A depressão no pós-compras inúteis ou a incrível arte de consumir os sentires

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por Vânia

do Blog do Sakamoto

Black Friday: Cuidado com a depressão que surge depois de compras inúteis

Leonardo Sakamoto
 
28/11/2013

Não entendo as pessoas que têm um prazer orgásmico no ato de comprar sem motivo. Quer dizer, entendo, antropologicamente falando. Da mesma forma que compreendo o porquê de uma ave migratória europeia ir para o Sul, no inverno, ou os fantasmas atacarem incessantemente o velho e bom Pac-Man. Ou seja, programação.

Sei que há um milhão de  justificativas que podem ser dadas para tal ato: como a ardente materialização do desejo, passando pela projeção no objeto de uma série de sentimentos que você não terá tempo para experimentar por vivência própria (ou alguém aqui acha que é mais livre por ingerir xarope doce com água gaseificada?) até a simples possibilidade de deixar claro quem está acima no estrato social via símbolos de status e poder.

Estamos chegando a mais uma Black Friday, uma sexta-feira de grandes descontos, ideia que nasceu nos Estados Unidos para ocorrer depois do Dia de Ação de Graças e foi importada, para cá, por razões óbvias. Alguns sites mais-que-honestos de compras já estão se preparando para subir o preço em 80% e, assim que virar a meia-noite, dar um incrível desconto de 75%. Em outros, realmente o bicho do desconto vai pegar.

Comprar é importante, gira a economia, gera empregos, realiza desejos, supre necessidades, compensa frustrações, controla o povo. Não raro, a possibilidade de que a aquisição de um bem esteja no horizonte de uma pessoa dá a ela um sentido para a sua existência. Bizarro, mas é a vida. Isso traz ansiedade e esperança para “hordas de bárbaros”, que aprenderam a entender esses produtos como passaportes para saírem do ostracismo social.

Por tudo isso, um pedido: não compre com o fígado. Ao acordar de manhã, cheque a fatura do seu cartão de crédito, os extratos bancários e os empréstimos – dos CDCs, passando pelas consignados até aquela grana que você tomou da sogra e nunca devolveu. E reflita se o seu emprego está minimamente garantido pelo próximo ano antes de cair na esbórnia e comprar aquele descascador eletrônico de ovo cozido que você nunca vai usar, mas que o cara da TV disse que, sem ele, você é um zero à esquerda.

Lembre-se: não é demanda que gera oferta. Mas a publicidade ostensiva sobre a oferta que cria a demanda.

Como já disse aqui, não estou peidando regras ao vento, achando que sou leve feito um elfo. Tenho meus desejos de consumo. Mas se está com aquele vazio difícil de preencher ou ficando “transparente” para seus amigos e colegas, acha que a solução é realmente adquirir um produto e, através dele, o pacote simbólico de cura e inserção que traz consigo?

Acredita que precisa dar um presente para alguém a fim de mostrar que o ama? Você se lembra como escrever cartas com as próprias mãos?

Não precisamos ser aquilo que compramos. Ou, melhor, você não precisa comprar para ser alguém. Esses objetos de desejo serão realmente úteis para você? Ou só está procurando um estilo de vida do que gostaria de ser, mas não pode porque não tem dinheiro ou tempo para isso?

Presenteamos nossos filhos para demonstrar carinho em nossa ausência achando que isso resolve. Mas não resolve. Aliás, “o que deveríamos ser” ou o que “deveríamos viver” normalmente não é resultado de uma auto-reflexão, mas de alguém martelando algo em nossa cabeça, dia após dia, em comerciais, anúncios, novelas e filmes.

Quanto tempo depois de uma compra impulsiva você percebe que aquilo não lhe trouxe felicidade? E a culpa vai te consumindo por dentro – afinal, somos um país católico ou não somos? E o horror: o vazio da falta de significado que aquilo tudo lhe traz dá uma paúra que antiácido nenhum resolve.

A “classe baixa com poder de consumo mas ainda fora de patamares mínimos de dignidade”, conhecida como “nova classe média”, está alcançando a inclusão social através do consumo. A pessoa deixa de ser vista como uma ignorante completa, uma estrangeira, porque tem um iPhone. Sendo que seria melhor que sua inclusão ocorresse via a garantia de serviços de educação, saúde, cultura e lazer de qualidade e as consequências positivas que isso traz.

Repito sem medo de me tornar redundante: muitos de nós ficam tanto tempo trabalhando que tornam-se compradores compulsivos de símbolos daquilo que não conseguiremos obter por vivência direta. Em promoções, como esta, em que a porteira está aberta e o convite está feito, nem se fala. Através desses objetos, enlatamos a felicidade – pronta para consumo, mas que dura pouco. Porque, como os produtos que a representam, possui sua obsolescência programada a fim de garantir, daqui a pouco, mais dinheiro a alguém.

