Xadrez do Nassif

Aparece a penúltima peça do caso Marielle, falta a última, por Luís Nassif

A prisão de Rivaldo Barbosa, indicado para a chefia da Polícia Civil pelo general Braga Neto – interventor do Rio de Janeiro na operação de Garantia de Lei e Ordem (GLO) – é a penúltima peça que faltava para montar o quebra-cabeças da morte de Marielle Franco. A última peça é a família Bolsonaro.

Outro delegado detido foi Giniton Lages, chefe da Delegacia de Homicídios na época da morte de Marielle.

Peça 1 – o pacto Villas Boas, Braga Neto e Bolsonaro

Desde 2019, defendemos a tese de que houve um pacto entre o general Braga Neto – interventor do Rio de Janeiro, na operação GLO (Garantia de Lei e Ordem), o general Villas Boas e o candidato Jair Bolsonaro. Em troca do não esclarecimento da morte da vereadora, Braga Neto tornou-se o principal Ministro de Bolsonaro.

“A intervenção se deu sob comando das forças de Haiti, cujo guru maior era o general Heleno. Na morte de Marielle, a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro estava sob controle da intervenção. E, como chefe de polícia civil, foi colocada Rivaldo Barbosa, oriundo das Forças Armadas.

Foi um período em que as investigações emperraram, a ponto do próprio Ministro da Segurança Pública, Raul Jungman, alertar para forças políticas poderosas atrapalhando as investigações.

Ora, se a Secretaria de Segurança Pública estava sob controle das forças militares, é evidente que as forças políticas poderosas não eram meros vereadores ou conselheiros de Tribunais de Conta ou qualquer outro poder paroquial. Eram interesses muito mais amplos e com influência direta sobre o estamento militar.

Terminadas as eleições, o jogo muda. Wilson Witzel é eleito para o governo do Estado, no rastro do fenômeno Bolsonaro. Mas, antes do terceiro mês se lançou candidato a presidente da República. Não havia lógica. Witzel era um neófito em política, eleito no embalo do fenômeno Bolsonaro, dependia do PSL. Teria que dispor de algum trunfo na manga para um lance de tamanha ousadia.

Nos meses seguintes, ficou claro que seu trunfo era o controle das investigações sobre a morte de Marielle, o assassinato de uma vereadora com repercussão internacional. Rivaldo Barbosa, o Chefe da Polícia indicado pelas forças da intervenção, foi encostado, depois de ter sido acusado de ter montado empresas de inteligência no período em que comandou a Polícia. E as investigações caíram nas mãos da polícia de Witzel. A partir dai começou sua desgraça

Peça 2 – a continuação da blindagem

Três episódios demonstram a blindagem dada aos mandantes do assassinato de Marielle Franco, antes de Witzel romper com Bolsonaro e cair em desgraça..

Episódio 1 – Rivaldo foi nomeado por Braga Neto. Seu primeiro ato foi manter à frente das investigações do caso Marielle o delegado Giniton Lages, detido ontem por atrapalhar as investigações do caso.

“Eu entendi a investigação. Ela é muito profissional. O que eu posso adiantar é que o delegado Giniton não será trocado porque a investigação tem elementos técnicos que nós não vamos dispensar.”, disse ele.

Em 12 de setembro de 2018, promotores estaduais pediram seu afastamento, apontando irregularidades em três contratos de informática.

Episódio 2 –  eleito governador, em aliança com Jair Bolsonaro, o governador Wilson Witzel nomeia para chefe da Polícia Civil o delegado Marcos Vinicius Braga, que mantém Giniton Lages à frente das investigações. Ele permanece no cargo até 30 de maio de 2020.

Episódio 3 – Em 15 de junho de 2020, Witzel nomeia Allan Turnowski como Secretário de Polícia Civil. Ele durou 74 dias no cargo. Seu homem de confiança, inspetor Vinicius Lima, no ano passado foi acusado de ter orientado nos depoimentos dos ex-PMs Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa, principais acusados pela morte de Marielle.

