Instalado o pior cenário: um golpe acompanhado da desmobilização popular

Imagens de Novos Rumos (6/9/1961) e Viomundo.

por Roberto Bitencourt da Silva

A todo momento o presidente interino Michel Temer alardeia o objetivo de adotar “medidas impopulares”. Despudorada e frequentemente, um dos principais agentes da movimentação golpista, que está ofendendo a consciência nacional e democrática do povo brasileiro, reúne-se com círculos empresariais, interpelando por apoio aos donos do capital.

Todo e qualquer discurso proferido pelo entreguista, reacionário e golpista Temer tem como foco exclusivo os agentes capitalistas forâneos e do país. E os trabalhadores, como ficam? Absolutamente desconsiderados enquanto sujeitos políticos portadores de direitos.

Isso surpreende? Não a quem acompanhou com atenção os setores sociais, econômicos e políticos, bem como as intenções fragmentárias que giravam em torno da movimentação golpista, desde o ano passado.

Após recente reunião do ilegítimo presidente da República nesses circuitos empresariais, o povo brasileiro tomou conhecimento da proposta feita pelo presidente da CNI, Robson Braga de Andrade – um mero testa de ferro das multinacionais, que dominam a indústria no país –, de reduzir os direitos trabalhistas, visando ampliar ilimitadamente a jornada de trabalho.

A proposta é sombria, pois visa anular um dos poucos traços civilizados da sociedade brasileira que são as leis trabalhistas. Um legado de lutas sociais de décadas atrás e que para serem editadas no Brasil envolveram uma revolução (de 1930) e uma ditadura (estadonovista). Essas leis foram conquistas duramente alcançadas pela nossa gente.

Agora, convenhamos, a sugestão empresarial (sob os auspícios do governo ilegítimo) surpreende a alguém? Evidentemente que não pode surpreender. Em primeiro lugar, pela natureza entreguista e reacionária das forças sociais que dão suporte ao atual governo. Em segundo lugar, por conta do perfil da correlação de forças que nos foi legado pela experiência petista de governo, em mais de 10 anos na Presidência.

Minha orientação política é nacionalista, socialista e anti-imperialista. Com isso friso, de imediato, que não tenho qualquer fórmula mágica que pudesse ou possa evitar a situação pela qual passamos, de um peculiar golpe midiático-empresarial-judicial-parlamentar. Obviamente, ninguém pode alegar ter tal fórmula.

Provavelmente, se adotados 10% das medidas de reforma social, econômica e política que penso serem necessárias para o país imagino as dificuldades tremendas para um governo que se auto intitulasse de esquerda e consagrado à representação dos interesses populares.

Não existe resposta fácil para o êxito e a preservação do poder a um governo que se pretenda de esquerda, dadas as forças e os recursos à disposição das oligarquias políticas nacionais e dos capitalistas nacionais e estrangeiros. Igualmente, dada a condição periférica e subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho.

Em um país que vive mais para satisfazer aos interesses espoliativos das classes dominantes do centro capitalista e de seus pérfidos associados internos, que agem como capatazes, tudo é mais difícil. Até preservar o mínimo de dignidade nacional.

Então? Quero chamar a atenção para um aspecto decisivo do panorama político atual e que incide diretamente na facilidade com que o governo golpista e seus aderentes empresariais andam a propor medidas draconianas contra os trabalhadores. Trata-se especialmente do apassivamento de amplas frações das classes populares e trabalhadoras. Um legado singular da experiência petista de governo, que operou exclusivamente com a velha lógica da conciliação de classes e das tratativas pelo alto, interelites.

O chamado lulopragmatismo agiu basicamente com a receita da acomodação do movimento sindical e com o tratamento das classes populares desempregadas e subempregadas enquanto objetos de políticas e não como sujeitos. Não quero dizer com isso que deixaram de ocorrer alguns parcos ganhos materiais. Ocorreram, sem dúvida.

Mas, não permitiram forjar uma identidade de classe talhada em uma pedagogia conflitiva em relação aos setores que detém o poder no país. De que adianta a CUT, ligada ao PT, ter o controle de mais de 50% dos sindicatos brasileiros se não consegue sequer mobilizar as suas bases?

Um golpe transcorreu por mais de um ano, estando praticamente concluído em seu processo, e nenhuma ação paredista de significado foi conduzida por tal setor sindical. Em nada se afeta ao capital. Este navega em mar tranquilo.

A presidente afastada, Dilma Rousseff, meses a fio observando a movimentação fascistóide e golpista foi incapaz de utilizar a cadeia nacional de rádio e TV para denunciar os atores e seus objetivos antinacionais e antipopulares. O povão, “bestializado”, vendo o processo correr, assistindo ao seu voto violado, sem ser mobilizado.