As próprias campanhas contra o consumismo desenfreado e pela proteção ao meio ambiente podem ser, quando superficiais, bons pacotes fechados para o consumo imediato e o alívio rápido da consciência, visando à compra de uma indulgência social ou ambiental. Já que a contradição é inerente ao capitalismo e à sociedade de consumo, por que ter pudores ao explorar isso? Sextas-feiras como esta só ajudam a catalisar o processo.

Boas compras.

Mas lembre-se que montar uma pipa com papel de seda, organizar um piquenique no parque, ir a algumas exposições bem legais, pegar emprestado um bom livro ou ir a um sarau literário não custam quase nada. E são tão grandes que não cabem em caixas de papelão…

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Black Fraude

    Pensei em comprar algumas coisas que necessitava, dei uma pesquisada, não encontrei nada  que valesse a pena,  os preços eram maiores do que os anunciados na  semana anterior, realmente essa promoção no Brasil, onde cada vez mais  aumenta o oligopólio no comércio, sem concorrencia, é uma Black Frauday, outra picarategem é tal  entrega da mercadoria que é um assalto ao cidadão.

  2. A Siemens é um exemplo.

    A Siemens é um exemplo. Depois de comprar pássaros de bico grande, veio o sentimento de comprar coisas inúteis, e o arrependimento. Ainda bem. Agora, arrependimento mesmo deve ter havido na última viagem do helicóptero preto que fora apreendido pela polícia federal. Mas não foi de todo ruim, ainda deu para divulgar, em nível nacional, o 4 e o 5 presentes nos quatrocentos e cinquenta kg de um produto que dizem, causar euforia num primeiro momento e a necessidade de continuar eufórico no segundo.

     

     

  3. “Acredita que precisa dar um

    “Acredita que precisa dar um presente para alguém a fim de mostrar que o ama? Você se lembra como escrever cartas com as próprias mãos?”

    simples assim.

  4. Dois assuntos independentes.

    Dois assuntos independentes. A necessidade das compras e o Black Friday.

    O primeiro faz parte do ambiente social que vivemos e é necessário para manter o processo econômico em marcha, gerando empregos e renda. Querer negar isto é querer negar a realidade. Pode-se mudar para algum lugar remoto e se viver via caça e coleta. Mas quem irá fazê-lo?

    Ir às comprar faz parte da inclusão social. Por que só os moradores dos bairros ricos poderiam ter este direito?

    Quanto ao Black Friday no Brasil ( não sei qual o sentido do Black ), é mais um importação de prática comercial praticada nos EUA, assim como outras tantas. Aqui, no entanto, há o velho vício do ‘embromation’. Há quem caia no golpe, outros não. Cabe às autoridades evitarem e punirem os abusos.

    No mais, é texto é a expressão de uma revoltazinha pequeno-burguesa ultrapassada.

     

  5. Sociedade consumista.

    O que o Sakamoto esqueceu de escrever, é que quando nos inserimos no famoso bloco capitalista globalizado, com o pomposo nome de “economia de mercado” aceitamos as regras do jôgo, que os países ditos desenvolvidos criaram, para aumentar a competitividade e as relações comerciais.

    A exploração da classe trabalhadora, continua, embora minimizada pela falsa promessa, de que agora, quem prodúz bens e riquezas, antes artigos apenas para as ricos e endinheirados, tambem participariam desta “fartura” de bens e/ou serviços, aumentando a bola de neve da produção e da demanda pela realização do sonho de consumo. Pura utopia. Quem ganha(e cada vez mais) é o selvagem capital e os atores cúmplices, que proporcionam atravez do crédito, a chegada da classe média ascendente, ao “paraíso”.

    Tentemos convencer nossos filhos pequenos, a construir artezanalmente, seus brinquedos, a partir de apetrechos que sobram em nossas casas, com os meios de comunicação de massa e as redes sociais, mostrando as quinquilharias que os chinese fabricam aos borbotões, e que podem ser adquiridos em “suaves” prestações mensais !

    Tentemos convencer nossos parentes adultos, a fazer pequenas caminhadas e piqueniques nos nossos parques e visitar museus gratúitos, com esta enxurrada de smartphones e tablets que podem ser adquiridos “bem baratinhos” que nos aproximam do mundo todo, aonde quer que estejamos !

    Evoluímos tanto, na busca da conquista destes sonhos de consumo, que assim como o Black Friday, muitas outras datas especiais, serão criadas e divulgadas, pelos comerciantes físicos e virtuais, para continuar aumentando o tamanho desta bola de neve, chamada “consumo”.

    Karl Marx, pregava a luta do proletariado, pelo alcance de uma melhor qualidade de vida, para quem trabalha para o capital, e não usufruia-o desta produção adequadamente, porem alertava aos trabalhadores, para o risco, de sermos envolvidos pelos tentáculos, dos capitalistas. Infelismente, isto ocorreu.

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