Elefante, cinema e realidade

 

Por Fabio de Oliveira Ribeiro

Este filme, feito em 2003, foi inspirado no Massacre de Columbine http://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Columbine . Resolvi rever o mesmo em razão da guerra dos motoqueiros norte-americanos que resultou em uma dezena de mortos http://www.jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/os-selvagens-das-motocicletas-e-as-pedaladas-da-midia-em-favor-das-armas-de-fogo .

O realismo do filme Elefante é convincente, mas as motivações dos dois atiradores é apenas sugerida ao longo da obra. Alguns casos de bullying com outros alunos ocorrem na escola. Um dos atiradores gosta de jogar games violentos no notebook. O outro vê documentários sobre a II Guerra Mundial e sobre os nazistas na TV. Pendurado no retrovisor interno do carro usado para transportar as armas até a escola  há um pingente com a imagem do demônio. Um rifle de assalto automático é entregue pelo correio na casa de um deles. O pacote é entregue e recebido como se fosse uma encomenda qualquer. Antes de ir para escola eles tomam banho junto e se beijam.

Durante o incidente na escola os dois garotos agem como se estivessem jogando um game. As vítimas são escolhidas de maneira aleatória. O simples fato de estarem no local é suficiente para que sejam alvejadas. Quando não há mais estudantes que possam ser abatidos, um atira no outro e segue em frente. A gratuidade da violência é evidente. Enquanto estão matando alunos, professores, empregados da escola, os personagens não demonstram ódio ou temor. Eles riem, estão apenas se divertindo.

Numa batalha  que ocorre em ambiente urbano (sugiro ao leitor ver alguns filmes reais feitos durante a II Guerra Mundial) a violência corresponde ao local em que a mesma é praticada. O espaço geográfico é preenchido por crateras de bombas e por prédios destruídos ou parcialmente destruídos. Nas ruas, tanques se movimentam e atiram, canhões são municiados e disparados, soldados correm, atiram se escondem e morrem. Os vivos arrastam companheiros mortos ou feridos. Tudo no espaço é engolido pela violência de tal maneira que a própria violência parece ser a única coisa plausível naquele local. É impossível ver numa cena de batalha real alguém fazendo algo que não seja determinado pelo ódio e pelo medo.

A monotonia na escola retratada no filme Elefante é evidente. O espaço geográfico onde o incidente ocorre não tem qualquer relação ontológica com o mesmo. Nada no local sugere a violência que é perpetrada pelos atiradores. O estranhamento que o episódio sugere no espectador está ligado à superposição de duas realidades incompatíveis: o cotidiano monótono e pacífico da escola x a violência brutal dos atiradores dentro da mesma. A violência não é apenas sem sentido, ela não encontra sentido nem mesmo no espaço onde é praticada.

As sugestões oferecidas pelo filme Elefante para o comportamento dos atiradores podem ser divididas entre quatro grandes categorias:

1- culturais: games violentos, programas de TV, facilidade para comprar armas;

2- econômicas: ambos tem dinheiro para adquirir armas e munição;

3- religiosas: o maldito diabo pendurado no carro;

4- sexuais: a homosexualidade latente ou mal resolvida de ambos seria um desvio ligado à violência.

Não vou julgar as sugestões feitas pelo cineastra. Contudo, me parece evidente que ele fez o filme levando em conta a própria realidade social e política dos EUA. De fato Gus Van Sant parece ter criado um obra eclética, um filme que pode ser visto e apreciado por vários grupos de expectadores. Liberais norte-americanos podem gostar de Elefante em razão do mesmo fazer uma crítica sutil e inteligente à cultura da violência e à facilidade que os adolescentes tem para comprar armas nos EUA. Religiosos e conservadores podem gostar do filme porque ele sugere que os garotos eram gays e satanistas ou foram inspirados pelo demônio.

O capitalismo norte-americano, que de um lado permite a fabricação e venda de armamentos e de outro enriqueceu a população o suficiente para que as armas possam ser adquiridas até por adolescentes, não é objeto de crítica. É algo dado, um elemento natural que emoldura toda a ação e que nem mesmo é percebido como um elemento dramático. Em razão disto, nenhum norte-americano poderia acusar Gus Van Sant de ser comunista, rejeitando o filme em razão da ortodoxia ideológica (tão em moda nos EUA nos últimos tempos).

Não posso dizer que gostei deste filme. Mas posso dizer que é Elefante bem feito e que provoca algumas indagações interessantes. Uma delas é a seguinte: Quantos filmes como este terão que ser feitos até que os norte-americanos percebem que há algo de podre no reino deles?  

Elefante foi lançado em 2003. Estamos em 2015 e nos últimos 12 anos vários incidentes semelhantes ao retratado no filme ocorreram, alguns deles em escolas. Ao que tudo indica outros ocorrerão, como o tiroteio entre motoqueiros no estacionamento de um supermercado. Incidentes como o de Columbine já fazem parte do cotidiano dos EUA. Eles são trágicos, lamentáveis e lamentados, mas ninguém pode mais dizer que eles são inesperados.

Quando ocorrem, estes eventos violentos – sempre tratados como episódios isolados – atraem grande a atenção da mídia nos EUA. Em uma semana ou duas os jornalistas norte-americanos esquecem o ocorrido porque há outra novidade quente a ser explorada. O espaço geográfico onde estes incidentes reais ocorrem não tem mesmo qualquer relação ontológica com os mesmos? Duvido muito que algum norte-americano faça ou responda esta pergunta.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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