Ben Schneider, do MIT, acredita que vai ser difícil Brasil sair da crise

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Entrevista com Ben Schneider

Por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

Especial para o Jornal GGN

Ben Schneider é um professor americano de Ciência Política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e diretor do programa MIT Brazil. Há muito tempo especializado na política da América Latina, é também um “brasilianista”, expressão utilizada para denominar os estrangeiros que estudam o Brasil.

Ben, como é conhecido, foi o responsável pelo projeto que resultou no livro “New Order and Progress: Development and Democracy in Brazil” (Nova Ordem e Progresso: Desenvolvimento e Democracia no Brasil, em tradução livre), que conta com uma Introdução da sua autoria e textos de brasileiros e brasilianistas.

Para falar do livro e de política brasileira, Ben me recebeu para um bate papo, em português perfeito, no seu escritório no MIT, em Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos:

Como surgiu a ideia do livro e qual a diferença dele para outras obras sobre o Brasil?

Faz 8 anos que dirijo o programa MIT Brazil. A meta dele é aumentar o fluxo de pesquisadores, estudantes e professores entre o MIT e o Brasil. Realizamos um workshop há 2 anos, cujo objetivo era juntar brasileiros e brasilianistas, e essa aproximação resultou no livro.

O primeiro diferencial é exatamente esse: reunir brasileiros e brasilianistas para dialogar numa só obra. O segundo é um enfoque teórico, comparado e histórico. Pegando um tema como desigualdade, analisamos: como o Brasil se compara com outros países? Quais as expectativas teóricas? Como vêm evoluindo nas últimas décadas?

Finalmente, nós buscamos uma visão como se diz em inglês look under the hood, que olhasse dentro do carro, dentro da estrutura, procurando ver como funciona, por exemplo, o BNDES dentro do sistema brasileiro.

 

Quando o sociólogo Zygmunt Baumann esteve no Brasil recentemente, ele afirmou que lá havia uma plutocracia disfarçada de democracia. O que o senhor acha disso?

A plutocracia talvez seja [um termo] mais apto para os Estados Unidos do que para o Brasil, pois já temos bilionários nas campanhas e, pela regulamentação, não há limites de quanto as empresas podem gastar em campanhas eleitorais. Essa é uma das vias pelas quais empresários e famílias ricas podem ter influência no sistema político.

No Brasil, como em qualquer outro país capitalista, onde se tem grandes fortunas, elas terão um maior peso no momento da eleição, mas o interessante é ver as instituições e o comportamento do empresário, que poderão ter maior ou menor impacto na política.

Pode haver agora uma grande mudança no Brasil com a proibição das doações das empresas, mas é preciso ver como isso ficará na prática, pois a experiência americana na tentativa de regular essa matéria demonstra que empresas e famílias ricas sempre encontram algum jeito de interferir nas campanhas.

 

A sua opinião, então, sobre a proibição do financiamento de campanhas é que ela é positiva, mas é preciso ter cuidado com a regulamentação e com as saídas que serão encontradas por empresas e famílias ricas?

É, porque vão existir as contribuições individuais. Por exemplo, nos Estados Unidos houve casos em que a empresa dava algo para os trabalhadores que eles não recebiam, mas todos passavam a ter que doar para um determinado candidato.

Outro aspecto do Brasil, sobre o qual eu já escrevi antes, é que o Presidencialismo de Coalisão, com partidos muito fragmentados, abre caminhos para os empresários terem maior influência.

Pode-se pensar em formas mais organizadas de os empresários terem influência no processo eleitoral, como acontece na Escandinávia, por exemplo, onde os empresários exercem sua influência por meio das associações.

 

Alguns recentes estudos sobre a desigualdade brasileira, que utilizaram o método empregado por Thomas Piketty de análise das declarações do Imposto de Renda, um deles feito, inclusive, por um orientando dele, concluíram que, dentre os pesquisados até hoje, o Brasil é o país mais desigual do mundo. Como essa desigualdade extrema atua sobre a democracia?

É interessante que, nas Ciências Sociais, todo mundo acha que a desigualdade tem um impacto negativo na democracia, mas não há uma teoria clara de qual seria esse impacto. Há hipóteses que precisam ser pensadas e pesquisadas.

