Como Márcio Thomas Bastos e Paulo Lacerda lideraram a PF

Assim que assumiu o Ministério da Justiça, Márcio Thomas Bastos convidou Paulo Lacerda para o cargo de diretor da Polícia Federal. E adotou o critério de trabalho de uma reunião diária com Lacerda às 8:15. Apenas às 9 horas havia reunião com toda a equipe. Sabia que o ponto mais sensível do Ministério era a Polícia Federal.

A Polícia Federal sempre fez grandes operações em todos os tempos. Às 8:15 já tinha terminado suas buscas e apreensões e o Ministro podia ser informado, para não ser apanhado desprevenido.

Até a chegada de Paulo Lacerda à PF, havia problemas operacionais. Por exemplo, montava-se uma grande operação em São Paulo, de busca e apreensão. E, para outros estados eram enviadas cartas precatórias, mesmo quando lá se encontravam personagens relevantes.

Com a nova metodologia, a PF passava um tempo de investigação reservada, com autorização judicial para quebra de sigilo telefônico. Reunindo as informações,  batizava a operação e, em determinado dia, ela era deflagrada por todo o país

As primeiras operações foram a Anaconda, em São Paulo, e a Sucuri, em Foz do Iguaçu, nas quais se cortou na própria carne, a Anaconda pegando o juiz federal, ex-procurador e ex-delegado João Carlos da Rocha Mattos, e a de Foz pegando o “japonês da Federal”.

A liderança sobre a tropa

Na época, já se descentralizara a inteligência da PF. Mas havia a preocupação de centralizar as grandes operações no edifício-sede, porque dispondo de melhores condições de apoio logístico e sabendo-se que nessas operações não poderiam haver abusos.

Há uma idéia errônea de que o Ministério da Justiça não controla a PF. Não tem que controlar mesmo. Tem que exercer a liderança devida. Por exemplo, chagar para o delegado que preside determinada operação, conversar com ele, conferir se está no caminho certo ou não. Tem que ser uma conversa, não uma pressão. 

Sempre que havia uma grande operação, eram chamados na sede o delegado e o superintendente regional. Lá, eles relatavam para as diretorias regionais o que pretendiam fazer e planejavam conjuntamente as operações. A ideia era simples: permitia se montar a operação de forma integrada e, quando havia resultado ruim, o risco era compartilhado.

Não havia imposição aos delegados, mas aconselhamento. Se ele quisesse seguir outro caminho, seguia, mas sabendo que correria o risco do fracasso sozinho.

Em uma dessas ocasiões, planejou-se uma grande operação em Mato Grosso do Sul. O delegado resolveu batiza-lá de Xeque Mate. Indagado sobre a razão do nome, disse que envolvia Vavá, irmão do presidente Lula. Foi lhe dito que o nome poderia parecer provocação. Explicou que não, que o principal envolvido era um militante do PT do Paraná que mudou-se para Mato Grosso e estava envolvido com cassinos e jogo de bicho.

O superintendente mencionou uma gravação de conversa de Lula com o principal envolvido. E explicou o contexto. 

O envolvido ligou certa noite para Vavá pedindo ajuda para uma amiga comum que necessitava de tratamento médico. Vavá estava em um evento familiar com Lula. Perguntou para o envolvido se não queria falar pessoalmente com Lula, e passou o telefone para o irmão. Lula respondeu então que iria falar com alguém e que o envolvido ligasse mais tarde para confirmar o tratamento. A conversa morreu ali.

O então delegado-geral Paulo Lacerda indagou o que o superintendente pretendia fazer com a gravação. Respondeu-lhe que apenas iria mantê-la nos autos.

Recebeu o conselho:

  • Não vou dizer o que você deve fazer, mas o que eu faria. Acho que deve fazer um despacho, ir ao Juiz, ao Ministério Público e revelar o que isso representa. Aí ele vai decidir. Você acha que essa conversa é evidência de crime?
  • Acho que não.
  • Você imagina o que poder acontecer quando imprensa souber de uma conversa do Lula com o principal investigado?

O superintendente seguiu o conselho.  Despachou, o juiz recebeu e, com aval do MP, e mandou destruir a conversa, porque não tinha crime e nem era caso de mandar para Supremo.

Após a saída de Paulo Lacerda, seu sucessor Luiz Fernando descentralizou, passou a não ter mais nenhuma ingerência sobre esse trabalho, perdendo a condição de liderança sobre a tropa.

A entrada de José Eduardo Cardozo no Ministério agravou o descontrole da PF. Hoje em dia, há uma unanimidade na própria PF, que Cardozo provavelmente foi o mais ausente Ministro da Justiça da história.

 

 

Luis Nassif

11 Comentários

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  1. É preciso trabalhar. Acima de

    É preciso trabalhar. Acima de tudo, é preciso trabalhar. Política se não faz somente no Congresso ou gabinetes  políticos convencionais: TODA ADMINISTRAÇÃO É POLÍTICA. Demanda conversa, negociações, convencimentos.

