a justiça partilhasse o butim gerado por erro administrativo.

    A elite encontrou o seu caminho para permear o poder através de concursos e indicações, de modo que já não mais precisa da política ou da democracia para a sua subsistência. Muito pelo contrário, a democracia permite que políticos (taxados hoje com desprezo, como corruptos endêmicos) cheguem a lugares de alto escalão em forma “ilegítima”, sem a competência ou mérito de ganhar algum concurso, mas “apenas” por causa do voto popular, de gente inculta e despreparada para isso.

    O parlamentarismo será um toque intermediário, onde parlamentares de bancada e de menor conteúdo ideológico poderão tutelar aquele eventual “populista” (segundo eles) que leva milhões de votos por conta desta nossa democracia equivocada. O presidente então é ilegítimo, sem diploma, nordestino e etc., e precisa ser tutelado por gente que entende mais do assunto.

    A categoria de advogados e bacharéis criou um mundo paralelo de reserva de mercado e de poder (poder judiciário), invadindo todos os aspectos da vida civil: trabalhista, comercial, tributária, penal e etc., conseguindo viver das desavenças e infortúnios dos outros, de equívocos, de fissuras entre determinados negócios, de interfaces mal explicadas, de interpretação de zonas cinzas, como a maior parte da legislação apresenta, justamente para advogados se nutrir dessas fendas.

    Essa situação se permeia também para baixo, para as policias, que exploram o desentendimento jurídico sobre as coisas, do tipo: o jogo do bicho, bingos, posse de drogas, dólar paralelo e qualquer coisa que poderia ser considerada ilegal e que permita margem para “negociar” com o infrator.

    O resto do povo se deixa levar pela Lei de Gerson.

    Brasil está prestes, neste período, a visualizar como, talvez pela primeira vez na história, esta categoria toma por assalto o Brasil em todas as suas frentes. Toma o poder político e eleitoral e, ainda, por meio de colegas sem toga, tomam por assalto os cofres do estado, extraindo polpudos honorários apenas por representar e assinar o que outra pessoa poderia ter feito sozinha (se falasse apenas a verdade) e, ainda, para organizar turbas de acionistas para depenar empresas estatais.

    A meritocracia e os concurseiros estão acabando com o Brasil, menos com o seu próprio salário pontual e acima do teto e, naturalmente, a sua aposentadoria integral. Como faremos para apontar com o dedo e responsabilizar estes canalhas, se agora vão morar em Miami?

  2. tiro pela culatra

    Seria o máximo da ironia se implantassem o parlamentarismo sob o medo de ter lula de volta e, ele vencendo e fazendo maioria no congresso, elegesse o 1o ministro tambem  eheheh

    ou ainda, ele não se elege mas produz maioria no congresso. Quem se elege é o Hulk (pode ser qualquer um, o casuismo é o jogo marcado). Mas na eleição para 1o ministro ganha um indicado pelo lula. Ou seja, provocam um esquma que eles próprios ficam atados  :))

    O jogo democrático torna-se ainda mais sério quando a história não é levada em conta. Por isso que a democracia, por mais imperfeita que seja, ainda é a melhor que todas as outras possibilidades de governança.

  3. Indicar somente os fatos

    Indicar somente os fatos negativos do império é negligenciar tudo o que de positivo foi conquista. Senão fora este, hoje não teríamos um país unificado de dimensões continentais. O nosso período imperial, o primeiro e o segundo reinado, foram de turbulência pois ali se estava começando uma nação que antes estava atrasada e isolada, ou seja, muito trabalho a ser feito.

    Acrescento que não somente os ilustres imperadores, Dom Pedro I e Dom Pedro II, não governavam sozinho este país. Juntamente havia a tal sociedade elitista que aqui se confere na publicação. Dentre eles escravocratas, senhores de engenho e produtores agrículas (estes útlimos últimos que estão no poder até hoje). Pois sem o apoio destes não seria possível governar, entao caberia aos nossos imperadores mediar entres os anseios da nação e essa classe aqui elencada.

    Dentre criticar a Inglaterra, nesse caso apresentado pelo autor, o Reino Unido, é desconsiderar que através destas distorções que esse domínio possui os países monárquicos mais promissores do planeta, quando hoje a maioria daqueles que querem deixar o país vão em direção a estes sem pestanejar duas vezes, vulgo mais conhecidamente Austrália e Canadá.

    E quanto ao parlamentarismo, é a melhor forma de descentralização do poder, que ocorre hoje via o presidente da república, chegando a nomear inclusive os ministros, inclusive do STF e STJ, presidentes de estatais, de agências reguladoras, institutos e outras mais indicações. Não vejo como o fim dessa prerrogativa seria ruim ante o parlamentarismo.

    Muita paz e iluminação no conhecimento à todos.

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