No Brasil, há gaps (espaços) muito grandes entre ricos e pobres, sendo difícil pensar em um projeto nacional. Onde poderíamos achar interesses comuns entre um trabalhador informal e com pouca educação, e um empresário rico já com pós-graduação nos Estados Unidos? A grande desigualdade torna cada vez mais difícil pensar em um projeto único.

Há um conceito que deveria ser trazido de volta, que é o de “burguesia transnacional”. Não só no Brasil, mas em muitos países com alto grau de desigualdade, a burguesia, os mais ricos, vivem num mundo em que a ponte de referência não é a periferia de São Paulo, senão Miami, Londres e todas as grandes capitais do mundo. Esse grupo de pessoas fazem pós-graduação no exterior, vão esquiar nas férias, vão a Davos, então esse grupo de diferentes países tem mais em comum entre si do que com a população do seu próprio país.

Outra hipótese é de que a desigualdade leva ao populismo. Quanto mais sem esperança fica grande parte da população, mais atraente um candidato que promete muito, que gasta muito no curto prazo, porém é insustentável. É uma tendência não tanto forte no Brasil, mas na Argentina, Venezuela…

 

No início do seu livro, o senhor faz um apanhado e diz que, no início dos anos 90, a situação política e econômica do Brasil era preocupante. Depois veio a estabilidade econômica em meados dos anos 90. Então, houve alguma inclusão social, o fim da fome e o boom das commodities no início do século, fazendo muitos acreditarem que era chegada a hora do Brasil. O que faltou para ele realmente decolar? Faltou reformas estruturais?

Grande parte dos observadores vai dizer que sim, mas cada um teria feito uma reforma diferente. Poderia ter sido revisto o “custo Brasil” e o sistema tributário poderia ter sido reformado, por exemplo. Estou escrevendo um artigo agora que coloca a análise sobre o que seria “distribuição fácil” e “distribuição difícil”.

Aconteceu nos anos 2000 a parte fácil, que é a de programas como o Bolsa Família, que têm um custo bem baixo, mais ou menos 0,5% do PIB, enquanto que a previdência custa mais de 6%.

Essa é a parte fácil. Difícil é unir os sistemas, ou seja, é fazer o trabalhador informal passar a ser formal. Esse raciocínio pode ser estendido para outros setores, como educação, saúde etc. A parte fácil é expandir e dar um mínimo básico por meio do gasto. A parte difícil é aumentar a qualidade e igualar as oportunidades.

 

Muitos defendem no Brasil que bastaria dar uma boa educação e os problemas estariam resolvidos. Ainda que a educação tenha uma essencial importância, não é preciso ter instituições e políticas que deem uma base social mínima até para que se possa aproveitar a educação de qualidade a ser oferecida?

A educação é fundamental para qualquer projeto de desenvolvimento e de distribuição de renda. O argumento liberal é que o mais importante para a distribuição é a educação, mas isso é de longo prazo. É preciso ter igualdade de oportunidades, e capital humano é essencial para isso.

Eu acho que há, no entanto, uma perspectiva errada de que é só ter educação e isso levará a uma economia desenvolvida, seria um salto para sair da armadilha da renda média. Estamos vendo isso em outros países. Não basta ter gente bem formada para gerar empregos. É preciso ter um projeto de desenvolvimento e políticas públicas para gerar os empregos que usariam essa mão de obra mais qualificada.

 

Há hoje uma polarização política e ideológica muito grande no Brasil. Uma impressão que se pode ter, quando se olha para países mais desenvolvidos, é que neles não haveria o mesmo grau de polarização, que abre espaço para os radicalismos. Teria a ver com a maturidade da democracia?

A regra geral seria: a polarização complica o bom funcionamento de uma democracia. No entanto, um grau de polarização pode ser bom para gerar duas opções claramente diferentes que as pessoas podem escolher. Às vezes, em uma democracia, dois candidatos vão se juntando tanto ao centro que é difícil enxergar quem está fazendo o quê.

Um grau baixo de polarização é bom. Nos Estados Unidos há hoje mais polarização e na Europa, com a questão de imigração, ela também aumentou. Diria que não é algo específico do Brasil ou de quanto tempo o país tem de práticas democráticas. Mesmo os mais velhos sistemas podem sofrer com uma polarização negativa, disfuncional.