Peça 3 – a maior barriga da história da imprensa

Uma reportagem do Jornal Nacional, de 29 de outubro de 2019, transformou-se na maior barriga da história da mídia contemporânea. Não pela notícia em si – correta. Mas pelos blefes encenados pelos Bolsonaro que fizeram a Globo desistir da apuração.

A reportagem trazia a informação de que o motorista Elcio Queiroz,  que levou Ronnie Lessa para assassinar Marielle tinha chegado ao condomínio e dado o número da casa de Bolsonaro.

Bolsonaro se defendeu do Riad, alegando que no dia 14 de março de 2019 ela estava em Brasília, logo não poderia ter recebido a ligação do porteiro.

De manhã, Carlos Bolsonaro, filho de Jair, tirou o sistema de gravação da portaria e gravou um vídeo mostrando que Elcio Queiroz chegou ao condomínio Vivendas da Barra às 17:10 do dia em que Marielle foi assassinada, mas a ligação da portaria foi para a casa de Ronnie Lessa.

As duas intervenções inibiram a Globo, que desistiu da cobertura, deixando de lado elementos essenciais para a elucidação do crime, levantados com exclusividade pelo Jornal GGN.

Peça 4 – os elementos ignorados pela mídia

Elemento 1 – o sistema de telefonia da Vivendas da Barra não era de PABX. Pelo contrário, permite ligação diretamente para o celular do morador. Logo, mesmo estando em Brasilia, Bolsonaro poderia ter recebido a ligação.

Jornal GGN já tinha falado sobre esse sistema, a partir de dicas de uma fonte, que tinha parentes morando no condomínio.

Logo em seguida, o Blog da Berta trouxe uma página do relatório da Imobiliária Mauá – administradora do condominio – mencionando o pagamento de uma mensalidade de US$ 196,91 para o sistema Bluephone Soluções Tecnolóigicas.

Uma consulta ao site da empresa mostrou que o sistema permitia ligações para celulares, derrubando o álibi de Jair Bolsonaro.

Peça 5 – Carlos Bolsonaro se incrimina

Mas a barriga maior estava na própria gravação de Carlos Bolsonaro sobre as ligações para o condomínio. Em uma gravação de 3 minutos, ele tentava provar que a ligação de 17:13 foi para a casa de Ronnie Lessa.

Aí ele mostra uma ligação para sua própria casa às 17:58, na qual o porteiro avisa da chegada de um Uber para o “seu Carlos”.

Ora, a gravação mostra claramente que, 45 minutos depois da entrada de Elcio Queiroz no condomínio, chegou um Uber para pegar Carlos Bolsonaro. O que mostra que ele estava no condomínio no período em que se preparou o assassinato de Marielle.

Antes disso, o álibi de Carlos Bolsonaro era que, durante todo o dia, ficou em sessão na Câmara de Vereadores.

Peça 5 – a teoria do fato

No dia 13 de novembro de 2019, fizemos um apanhado das várias investigações que já havíamos publicado no jornal.

1. Um twitter de uma jornalista respeitável, Thais Bilenky, no dia 14 de março, informando que Bolsonaro seguiria para o Rio por estar com problemas de intoxicação.

2. O depoimento do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, dizendo ligou para Bolsonaro para obter autorização para a entrada de Elcio Queiroz no condomínio. E a anotação no papel indicando a casa de Bolsonaro como destino.

3. A sessão da Câmara mostrando que, naquele dia, Bolsonaro estava lá, participando das sessões.

4. O sistema de telefonia do condomínio, que permite transferir ligações para celulares.

5. Posteriormente, vazamentos aos Bolsonaro de trechos da investigação de interesse deles, mais  a identificação de dois promotores como bolsonaristas ativos, mostrando acesso da família às investigações.

Teoria do fato

Em cima desses dados, vamos formular uma hipótese – repito, hipótese – sobre o que teria ocorrido naquele dia.

1. Bolsonaro articulou uma reunião com Ronnie Lessa (do Escritório de Crime) e Elcio Queiroz para o dia 14, no Condomínio Vivendas da Barra.

