A frágil recuperação do mercado de trabalho brasileiro, por Tiago Oliveira

do Brasil Debate

A frágil recuperação do mercado de trabalho brasileiro

por Tiago Oliveira

De 13,7% no 1º trimestre de 2017, a taxa de desocupação recuou para 11,8% no último trimestre do ano. Essa queda, porém, é explicada integralmente pela criação de postos de trabalho com pouca ou nenhuma proteção social

No início de 2015 uma “tempestade perfeita” se abateu sobre o mercado de trabalho brasileiro. A opção por uma agenda da austeridade em uma economia em franca desaceleração – dada, entre outras coisas, pela incapacidade da política fiscal amplamente apoiada em desonerações tributárias em impulsionar os investimentos, num cenário político marcado por profundas incertezas, e pela paralisação de cadeias produtivas importantes como a do petróleo e gás e da construção, por conta de investigações judiciais – provocou uma depressão econômica sem paralelos históricos.

Menos como resultado dos efeitos práticos imediatos da implementação de tal agenda, e mais pela sinalização dada aos agentes econômicos de que uma “convenção do crescimento” estava sendo abandonada, o mercado de trabalho brasileiro operou, a partir do primeiro trimestre de 2015, um forte ajuste, manifesto pela alta por nove trimestres consecutivos da taxa de desocupação, que passou de 6,5% no último trimestre de 2014 para 13,7% no primeiro trimestre de 2017.

A partir do segundo trimestre do ano passado, porém, a taxa de desocupação brasileira iniciou uma trajetória de queda que já perdura por três trimestres consecutivos. Do patamar de 13,7% registrado no primeiro trimestre de 2017, conforme já se notou, houve um recuo para 11,8% no último trimestre do mesmo ano.

Neste mesmo intervalo de tempo, registrou-se, pela primeira vez desde o início da crise, uma geração de vagas superior ao número de pessoas que se incorporam ao mercado de trabalho. Deste modo, o contingente de desocupados diminuiu continuamente, passando de 14,2 milhões, no primeiro trimestre de 2017, para 12,3 milhões de trabalhadores no último trimestre do ano passado.

À primeira vista, os números apresentados conformam um quadro favorável para o mercado de trabalho brasileiro – taxa de desocupação em queda, ocupação em alta, diminuição do número de desocupados – o que estaria em linha com o processo em curso de ligeira retomada da economia brasileira.

Entretanto, um olhar mais cuidadoso sobre as informações prestadas pela PNAD contínua desautoriza visões otimistas quanto ao processo de recuperação do mercado de trabalho brasileiro. Em primeiro lugar, cumpre notar que do pouco mais de três milhões de postos de trabalho gerados na economia brasileira nos últimos três trimestres de 2017, a sua quase totalidade foi de ocupações sem proteção social, posto que não asseguram aos trabalhadores, por exemplo, contribuição previdenciária, licença maternidade, décimo terceiro salário e férias remuneradas.

Em números: nesse período, o aumento do emprego no setor privado sem carteira de trabalho, inclusive trabalhadores domésticos, foi de 1,3 milhão de postos de trabalho, contra um recuo de 118 mil ocupações com carteira assinada. No setor público, o aumento da ocupação sem carteira de trabalho assinada foi de 653 mil, com carteira assinada de apenas 82 mil, enquanto que os militares e os funcionários públicos estatutários assinalaram uma diminuição de 136 mil ocupações. Adicionalmente, pouco mais de um milhão de postos de trabalho por conta própria foram criados.

O aumento do grau de precarização do mercado de trabalho brasileiro também pode ser visualizado por meio da contribuição previdenciária dos novos postos de trabalho criados no período em exame. Nesse quesito, do total das novas ocupações (3,1 milhões), aproximadamente 2,5 milhões não possuíam vinculação contributiva com a previdência. Isto quer dizer que de cada 10 postos de trabalho gerados entre o segundo e o último trimestre de 2017, aproximadamente 8 eram desprotegidos do ponto de vista previdenciário.

Parece claro, portanto, a fragilidade do processo de “recuperação” do mercado de trabalho brasileiro. A queda da taxa de desocupação é explicada integralmente pela criação de postos de trabalho com pouca ou nenhuma proteção social.

Poder-se-ia argumentar, porém, que este seria um comportamento esperado ao longo de um processo de recuperação: em um primeiro momento, seriam as ocupações menos protegidas que liderariam a absorção da mão de obra desocupada; os postos de trabalho protegidos, ou seja, o assalariamento com carteira assinada nos setores privado e público e o funcionalismo público estatutário, assumiriam a dianteira desse processo em um segundo momento apenas, ampliando, ao fim e ao cabo, a qualidade da estrutura ocupacional.

Uma forma de avaliar a pertinência desse tipo de argumentação é verificar o comportamento do mercado de trabalho brasileiro em um momento similar ao atual. Para tanto, o triênio 2004-2005-2006 parece adequado, posto que foi nesse período que se iniciou a recuperação do mercado de trabalho brasileiro observada na década passada.

Contudo, a PNAD contínua tem o início de sua série histórica somente em 2012. Recorrendo à PNAD que lhe antecedeu, de periodicidade anual, é possível constatar que no referido período foram os empregos em estabelecimentos que lideraram a retomada do mercado de trabalho brasileiro. Neste universo em particular, o emprego protegido sempre esteve à frente do assalariamento sem carteira assinada: em 2004, representou 62,0% dos empregos criados; em 2005, 92,4%; e em 2006, 85,1%. Quanto às ocupações por conta própria, é importante frisar que sua importância foi bastante residual no período em análise: apenas em 2005 atingiu uma cifra relevante, 11,9% do total de vagas criadas. Logo, não é possível afirmar, com base na experiência brasileira recente, que a recuperação econômica se reflete, primeiramente, na criação de empregos mais precários, para depois assumir outro perfil, mais favorável, amparado em um peso maior dos empregos protegidos.

