Muito barulho por muito que está em jogo para a sociedade brasileira, por Eugênio Aragão

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Imagem: montagem com foto de Vagner Rosário/Veja

Muito barulho por muito que está em jogo para a sociedade brasileira

por Eugênio Aragão

A presença, terça feira, de Deltan Dallagnol na Comissão Especial que examina o projeto de lei relativo às “10 Medidas” proposto pelo Ministério Público Federal (MPF) com uso populista do instrumento de iniciativa popular, teve algo de grotesco. Estava o procurador cercado de militantes do sedizente “Movimento Brasil Livre” (mais conhecido como a turma do Quim Cataguiri, que esquece de ir às ruas para pedir a cabeça de Geddel Vieira Lima), a regozijar-se com sua popularidade, sob fortes holofotes da mídia.

Ingressei no MPF em 1987, época em que buscávamos nossa inserção na sociedade civil, mais ouvindo do que falando. Colegas participaram do Primeiro Encontro dos Povos da Floresta no Acre, outros se juntaram à Ação pela Cidadania liderada pelo saudoso Senador Severo Gomes e mais outros se articulavam com o movimento indigenista. Ninguém tentava impor agendas, buscávamos discretamente identificar demandas e usávamos nossas atribuições para vir em seu apoio.

Nosso perfil institucional era baixo. E entendíamos que era importante mantê-lo assim, para não desviar de nossos propósitos, na luta por um Brasil mais respeitador de direitos. Foi assim que a sociedade foi reconhecendo, aos poucos, a importância do ministério público nas agendas de direitos humanos, individuais e coletivos. De uma relação de desconfiança (não são evidentes virtudes de um órgão de estado vinculado à repressão), foi-se solidificando uma profícua parceria.

Na constituinte de 1987-1988, fomos festejados com entusiasmo por muitos parlamentares identificados com o esforço de democratização das relações sociais e logramos ser enormemente fortalecidos no nosso estatuto constitucional. Agora éramos erigidos à condição de instituição defensora da democracia e dos direitos fundamentais. Nunca houve na história do Brasil galardão maior para o ministério público. Mas, também, nunca tínhamos recebido responsabilidade mais grave do que essa e corresponder-lhe seria missão delicada. É mais fácil perder a confiança do que conquistá-la. Manter o baixo perfil, fugir do personalismo, cultivar autocontenção e ter mais ouvidos do que boca seriam condições fundamentais para preservar nosso papel no estado brasileiro.

Esse modelo de ministério público prevaleceu, pode-se se dizer a grosso modo, até o impeachment do presidente Collor de Mello. A visibilidade enorme que o lado punitivista das funções ministeriais recebeu então na mídia reforçou muito o prestígio da atuação em matéria criminal. Aliado a isso, atraiu muitos jovens que se miravam no exemplo dos procuradores sérios e “incorrompíveis”. Esse perfil de jovem foi a clientela de inúmeros concursos desde então, com raras exceções, é claro.

Com o passar dos anos, assistimos ao crescimento da atuação criminal sobre a tutela coletiva. Cada vez mais, procuradores enfrentavam administradores e políticos, seja na persecução de crimes financeiros ou contra a administração, seja na propositura de ações de improbidade.

O modelo mais punitivista do que resolutivo da atuação do ministério público foi cristalizando mentalidade moralista na instituição, vendo-se, muitos procuradores, como vocacionados  a esgrimir a espada afiada da justiça. E, convenhamos, se dá Ibope, mais fácil é agir pelo viés da culpa, do que pelo viés da solução de problemas.

Paralelamente, o poder de fogo do ministério público lhe conferiu muito prestígio numa sociedade bombardeada por notícias interesseiras de malfeitos dos outros. Esse poder de fogo foi correspondido com o crescimento dos ganhos da categoria. Logo se verificou que, quanto mais risco se produzia, mais fácil a administração cedia aos reclamos de aumento de subsídios. Procuradores não precisaram jamais fazer greve, sempre foram atendidos com toda pompa em gabinetes parlamentares e governamentais.

Criou-se um ciclo vicioso na instituição, em que objetivos corporativos foram se mesclando com fins institucionais. A Força Tarefa da chamada Operação Lava Jato é o exemplo mais eloquente disso. Trata-se de iniciativa de jovens procuradores da república, embevecidos com seu poder de fogo e muito cúpidos em aparecer na mídia para posarem de bons moços, enfim, o “lado do bem”. Esse marketing é essencial para alavancar a corporação para patamares mais altos de prestígio social e de reconhecimento como ativo essencial do estado, merecedor de maior investimento orçamentário.

Não é à toa que propostas de “combate” ao mal vêm acompanhadas de sugestões de incremento de meios financeiros através da apropriação de parte dos recursos desviados por ações criminosas, com escopo de destiná-la ao orçamento do ministério público. Por isso, também, a reação da Procuradoria-Geral da República à PEC 241 (PEC 55 no Senado) não foi de desafiar sua constitucionalidade por conta da inviabilização de direitos fundamentais e, sim, de fazê-lo por restringir sua iniciativa orçamentária: quando o pirão é pouco, o meu primeiro.

As chamadas “10 Medidas” são mais do mesmo: uma tentativa de sacrificar garantias fundamentais em nome do “combate” à corrupção. Como é feia essa expressão “combate”, pois pressupõe uma “guerra”, em que “os criminosos” são os “inimigos” – assim como qualquer um que ouse se opor a essa empreitada (esses são os “desonestos”, na visão estreita do Procurador-Geral da República).