2. Preparou um álibi para faltar à sessão daquele dia na Câmara Federal. A jornalista Thais Belinski foi informada de que ele iria voltar para o Rio de Janeiro por um problema de intoxicação alimentar. Era um álibi curioso: viajar intoxicado, podendo descansar e ser tratado em Brasilia.

3. Naquele dia, trocando ideias com assessores, Bolsonaro se deu conta de que a ida para o Rio de Janeiro poderia expô-lo. Assim, decidiu ficar na sessão da Câmara, onde apareceu sem nenhum sinal de quem estava intoxicado. A reunião no Condomínio foi mantida com os demais participantes.

4. Ao chegar ao condomínio, Élcio deu o número da casa de Bolsonaro. O porteiro ligou para o celular anexado ao número, Bolsonaro atendeu em Brasília e autorizou a entrada. E Élcio rumou para a casa de Ronnie Lessa, que fica na mesma rua da casa de Bolsonaro, cerca de duas ou três casas depois.

5. Quando a reunião foi identificada, após perícia no celular de Ronnie Lessa, os Bolsonaro foram informados por aliados infiltrados nas investigações, que atrasaram a perícia a fim de permitir que as provas fossem alteradas.

Repito: é uma hipótese de trabalho.

Motivação

Conforme já divulgado, Bolsonaro era radicalmente contrário à intervenção militar no Rio de Janeiro, que considerava uma maneira de fortalecer o governo Temer e preparar a chapa Temer-Rodrigo Maia para as eleições de 2018, reduzindo a possibilidade de uma intervenção militar ampla.

Um dos modos de operação dos porões, quando Silvio Frota foi alijado da disputa pelo poder, era planejar atentados e imputar à oposição. Era o modus operandi da turma de Bolsonaro, visível no atentado do Riocentro, nas tentativas de explodir gasodutos e nas bombas às bancas de revista.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Ainda não estou plenamente convencido que a questão imobiliária na região de Muzema-Rio das Pedras seja a principal motivação da morte de Marielle, muito embora Flávio e os demais tivessem/tenha estreita ligação com o ramo, especialmente para pagamentos a vista. Não devemos perder de vista que a vereadora era o principal nome do PSOL para disputar o senado - não me lembro se era 1 vaga em disputa - contra Flávio. Não é difícil tirar conclusões razoáveis partindo desse ponto e usar como álibi, a questão imobiliária na região, que Marielle combatia. Parece elementar, whatson, mas olhemos no microscópio, podemos encontra surpresas.

    Ele não saiu da GLO do RJ e foi alçado a condição de candidato a vice, tratorando tudo e todos à toa. Lembro que ele disse em coletiva, que em breve iria anunciar os mandantes e assassinos da vereadora. Guardou a informação só pra ele e os seus e subiu como um foguete em direção aos mais altos cargos no Planalto Central. Para mim, há sim um mandante do mandante ou ele não teria essa ascensão meteórica. Aquela famíglia, não põe a mão no fogo por ninguém mais que não os seus...e olhe lá.

  • Outra hipótese, Nassif.

    O clã não tem nada a ver com o crime, de forma originária.

    O crime foi encomendado por gente com motivação e expertise para tanto.

    Nem o clã Bolsonaro, nem seus patetas militares demonstraram capacidade para nada.

    Fizeram o que fizeram por conluio da mídia, STF e Congresso.

    Vacinas, produção de cloroquina, jóias, golpes, tudo tosco, tudo rudimentar.

    Tudo ao alcance de uma apuração séria.

    São incapazes de uma conspiração dessas.

    O motivo é econômico e a exposição de promiscuidade de gente muito, mas muito mais influente que a família e seus generais.

    Onde os executores cruzam com.os militares?

    Grana.

    Braga Neto é goela larga, como mostram as licitações que tocou.

    Daí foi cooptado para colocar o chefe da polícia e topou.

    O chefe de polícia, idem, queria poder e grana.

    Os irmãos Brazão são meros intermediários.

    Como os executores também tinham laços com os Bolsonaros, estes foram chamados para dar cobertura, e viram aí a chance de controlar uma parte da narrativa e de ter gente graúda no bolso.