Mas é importante ter propostas e estratégias claras e diferentes numa campanha eleitoral: o que vão fazer com a educação, com a saúde, com a política de desenvolvimento, com a política industrial etc.

 

O Brasil vive um momento de grande crise econômica e política. Qual o caminho que o país deve seguir para um desenvolvimento mais sustentável?

Eu ando dizendo que o Brasil não vai tão bem quanto pensa nos bons momentos e não vai tão mal como pensa nos maus momentos. No entanto, essa é uma crise mais prolongada do que eu teria pensado possível. É realmente grave, mas eu diria que não é uma crise necessariamente de estrutura, pois é de déficit público e de inflação, não necessariamente dizendo respeito a tudo o que foi feito em termos de projetos de desenvolvimento anteriores.

Vai ser difícil sair da crise, vai ter um impacto a longo prazo, mas é preciso olhar para a silver lining (o lado bom) da crise, que é o quão forte têm se mostrado as instituições políticas. Todo o processo da Lava Jato revela que o Judiciário do Brasil está forte, as instituições de accountability (responsabilização) estão funcionando. É um caos a situação da corrupção, mas, em outros países, já se teria fechado a corte de Sérgio Moro. Isso vai mudar o comportamento, pois empresários e políticos vão pensar duas vezes antes de fazer o que vinham fazendo. 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

17 Comentários

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  1. “É um caos a situação da

    “É um caos a situação da corrupção, mas, em outros países, já se teria fechado a corte de Sérgio Moro. Isso vai mudar o comportamento, pois empresários e políticos vão pensar duas vezes antes de fazer o que vinham fazendo.”

    Mr. Brazilianist, o problema é que certamente a corte de Sérgio Moro agora será fechada. Ela já cumpriu sua missão. Agora é tudo como dantes, no quartel de Abrantes.

    1. Vai por mim!

      A corte do Moro só vai ser fechada depois que ele condenar o Lula para que ele se torne inelegível.

      Essa pedra já está cantada há muito tempo.

      Assim como outras pedras foram cantadas com bastante insistência, e o PT não deu a mínima.

      1. Sim. Lula é o principal alvo

        Sim. Lula é o principal alvo do golpe contra Dilma e o PT, por ser seu grande símbolo, e a única liderança popular do Brasil.

        Ele faz parte do “pacote”, talvez mesmo como ato final do espetáculo midiático-judicial-policial do Dotô Moro.

  2. Ben Schneider do MIT

    achei bem fraquinha a análise do Ben Schneider do MIT… ele (ou o entrevistador) nem toca na questão da concentração da Media nas mãos de 5 grupos poderosíssimos. Ele acha que Sergio Moro é ‘independente’… que o Judiciário é ‘independente’… só se a independência for só para a Direita. Existe algum juiz atualmente investigando políticos de Direita? Acho que diferentemente do ex-jornalista do Guardian, Glenn Greenwald, que viveu no Brasil bastante tempo… esse Ben Schneider deveria sair lá de Massachusetts e passar um bom tempo por aqui para ver a realidade…  

  3. Estamos passsando uma crise

    Estamos passsando uma crise de fachada do Estado, até que se faça registro cartorial das riquezas para o capital.

  4. Me parece que este cabra está

    Me parece que este cabra está assistindo muito a globo.

    A corte do Sérgio Moro será fechada porque já atingiu seu objetivo que NUNCA foi combater a corrupção.

    Basta olhar para os que estão no governo agora e o que a corte do Moro fará a respeito. Eu tenho a resposta e a resposta é nada.

    O Gilmar já absolveu o Aécio.

    Então ficamos assim: construir aeroporto na sua fazenda gastando R$ 15 milhões de dinheiro público, ficar com as chaves a ainda pairar a suspeita de que este aeroporto está sendo usado para tráfico de drogas pode. Frquentar um sitio mequetrefe onde tem dois pedalinhos de R$ 2.5 mil e um iate de R$ 4 mil não pode. É crime inafiancável.

    Eita instituições boas e fortes.

    1. Tucano indiciado ou julgado ,

      Tucano indiciado ou julgado , é Tucano Morto. O corporativismo é tão evidente que nem tentam esconder. É UMA MAFIA.