Essa passividade cobra hoje um alto preço aos trabalhadores e às classes populares. Os grupos golpistas instalados no governo olham à sua volta e não identificam qualquer fator importante que possa tolher suas pretensões reacionárias. Amplas faixas dos estratos populares e trabalhadores sem capacidade ou vontade de ação, que possa imprimir uma contenção mínima ao furor entreguista e antipopular dos golpistas.

Para os que gostam de tecer comparações entre a conjuntura atual e o golpe empresarial-militar de 1964, já tivemos oportunidade de sublinhar diferenças expressivas no tocante a alguns personagens à frente dos governos (1).

Importa lembrar, contudo, as diferenças no que respeita às ações das classes trabalhadoras e populares dos dois períodos históricos. Durante o governo João Goulart foi intensa a mobilização dos movimentos sindical, estudantil e de trabalhadores rurais.

Greves econômicas e políticas, inclusive para assegurar a posse do presidente em 1961 e o restabelecimento do presidencialismo, em 1963, foram constantes. Greves gerais para a promoção das reformas de base.

Se o governo caiu e foi instalada uma longa, feroz e entreguista ditadura, um fenômeno histórico precisa ser recordado, por que nos interessa em especial para o momento: a ditadura de 1964 praticamente não tocou nas leis trabalhistas. Apenas substituiu a estabilidade no emprego, após 10 anos, um direito timidamente aplicado, pelo fundo de garantia.

Os ditadores de plantão e seus assessores, como o notório liberal e entreguista Roberto Campos, se viam forçados a dizer que não mexeriam nas leis trabalhistas. Mesmo deparando-se com pressões e insistentes sugestões de retiradas de direitos, feitas por agentes do governo estadunidense. É o que importante estudo empreendido por Antonio Luigi Negro destaca (2).

Note-se que a ditadura prendeu e torturou inúmeros sindicalistas, interviu arbitrariamente nos sindicatos, silenciou o sindicalismo nacionalista, trabalhista e comunista. Foi terrível para os trabalhadores e para o país, obscurecendo a utopia de um Brasil independente e mais justo.

Porém, estritamente em relação aos direitos do trabalhador, o próprio general Castello Branco via-se forçado a argumentar que “a revolução não foi feita contra os direitos sociais do trabalhador (…). Respeitaremos os compromissos internacionais decorrentes das convenções aprovadas na organização do trabalho e sem vacilações aplicaremos a legislação vigente” (O Globo, 2/5/1964, pág.13).

As lutas e as experiências prévias dos trabalhadores faziam a ditadura colocar a barba de molho e não cutucar mais ainda a onça. É duro ter que recordar isso, por conta da miserável condição apassivada em que nos encontramos hoje.

Desse modo, um ensinamento relevante dos tempos atuais para as esquerdas e as classes trabalhadoras e populares: preocupem-se menos com eleições e ocupações de cargos em governo. A derrota sempre esteve e estará em nossa espreita. De diferentes modos. Os sonhos e os ideais, todavia, só podem ser mantidos na luta cotidiana do povo.

A resistência ao furor espoliativo do capital demanda, sempre, a mobilização e a organização dos trabalhadores, em torno das suas causas corporativas, assim como setoriais/temáticas e de amplo interesse público. Sem isso, torna-se uma classe desarmada, de fácil opressão pelos agentes da ordem, da exploração capitalista.

Resta apenas a esperança de que as sistemáticas e aguerridas lutas travadas, entre outros, por trabalhadores sem-teto e na educação pública brasileira, por professores e estudantes, em diferentes estados, possam servir como referências políticas comportamentais para demais setores da sociedade e a maioria do movimento sindical.

As organizações das classes trabalhadoras, populares e as esquerdas precisam se reinventar e evitar o lastimável legado apassivador ensinado pelo petismo talhado no governo federal. E dele facilmente golpeado.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Publicado no Diário Liberdade.

Consultar:

(1)    https://jornalggn.com.br/blog/roberto-bitencourt-da-silva/dilma-e-lula-nao-sao-vargas-e-jango-por-roberto-bitencourt-da-silva

(2)    Antonio Luigi Negro, “Linhas de montagem: o industrialismo nacional-desenvolvimentista e a sindicalização dos trabalhadores”, São Paulo: Boitempo editorial, 2004.

Redação

11 Comentários

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  1. O problema é essa dicotomia

    O problema é essa dicotomia ganhar eleições/luta cotidiana do povo. Acho que é possível buscar uma síntese. Concordo com o autor sobre os erros em não ter mobilizado mais os trabalhadores e não ter denunciado o golpe mais cedo. Certos jornalistas, como o Paulo Henrique Amorim, denunciam isso acredito que desde 2009 pelo menos. O golpe é sempre um dado na nossa história e sempre que um governo progressista chegar ao poder. 