    Disse-me certa feita uma diretora de colégio de Segundo Grau de minha cidade que apressara a aposentadoria, quando um novo secretário, político, hoje senador da República por Sergipe, obviamente, passou a não aparecer na unidade ensino, e sim a mandar recados através de seu aliado partidário na cidade, quando a ela vinha ou não. É que a presença do secretário, além de tirar-lhes dúvidas, a deixava mais forte pra negociar com os subalternos. E pra resisitir aos assédios eleitoreiros do político. Com a sua perda de importância, perdeu também o apetite para administrar. Preferiu sair, já que a Lei lhe dava direito de aposentadoria.

    Como é difícil se encontrar material humano de qualidade, hein, Nassif?

  2. Autonomia, da PF é tragedia

    Marcos Thomas foi um grande jurista sim, mas cometeu um grande equivoco, ao dar autonomia a PF. Isto não existe em lugar algum do mundo, porque policiais, se embrutecem no exercicio da sua profissão, e precisam de um comando firme sobre eles, para não cometerem excessos. Toda a crise economica causada pela  Lava Jato, decorre deste erro.

    Toda organização militar, ou policial, só funciona sobre hierarquia e disciplina rígida, do contrário corremos o risco de criar instituições fora de controle da sociedade e contra a sociedade.

    Para os que discordam de mim que apoiem a PEC 412 que dá autonomia total e irrestrita aos delegados da PF ( como se fossem um poder autonomo), aí sim vocês verão i inferno sobre a Terra.

    1. Sem querer criar polêmica com

      Sem querer criar polêmica com religião, mas diz-se que há um ditado em Umbanda que diz: “Quem não comanda é comandado.”

  3. O grande mistério foi porque

    O grande mistério foi porque madaram o Paulo Lacerda para Portugal. Seu trabalho era impecável. Será que foi o com Daniel Dantas? Por que esta história foi enterrada? Por que só tivemos ministros da justiça e delegados-gerais medíocres a partir de então? O que foi escondido? Estamos pagando um preço muito alto por isto.

  4. Comparemos os ministros de

    Comparemos os ministros de Lula e de Dilma. É como comparar a seleção de 70 com a de 2014. E o problema maior não foi Zé Cardoso, mas, sim quem o manteve por 5 anos como ministro – e que, aliás, saiu porque ele decidiu sair, não porque Dilma acordou pra sua incompetência.

  5. Concordo com Maria Beatriz.

    Concordo com Maria Beatriz. Porque o delegado Paulo Lacerda foi afastado? Porque ele não é trazido de volta para chefiar a PF? Como pode a PF agir fora da lei como vem agindo? Afinal, quem fiscaliza os fiscais? Se medidas para trazer os fiscalizadores para dentro dos limites da legislação não forem tomadas, mesmo que o impedimento da Presidente não seja aprovado, os abusos vão continuar para desgosto e infelicidade dos brasileiros que não são corruptos e são contra a corrupção. Entretando, sob o disfarce de combate à corrupção, a Constituição Federal não pode ser rasgada por delegados, membros do ministério público, juízes, cunhas e caterva! 

  6. Estes personagens me fazem

    Estes personagens me fazem lembrar de uma pergunta que não quer calar, o porquê do estranho fim da Operação Macuco e afastamento do delegado Protógenes… Nunca vi uma explicação convincente sobre isso. Ficou, para mim, apenas a desconfiança – será que perceberam que, se Marcos Valério aparecesse na investigação, condenaria todo o projeto de Lula?

  7. Olha, se isso não significa

    Olha, se isso não significa “controlar” a PF, então realmente não sei o significado da palavra.

    Ministro da Justiça tem que nomear e depois cair fora. Do jeito q o exmo falecido Ministro orquestrava, a PF estava nas mãos do Presidente. Isso é ser autoritário e dependente. Me desculpe Nassif, mas numa situação como a de agora onde ex-presidentes (seja PT, PSDB, etc) tem sim que ser investigados sem que a atual presidenta possa favorecê-los.

    Frente Genoíno Presidente 2018

  8. No bar

        Lembro uma ocasião que estava em um bar, sexta – feira a noite, com dois amigos do DPF/SP, e um deles recebeu um telfonema para apresentar-se imediatamente em Cumbica ( BASP ), para compor equipe da PF em uma destas operações, o cara foi de C-130 da FAB, só descobriu para onde ia e qual era a operações no avião ( Santa Catarina ), e chegando lá o unico que conhecia detalhes da operação era o Superintendente da PF/SC.

         Outro dado interessante, é que desde Sarney, passando por todos os outros, até Lula, na reunião diaria matinal no Planalto, os PRs recebiam o Chefe da Casa Civil, o MinJustiça e o Chefe do GSI, para a “analise de situação” ( as vezes os lideres no Congresso eram convocados, ou os MinEconomia/Planejamento, MRE – sempre dependendo da pauta secundaria da reunião ), com Dilma praticamente tal encontro diário acabou, limitando-se ao Chefe da Casa Civil.

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