  5. Os indígenas da Amazônia que

    Os indígenas da Amazônia que eram assistidos pela “irmã” Dorothy Stang demontram mais conhecimento e admiração pelos EUA do que pelo seu próprio país, o Brasil…

    1. O que você quer dizer com isso?

      O trabalho que ela fazia no Brasil era contrário ao das políticas americanas para o Brasil. Acho que você está mal informado.

  6. Reservas de petróleo de

    Reservas de petróleo de diversos TRILHÕES de dólares(falta confirmar muitos ainda), agua a vontade para o mundo, biodiversidade, reservas minerais, etc, etc, …NÃO vamos esperar que as multinacionais american/sionistas (?) vão nos deixar usufruir né? 

    Por muito menos que isso, milhões de Árabes (crianças, mulheres, velhos incluidos) indefesos foram SACRIFICADOS EM GENOCÍDIOS muito mal explicados ou com desculpas idiotas.

    ESSE é o problema.

  7. Dúvida: se o cara que estuda

    Dúvida: se o cara que estuda o Brasil é um brazilianist, o cara que estuda a Argentina (se é que alguém estuda) é um argentinist, o cara que estuda o Paraguai é um paraguayanist e por aí afora?

    1. Pois é…

      Os EUA são um dos poucos países que dão extremo valor a esse tipo de estudioso. Existe estudiosos desse tipo para todos os países de relevância, inclusive os que você citou. Alguns, como Thomas Skidmore ficaram bem famosos estudando o Brasil. É claro que o estado americano recorre ao conhecimento deles quando precisam municiar-se de dados para alguma tomada de decisão. Um detalhe interessante: na “primavera árabe” o governo americano cobrou abertamente os estudiosos do oriente médio o por quê de não terem previsto o movimento com alguma antecedência.

  8. “Instituições funcionando”

    Até 2018 vâo tentar de novo uma emenda constitucional para financiamento de campanha. Vão também insistir em proscrever o PT da cena política.

    … “Instituições funcionando”…

    não existe teoria sobre desigualdade porque lá fora só nos últimos tempos que estão experimentanndo algo que no Brasil é comum. No passado o instrumental das ciências socias era outro.

    Além de gerar desintegração social a desigualdade nos niveis indecentes do Brasil gera ineficiência econômica.

  9. Gostaria de ver esse tal

    Gostaria de ver esse tal BRAZILIANIST Ben Schneider debatendo com o ALEXANDER MAIN do The Center for Economic and Policy Research (CEPR). Esse sim que entende de Brasil. Outro dia o vi participando de uma mesa redonda sobre o nosso país na RT(Russia Today); o cara deu um show de bola, eu não conseguia acreditar que o mesmo é Gringo…de tão bem informado que é. E não é só isso, o cara conhece e descreveu todas as nuances e malandragens da enferma política brasileira…parecia que aqui tinha nascido e se criado. Peter Lavelle do CROSSTALK é outro que também não dá colher-de-chá aos Golpistas eou seus estafetas internacionais, como a Tucana GRINGÓFILA ANDREA MURTA da Folha de São Paulo. Confira o vídeo no qual PEPE ESCOBAR a desmascara no citado programa. Pepe é inconfundível e tem feito um grande favor à Golpeada Democracia Brasileira, denunciando e desmascarando o GOLPE. É um patrimônio brasileiro…o seu jornalismo é respeitado e admirado mundo afora.

     http://Peter Lavelle – Veterans News Now http://www.veteransnewsnow.com/author/crosstalk/ Traduzir esta página Peter J. Lavelle is an American RT journalist and host of CrossTalk, presented by the … CrossTalking with Brian Becker, Pepe Escobar and Andrea Murta.

  10. Fofo mesmo…

    Acho engraçadinho quando esses caras fazem citações assim: “É um caos a situação da corrupção, mas, em outros países, já se teria fechado a corte de Sérgio Moro.” Agora é que a corte de Moro vai fechar as portas mesmo. Assim como a corte se fechou para a operação Satiagraha e os bandidos pegos passaram a ser “vítimas” e os policiais “bandidos”. Aliás, o mandato do deputado Protógenes Queiroz está terminando e ele passa a correr sério risco de vida ficando no Brasil. Por isso devemos apoiar a aceitação do pedido de asilo político solicitado por ele ao governo Suíço. Isso tudo porque a justiça no Brasil É um partido político, assim como a mídia.

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