    Essa é a minha tese.

    Querem os mandantes, sigam a grana.

    Marielle integração a CPI que investigou uma das maiores máfias, que atua em todas as grandes cidades do Brasil: transporte público.

    Ah, repito, a entrevista de Lewandowski, as 479 páginas que acabei de ler parecem o PowerPoint sem PowerPoint.

    Vergonha
    Nenhuma prova sequer.

    • Também acho mais provável que os bolsonaros foram cúmplices mas não propriamente os idealizadores. Deram apoio.

      Nassif esqueceu de acrescentar um fato: descobriu-se no atual governo que a Abin comandada por Bolsonaro monitorava a procuradora do caso Marielle. Ou seja, muito elementos de interesse e envolvimento dos bolsonaros no caso.

      • No Rio de Janeiro é simples:Politicagem, toma lá dá cá, o que um conselheiro faz? Aprova ou reprova as contas do executivo. Na assembléia legislativa do Rio de Janeiro é na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro os governos tem a maioria e aprovam o que e quem querem sem problemas. O prefeito Eduardo Paes a pouco tempo havia conseguido a aprovação de dois nomes seus para o TCM , ambos com problemas graves na justiça.

  • Os Bolsonaro conhecem e se relacionam com os pistoleiros e mandantes. Eles foram os maiores beneficiários do assassinato. Ninguém deve ficar surpreso se a familícia for envolvida nessa parada.

    • Brilhante trabalho de jornalismo investigativo, por parte, do Sr. Luis Nassif. O que comprova a incapacidade da Central Globo de Jornalismo de tê-lo entre os seus principais articulistas. Infelizmente, pra prejuízo da opinião pública.

  • Muito bom, Nassif. Lembro de você ter falado de Bolsonaro autorizar a entrada de Queiroz no condomínio Vivendas da Barra. Então para você tem 1 Bolsonaro envolvido!

  • Como assim o Élcio Queiroz chega no condomínio dando o número da casa de Bolsonaro, para ir à casa do Lessa? Ele não sabia do número da casa do Lessa? Alguém pode explicar essa teoria?

  • Não devemos nos esquecer nunca que sob Sergio Moro a PF instaurou um inquerito contra o porteiro por crime contra a segurança nacional. Witzel acusou Moro de ter coagido porteiro a mudar seu depoimento com esta ação1. Espero que, como afirma Lauro Jardim no Globo, a PF nao pare por ai: “a investigação em curso da PF vai atingir também aqueles que, desde 2018, quando o assassinato aconteceu, não deixaram as autoridades investigarem, plantaram pistas falsas e travaram o andamento das apurações — são sobretudo políticos e policiais”2

    1. https://revistaforum.com.br/blogs/socialista-morena/2021/6/16/moro-acuou-coagiu-porteiro-do-vivendas-da-barra-acusou-witzel-na-cpi-98972.html

    2. https://www.brasil247.com/regionais/sudeste/apos-prisao-dos-suspeitos-de-serem-os-mandantes-da-morte-de-marielle-pf-vai-focar-em-quem-tentou-atrapalhar-as-investigacoes

  • Eu ainda não entendi o pq os presos hoje, vendo que o Lessa foi preso e teve a delação aceita, continuaram a ter uma vida como se nada tivesse acontecido.

  • Eu acho sua hipótese muito boa e sempre acreditei nela, mas você não explicou porque os delatores apontaram a família Brazão? Não seria melhor apontar a família Bolsonaro, com tantos elementos os colocando no cenário do crime? Qual é a relação entre a família Brazão e a família Bolsonaro? Acho que dificilmente, a família Brazão vai delatar alguém. Talvez o escritório do crime seja chefiado pelo clã Bolsonaro. O clã Bolsonaro tenha sido o braço político do Escritório do Crime. Eles lavavam a grana da quadrilha. A família Brazão foram os mandantes e a família Bolsonaro os executores, pois a turma do escritório do crime estavam sob sua proteção. Talvez, esse seja o verdadeiro arranjo final das peças.

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