Greves, não importa a dimensão, justificam-se pelo simbolismo, por Janio de Freitas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto – Paulo Iannonie

Jornal GGN – Em tão pouco tempo, desde o golpe do impeachment, o país jamais viveu um desatino tão grande, um assalto tão violento a direitos de quase a totalidade da população e mesmo o ataque às potencialidades do próprio país. A afirmativa foi feita por Janio de Freitas, em sua coluna de hoje na Folha. O articulista aponta que, mesmo na Síria com guerra em grande parte de seu territória, as coisas melhoram. E isso não se tem aqui.

Janio aponta que o que é oferecido por Meirelles é um país manietado, aprisionado na desinteligência de um teto obrigatório de gastos que tem a imoralidade de cortar até gastos com educação e saúde. Daí, com este quadro, as greves e protestos, não importa o tamanho, se justificam de saída, já por seu valor simbólico de que pessoas se rebelem contra a espoliação de conquistas tão duramente conseguidas.

Leia o artigo a seguir.

da Folha

Greves, não importa a dimensão, justificam-se pelo simbolismo

por Janio de Freitas

“Governo Temer” é só uma expressão da preguiça mental aliada a defeitos muito piores. Trata-se, na verdade, da aberração Temer. Jamais –portanto nem na venenosa fase de Roberto Campos como ideólogo e artífice da ditadura– este país de desatinos viveu, em tão pouco tempo, um assalto tão violento e extenso a direitos de mais de quatro quintos da sua população e às potencialidades do próprio país.

Mesmo na Síria atual, nem toda em guerra, algumas coisas melhoram. Os países são composições tão complexas e contraditórias que, neles, nunca tudo segue na mesma direção. Foi o caso inegável da ditadura militar. É o caso deste transe que permite a Henrique Meirelles, Michel Temer e aos economistas do lucro fácil a comemoração, como no mês passado, de uns quantos números aparentemente consagratórios, mas já de volta à realidade torpe.

Nem poderia ser diferente. O que Meirelles tem a oferecer e a subserviência Temer subscreve, ambos a título de combate à crise, é um país manietado, com a vitalidade reprimida, aprisionado na desinteligência de um teto obrigatório de gastos que, no entanto, para baixo vai até à imoralidade de cortar gastos da educação e da saúde.

As greves e os demais protestos previstos para amanhã, não importa a dimensão alcançada, justificam-se já pelo valor simbólico: há quem se insurja, neste país de castas, contra a espoliação de pequenas e penosas conquistas que fará mais injusta e mais árdua a vida de milhões de famílias, crianças, mulheres, velhos, trabalhadores da pedra, da graxa, da carga, do lixo, do ferro –os que mantêm o Brasil de pé. E, com isso, à revelia permitem que as Bolsas, a corrupção e outras bandalheiras vicejem.

Reforma Trabalhista foi a que criou a CLT, Consolidação das Leis Trabalhistas, impondo ao patronato certo respeito ao trabalho e ao seu factor, até então apenas sucedâneos dos séculos escravocratas. O projeto de Temer, Meirelles e dos seus adquiridos na Câmara devasta 117 artigos da CLT. Devasta, pois, a CLT.

Com malandrices como, de uma parte, arruinar os sindicatos, tirando-lhes a verba de contribuição sindical (deveria acabar, mas por modo decente); de outra, estabelecer que as condições do trabalho serão acertadas entre esses sindicatos fragilizados, se ainda existentes, e o patronato. Por coerência dos autores, com esta aberração: se os “acordos” estiverem fora da lei lei, valem mais do que a lei.

Último ministro da Previdência na ditadura, Jarbas Passarinho declarou, em cadeia (quem dera) nacional, que a Previdência estava falida. Finda a ditadura, Waldir Pires assumiu a Previdência com uma equipe capaz e provou o contrário. Meirelles, dublê de ministro da Fazenda e da Previdência, o que erra na primeira não acerta na segunda. Aumentou o desemprego em 30%. Logo, reduziu a arrecadação previdenciária.

Só em março, a cada dia foram cerca de 3.000 demitidos a deixarem de contribuir. A correção Meirelles/Temer: cassar direitos de quem trabalha de fato, na fase da vida em que mais precisam deles. Com essa usurpação, diminuir o buraco que, em seguida, faz maior.

Mais direitos se vão e menos remuneração haverá por obra do desregramento aplicado à terceirização do trabalho. Se as empresas não ganhassem, em comparação a seu gasto com o empregado formal, não quereriam terceirizados.

Já se sabe, portanto, de quem a aberração Temer tira para dar a quem. É a lógica da aberração Temer: já que do povo não obtém popularidade, dele tomar o que possa.

Não só por ser uma eminência nacional, ou pelos motivos que o fazem sê-lo, Gilmar Mendes não seria esquecido aqui. Ainda mais em seguida à mais recente façanha de sua sábia independência como jurista e juiz: a concessão a Aécio Neves de só depor, no inquérito sobre improbidades em Furnas, depois de conhecer os demais depoimentos.

Assim Gilmar Mendes inventou a maneira mais simples de impedir inquéritos: como os direitos de depoentes são iguais, se todos requererem o mesmo direito dado a Aécio, não poderá haver inquérito, por falta depoimento a ser ouvido. Os acusados da Lava Jato podem usar a invenção nos respectivos inquéritos.

Antes país dos desatinos, agora é o país das aberrações. Afinal, sob protestos, que têm à disposição um futuro convidativo.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. pagar nossa dívida

    A constatação geral é que estamos em um momento muito perigoso, aliás, perigosíssimo.

    É indiscutível de que somos nós, sim, os principais responsáveis por este terrível momento de cobrança, que nos atinge.

    Negligenciamos todas as lições que se apresentaram para nós em outros momentos tenebrosos e semelhantes ao atual.

    Adotamos graves e humilhantes omissões, ao não tirarmos proveito das favoráveis e eficientes oportunidades de reação, que se disponibilizaram para nós, como se fosse um aviso de alerta. Portanto, não precisamos pensar muito, para identificarmos a origem do enfraquecimento da moral, do patriotismo, da ética, da lealdade e da racionalidade que atinge as autoridades do país.

    Temos essa imensa dívida com as gerações futuras e podemos iniciar a sua quitação já e agora, com a nossa intensa participação nessa primeira greve geral de 2017. 

  2. Concordo e digo mais. Mas

    Concordo e digo mais. 

    Mas para dizer mais prefiro recorrer a Hannah Arendt:

    No dia em que não formos mais capazes de agir, de fazer greve, não seremos mais livres nem para questionar o usurpador Michel Temer na internet.

    De fato, ele já começou a policiar as redes sociais: 

    http://www.viomundo.com.br/denuncias/por-causa-de-um-tweet-pf-gasta-rios-de-dinheiro-publico-e-faz-funcao-do-velho-dops.html

     

    O próximo passo lógico dele será criar centros de tortura e de execução. Afinal, nenhum regime de exceção deixa de seguir esta regra: “primeiro é preciso coibir a ação dos adversários, depois é indispensável censurar a cogitação dos oponentes e por fim começar a execução dos recalcitrantes.”

    A greve de amanhã é política sim. E deve ser política. Caso contrário não haverá mas espaço para política, pois a inação levará inevitavelmente à paralisação forçada de toda e qualquer forma de expressão. 

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