A dinâmica econômica atual está assentada em setores tradicionais de baixa remuneração e produtividade, de modo que a ocupação cresce sobretudo como imperativo da sobrevivência, muito mais que como resultado de uma demanda robusta, estruturada ou sofisticada de mão de obra qualificada.

A persistirem as tendências aqui verificadas, o resultado final desse processo será um crescimento econômico excludente, incapaz de assegurar uma ampliação do bem-estar para as massas de trabalhadores e trabalhadoras desse país.

Tiago Oliveira – É graduado em economia pela UFBA, com mestrado e doutorado em Desenvolvimento Econômico na Unicamp. Técnico do Dieese e autor de “Trabalho e Padrão de Desenvolvimento: uma reflexão sobre a reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro” (Hucitec Editora)

Crédito da foto da página inicial: Mauro Pimentel/AFP (desfile da Paraíso do Tuiuti de 2018)

 

Redação

Redação

View Comments

  • A coisa não anda nem mesmo

    A coisa não anda nem mesmo incluindo nas estatisticas o horista como sendo empregado normal.

    O golpe mudou de nome o horista, agora chamado de "empregado intermitente", chique né...

    Vem ai o empregado "diarista intermitente"....

    A OIT precisa receber essa denúncia para que se retorne a nomenclatura normal.

  • Pato

    Até o pato da Fiesp foi demitido. Foi substituído por um sapo, que deve ter contrato de trabalho provisório, sem nenhuma garantia, de acordo com a nova lei.

  • a...

    Então ficamos abismados ao saber que 93% da População Brasileira ganha menos que os 4.500 reais de Auxilio Moradia do Judiciário. Onde está todo aquele PIB Trilionário? Um Emprego não é igual a um Emprego. São dois na estatisttca, principalmente as fraudulnetas tupiniquins. Mas Office-boy, Continuo não é NeuroCirurgião. Assim são nossos Empregos nas Indústrias Brasileiras. Tinhamos a vanguarda, a tecnologia, a excelência, a primazia nas profissões na área petrolífera, naval. quimica, alimentar,...Teremos funções b raçais e salários quintomundistas nas Empresas que eram nossas e foram privatizadas. A excelência dos Empregos ficarão com Profissionais das suas matrizes. É básico. Retornaremos a 1750. É óbvio, até para quem tem dificuldade de compreender o óbvio. 

  • o buraco é mais embaixo..

    eu acho que essa abordagem está superficial, mas adianto, eu não sou economista, mero palpiteiro da web..

    Considero uma falha grave comparar um mal governo da Dilma com o que está aí..

    .. não há relação entre uma suposta má administração e a baderna que o judiciário instalou no comando da nação..

    Nessa questão do emprego, o que eu percebo é que os caras destruíram a economia, portanto não há o que se falar em recuperação, mas não tem nem cabimento..

    Veja aí o setor imobiliário..

    .. praticamente 90% dos imóveis vendidos no Brasil depende de financiamento imobiliário, que é um empréstimo concedido ao trabalhador formal..

    Se vc destrói o emprego formal, quebra o setor imobiliário, que é exatamente o que já aconteceu..

    Se vc quebra o setor imobiliário, e ainda por cima reduz investimento público, vc quebra a construção civil, um setor fundamental para a geração de empregos..

    Esse processo que mencionei sobre o mercado imobiliário está acontecendo em todos os setores.. todos..

    Exemplo, saúde privada: antes, para fazer um exame mais sofisticado, vc tinha que ficar na fila, as vezes esperar meses.. alta demanda, o setor cresceu, aí puxaram o tapete.. hoje qualquer exame ou consulta vc marca para o dia, ou no dia seguinte.. sabe porque? Não tem trabalhador formal (comm plano de saúde)..

    Outro exmplo, setor educação privada: esse tomou um tombo histórico.. investiram tubos na criação de escolas de todos os tipos, inclusive com capital internacional, e não tem aluno.. os caras detonaram o fies, e aí quem é doido de encararar uma mensalidade de no mínimo R$ 2 mil? Resultado? Estão quebrando, todas elas.. tem faculdade aí que se vc passar na porta os caras te raptam e só libertam depois que vc assinar o contrato..

    Esse processo se retroalimenta e se espalha por toda a sociedade..

    .. é como um castelo de cartas, e vc foi lá e puxou uma daquelas que fica na base..

    .. é isso que eu vejo que está acontecendo hoje, é muitíssimo mais grave do que a sua abordagem..

    É uma visão pessimista, reconheço, mas eu vejo a economia do país em colapso.. e uma guerra civil no horizonte..

  • A elite do atraso e a guerra

    A elite do atraso e a guerra hibrida americana contra o Brasil começou nas jornadas de 2013, depois veio a Lava Jato para reforçar o golpe através da destruição da economia. Dilma tentou entregar os anéis para salvar os dedos mas o golpe estava sacramentado, os golpistas já haviam avisado que, ao contráro de 2005, quando tentaram impinchar Lula, desta vez não iriam recuar.. ...Dilma eleita, passou a ser torpedeada pelas pautas bombas de Eduardo Cunha e a Globo no serviço de agitação e propaganda....

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=cY9KrTNLT6Y%5D

  •  
    MAS QUE HERESIA.
    Você está

     

    MAS QUE HERESIA.

    Você está dizendo que está em curso uma retomada do emprego por tres trimestres seguidos.

    Tomara que o André Araújo não veja esse seu post porque ele iria soltar cobras e lagartos yankees contra você.

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