    No entanto, muito fácil entregar o poder para as elites e ficar na oposição e nas ruas reclamando, tomando porrada e sendo idealista. A gente precisa sim chegar aos governos e exercê-los. Deve também ser uma preocupação, ainda que não a única. Acho que um dos grandes fatores de desmobilização foi o de uma certa esquerda de classe média, afetada e leitora de grandes jornais, que apesar de votar no nanico PSOL consegue fazer muito barulho e espalhar o seu desânimo; esse pessoal sempre jogou “água no chope” de quem quisesse defender o PT à esquerda e confundiu boa parte dos militantes e da juventude que vota neles.

    É mais do que óbvio que a destruição do PT e do governo atual é uma destruição da esquerda e que nada tem a ver com combate à corrupção. Entender isso é requisito mínimo para articularmos uma resistência e para vencermos, mas sequer conseguimos passar dessa etapa. Reproduzimos, como mulas, que o “PT isso”, “o PT aquilo”, ou iniciamos frases do tipo “não sou do PT, mas…”. Assimilamos o fascismo que trata “petista” como palavrão. Aí fica muito complicado e a elite, que quer ver o povo dominado, deita e rola. 

    Sou um otimista que beira a completa ingenuidade e ainda acho que temos uma chance. As ruas tem que ser tomadas imediatamente. Os movimentos sociais precisam marcar uma data e divulgar ao máximo. Uma única data, esqueçam todo o resto. O que há a perder? A essa altura, pouca coisa. Não consigo entender porque a Frente Brasil Popular ou a Povo Sem Medo não estão fazendo isso e divulgando ao máximo. Muita gente está com isso preso e quer fazer alguma coisa. Será muito frustrante se nós nem tentarmos mais. Temos que dar uma oportunidade para quem queira lutar. 

  2. Bom diagnóstico, mas reducionista
    Joga toda a culpa da passividade atual no petismo.

    Como se, por ex, os sindicatos no mundo inteiro estivessem nadando de braçadas com suas pautas atendidas.

    Como se, por ex tb, o avanço dos setores de serviços no mundo inteiro tivessem aumentado a sindicalização e não a insularizacao.

    Como se o mundo inteiro não tivesse passado por uma massiva guerra psicológica que criou as distopias do neoliberalismo/ individualismo exacerbado, etc.

    O apassivamento do povo esta, a meu ver, mais relacionado com mudanças estruturais no mundo.

    Ah, não esqueçamos também os papéis deletérios de grande parte das redes sociais ao circunscrever os debates a seus ditames.

    E por aí vai. Não dá pra comparar momentos aparentemente iguais, mas muito distantes no tempo.

    E, principalmente, jogar a culpa em um só ator, minúsculo no contexto mundial, quase um grão de areia nessa história que começou a ser massificada na era Reagan/Thatcher.

    1. Culpa sim

      A culpa tem que ser jogada em cima do petismo sim, mas não pelo primeiro parágrafo do seu comentário e sim pelos outros: sabendo de tudo isso que você elencou (e muito mais!) ficou inerte. Ou você acha que o PT não tem em seus quadros intelectuais conhecedores do caldeirão de cultura que gera Primaveras, em cuja receita entra a Hybrid War (Potomac Institute) mais Agenda Setting de Maxwell McCombs mais Reprogramming the Pentagon for a New Age mais manual de guerra não-convencional do USA Army mais Public Opinion de M. Lipmann mais Irmãos Koch por trás do nosso MBL e Estudantes pela Liberdade mais Poder,Luta e Defesa de Gene Sharp mais etc etc etc.? Como acredito que o PT tem pensadores com essa bagagem de informação, a única resposta que me ocorre é que esses intelectuais foram desconsiderados e se afastaram por isso. Assim trocou-se algo estratégico por coisas do dia a dia político partidário. Ficaram só com metade de Maquiavel: o da tomada do Poder e não o da sua manutenção. Não é por aí o negócio?

  3. O povo não está passivo, o

    O povo não está passivo, o povo se movimenta sim em diversos níveis, só não se movimenta pela Dilma porque a mesma perdeu a confiança da população. Mas o MST, MTST, os sindicatos, as ongs, as categorias profissionais estão se mexendo sim.

