O mercado de trabalho na UTI, por César Locatelli

O mercado de trabalho na UTI

por César Locatelli

Dieese lança índice abrangente para medir a condição do trabalho no país

O índice de desemprego é uma medida muito importante sobre a condição dos trabalhadores em geral. Talvez seja a mais importante. Mas não é tudo. Há outros fatores que influenciam o bem ou o mal-estar da força de trabalho de uma sociedade. Mostrar esse conjunto de fatores, reunidos em um só índice, foi o objetivo do Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – ao criar o Índice da Condição do Trabalho (ICT), lançado hoje (25), em São Paulo.

O ICT foi construído para oscilar entre zero e um: uma piora das condições de trabalho levam o índice para mais perto de zero e, ao contrário, uma melhora faz o índice se aproximar de um. Os dados usados na construção do índice são aqueles, produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que compõem a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, a chamada de PNAD Contínua.

Como a PNAD contínua é produzida desde janeiro de 2012, o ICT já nasce com uma série histórica de 7 anos, com todos os trimestres de 2012 a 2018, e terá divulgação trimestral, acompanhando a PNAD contínua que trimestralmente divulga o “conjunto de indicadores relacionados à força de trabalho para todos os níveis de divulgação da pesquisa”, abrangendo todo o território nacional.

São três os eixos analisados: a inserção ocupacional, a desocupação e o rendimento. O eixo denominado inserção ocupacional busca refletir as condições de proteção e estabilidade no trabalho. A formalização do vínculo de trabalho, a contribuição para a Previdência e o tempo de permanência no trabalho são os três indicadores que em conjunto mostram se a qualidade da “inserção ocupacional” está melhorando o piorando.

O segundo eixo, a desocupação, é formado por três indicadores: o desemprego e o desalento, a procura por trabalho há mais de cinco meses e a desocupação e o desalento dos responsáveis pelo domicílio. O desalento é quando o trabalhador precisa do trabalho, mas desiste de procurar. Como explica o diretor técnico do Dieese, Clemente Gaz Lúcio: “Eu preciso trabalhar, mas eu não vou procurar porque eu sei que não vou achar e eu desisto. Temporariamente, entro no “desalento”, desisto de procurar apresa de precisar trabalhar.”

O terceiro eixo, o rendimento, tem dois indicadores o rendimento por hora trabalhada e a concentração dos rendimentos do trabalho. Esse último compara a massa total dos rendimentos daquelas pessoas que estão na faixa dos 10% mais altos com a massa formada por aqueles na faixa dos 40% mais baixos.

Bem, mas o que revelou o Índice da Condição do Trabalho para esses anos em que foi calculado? Veja o gráfico abaixo:

Podemos perceber que o início do gráfico, no 1o trimestre revelava um ICT um pouco abaixo de 0,50. O índice sobe apresentando dois picos em torno de 0,70, em 2014 e 2015, que representam as melhores condições de trabalho do período recente, no conjunto dos oito indicadores usados na construção do índice. A partir de meados de 2015, o ICT só cai, chegando ao fim da série em 0,36, 2o trimestre de 2018, perto do mínimo desses sete anos e, praticamente, a metade do nível apresentado em 2014 e início de 2015.

“No último trimestre de 2018 o indicador aponta para cima. Por que no último trimestre? Porque o último trimestre tende a ser o melhor trimestre do ano no comportamento sazonal do nosso mercado de trabalho. É quando a ocupação melhora um pouco, o desemprego cai um pouco. Quando a economia está indo bem é quando o desemprego cai muito, quando a ocupação cresce bem. E no geral, o primeiro trimestre é o trimestre que confirma se esse movimento é só um movimento sazonal ou se a dinâmica econômica confirma parte daquela contratação. É mais ou menos o seguinte: estamos em estado crítico e no último trimestre observamos uma leve melhora do ‘paciente’. A preocupação é se não é aquela melhora que antecipa a piora seguinte… As condições gerais não nos indicam que esta melhora observado no último trimestre sustente para frente”, afirmou Ganz Lúcio.

Em resumo, o recém-criado ICT não traz, portanto, boas notícias para quem depende de seu trabalho para viver: “o quadro é muito debilitado, de alta precarização, de alta fragilidade e muita insegurança, sem perspectiva de mudança do quadro”, conclui o diretor técnico do Dieese.

Nota:

1 para ver a apresentação completa do ICT, pelo diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, veja: https://www.youtube.com/watch?v=B_yj54X-LsY

Cesar Locatelli

César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

Cesar Locatelli

César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

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