  4. “A presidenta… meses a fio

    “A presidenta… meses a fio observando a movimentação fascistoide e golpista … sem denunciar…”. E o PT no poder também! Quem acompanha o blog do Nassif sabe dos inúmeros alertas da inação de ambos à primavera brasileira. Inclusive por gente que não morrem de amores por eles! Os xadrezes do Nassif, são uma espécie de magistral crônica da morte anunciada do lulopetismo, assemelhando a uma narração daquelas execuções onde os condenados cavam a própria cova onde serão enterrados. E aliás a única lacuna que falta nos xadrezes é um especificamente sobre Dilma. Acredito que deve sair à parte por ser mais substancioso posto que irá ter que considerar fatores subjetivos na sua conduta. O blog O Cafezinho centra fogo no que acredita ser a falha mãe da queda do lulopetismo: a abdicação consciente (portanto, sem a desculpa de atos em função de presidencialismo de coalizão) da guerra ideológica, no que concordo pois “guerra híbrida” não é pensamento vazio de conteúdo. Pelo contrário, tem até excesso de conteúdo! Talvez se Dilma desconfiasse que seu nome nos livros escolares pode não sair do jeito e com o destaque que gostaria (“uma presidenta honesta eleita democraticamente apeada do poder por um bando de políticos corruptos”) ela não batalharia tanto pela sua biografia pessoal (recusando o papel de Estadista). Mas enfim…

  5. Se mesmo sabendo as más

    Se mesmo sabendo as más intenções de um governo golpista não se mobilizam que assumam as consequencias, um povo que não toma em suas mãos o seu destino merece ser guiado pelo cabresto, quando foi dado o golpe deveriamos nos postar na frente do palacio dos bandeirantes, do stf e do congresso até derrubar esse governo, se não o fazem, se acreditam nas estorinhas furadas que ouvimos no radio e nos telejornais, paciencia, antes em qualquer lugar que voce ia ouvia gente reclamando do governo, hoje, todo mundo está calado, se estão satisfeitros o que posso dizer?

  6. Não podemos ficar 24 horas na

    Não podemos ficar 24 horas na rua protestando. Se esse for o caso é hora de ser um pouco mais pró-ativo.

     

  7. Já na França…

    Pirata Z – sindicalistas da CGT [Confédération Générale du Travail] em ação contra a reforma trabalhista na França. foto: Jean-Paul Pelissier / Reuters

  8. O discurso vencedor.

    Bom dia debatedores.

    Desculpem-me mas o “discurso” não me convenceu.

    E já adianto que os “discursos” não estão convencendo mais.

     

    “O povo não é bobo?  Sim e não. Talvez. Pode ser e pode não ser. Depende.

    “Abaixo a Rede Globo, então? Sim  e não. Talvez. Pode ser e pode não ser. Depende.

    Logo, o povo não  é bobo abaixo  a rede globo = FALSO.

     

    Seguem então  algumas sugestões para “sair” do “discurso”:

     

    -Preliminarmente  digo que votei no Lula e votei na Dilma. Ou melhor ainda: Li os planos de governo dos principais partidos e optei pelo o do  PT.

    Quanto ao impeachment, pelo que pude acompanhar até o momento,  conclui que esse atual   é realmente um descarado golpe. Ou uma farsa. Enfim, uma espécie de teatro para tentar “convencer”, mais uma vez, o tal “povo brasileiro”.

    Todavia, eu faço parte desse povo e não fui convencido. 

    Dito isso, seguem as sugestões para “sair do discurso” em busca de mudanças efetivas:

     

    1- Prenda o Lula ( saia do discurso de que ele “é” corrupto) . Chega de especulações. Prenda-o, já que muitos estão dizendo que é. Muitos estão dizendo que o juiz Sérgio Moro, fará isso ou aquilo, que só está esperando alguma coisa, que pode fazer a qualquer momento. Ora, faça-o! 

    ( Lula, esse não é o meu desejo ok? Só estou tentando “sair do discurso” indo pra cima das especulações várias)

    2 – Condene a Dilma por crime de responsabilidade e, consequentemente, afaste-a definitivamente do governo.

    3- Implante logo as 80 horas semanais de trabalho e estabeleça que o “negociado” ( acordo do tipo caracu, cuja cara não é sua) sobre o legislado e ponto final.

    4- Implante outras medidas impopulares, exemplo, aposentadoria só a partir dos 70 anos, manutenção da selic em 15% etc, etc.

     

    Depois disso, veremos qual será o “discurso” que se sustenta. Esse será o “discurso” vencedor.

     

     

     

     

     

     

  9. O Brasil acabou. Não existe
    O Brasil acabou. Não existe mais nação. Não existe mais projeto de nação. Sequer existe vontade de nação. Há um bando liderado por uma corja de bandidos, apoiados por grupos de burocratas corporativistas que agem sob o lema: farinha pouca, meu pirão primeiro.
    Alugar o Brasil para os escandinavos é o que de melhor pode nos acontecer. Façamo-lo antes que seja tarde.

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