Desonesta é a iniciativa em si. Tomando forma de “iniciativa popular”, dela nada tem. As propostas foram elaboradas por um seleto grupinho de procuradores vinculados à Operação Lava Jato, sem maior discussão interna. Foram abraçadas pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão  (órgão da cúpula institucional) e pelo próprio Procurador-Geral da República. O marketing das medidas foi feito no sítio oficial do MPF na rede mundial de computadores e vários veículos de serviço foram envelopados com a publicidade das medidas Brasil afora. Tudo com recursos públicos.

Colher 2.000.000 de assinaturas foi a parte mais fácil com esse apoio de campanha publicitária oficial e com o induzimento permanente, na opinião pública, de que o mal maior a “combater” no Brasil é a corrupção. O MPF é ator que carrega a maior responsabilidade pela disseminação da obsessão nacional pelo tema da corrupção, que conseguiu empurrar para o fundo do palco a luta por direitos, a luta pela inclusão, a luta contra a desigualdade social, esta sim, o maior problema brasileiro.

E o MPF não é um ator desinteressado nesse “combate” que estimula. Dele depende hoje a intangibilidade de seu perfil institucional (e corporativo) vigente, pois muitos outros atores políticos já se deram conta da disfuncionalidade desse “monstro” (apud Ministro José Paulo Sepulveda Pertence, procurador-geral à época da constituinte) em que o ministério público se transformou ao longo das últimas duas décadas. E só mantendo aceso o fogo do moralismo punitivista conseguem, os procuradores da república, afastar, hoje, qualquer iniciativa de redução de seu status e de mudança do regime de atuação do órgão.

O uso indevido da iniciativa popular como forma de apresentação das “10 Medidas” configura, em verdade, profunda deslealdade para com o legislativo. Quer-se submetê-lo à pressão do clamor das ruas, ferindo o princípio do convívio harmônico entre os poderes. O MPF teria meios mais idôneos para colocar em debate parlamentar propostas de controle da corrupção. Tem o Procurador-Geral da República iniciativa legislativa no que toca à atuação da instituição. Tem, ele, também, acesso permanente aos chefes de poderes para fazer suas propostas dentro de um quadro de cooperação. Então para quê essa iniciativa popular travestida? É porque a instituição ministerial não tem confiança e sabe que dela também deixou de gozar, na relação com os demais poderes, dada sua reiterada atuação conflitiva, com finalidade de reforçar sua musculatura reivindicativa.

Chegou a hora da verdade, quando a Câmara dos Deputados está a discutir o relatório do deputado Onyx Lorenzoni sobre as medidas. A presença de Deltan Dallagnol nesse teatro não significa nada de bom. É mais uma desaforada “pressãozinha” sobre a comissão especial, não tendo o membro do MPF sequer escrúpulos de se mostrar rodeado pelo que há de pior no cenário político brasileiro: os militantes celerados e seletivos do MBL, verdadeira “Sturmabteilung” (SA) formada pela oposição ao governo legítimo de Dilma Rousseff, para desestabilizá-lo e criar um ambiente de comoção social no País.

As medidas propostas, aliás, se coadunam  bem com esse espírito de “Sturmabteilung”. Reforça-se na ordem jurídica brasileira o direito penal da pessoa, em contraposição ao direito penal dos fatos. Essa visão fascista da função punitiva do estado pressupõe que há pessoas mais ou menos inclinadas ao crime. E as que revelam essa inclinação não merecem outra coisa que serem expurgadas da comunidade sadia do povo: “ausgemerzt aus der gesunden Volksgemeinschaft”, no melhor jargão nacional-socialista. Cria-se, assim, a figura essencial do inimigo do povo, bode expiatório necessário para mobilizar o ódio cego da coletividade e torná-la servil aos que querem conduzi-la para fora do “lamaçal” da política parlamentar e partidária. O que sobra depois é somente um líder “moral” autoproclamado que pretenda governar contra os direitos e sepultar a própria política.

Apenas para exemplificar, examinemos algumas das propostas, sem esforço de exauri-las, dados os naturais limites deste artigo.

Uma das medidas pretende tornar obrigatórios, no serviço público, os chamados “testes de integridade”, verdadeiro ataque à dignidade humana. Servidores devem se submeter a situações simuladas, sem seu conhecimento, de tentativa de corrupção. Se o servidor falhar e aceitar a ilusória propina, será afastado do serviço público. Lembra-me a prática escravocrata de madames que querem testar a honestidade de suas criadas domésticas. Colocam um anel de ouro sobre a mesa para incitar a empregada ao furto e uma câmera escondida. Flagrada no “crime”, a mesma é dispensada por justa causa! Ocorre que nenhum juiz do trabalho consciente sacramentaria essa prática degradante. E por que deveríamos tolera-lá no serviço público? Parece-me que o estado deve dar exemplo de integridade na relação de trabalho e não se portar como um escravocrata.

Outra medida trata da convalidação de prova ilícita colhida de “boa fé”. Como em várias outras propostas, cuida-se de enfraquecer a defesa e de “turbinar” a acusação, de certa “meganhização” da persecução penal.

É importante lembrar que garantias processuais existem para estabelecer um contrapeso ao desproporcional poder do estado na contenda contra cidadãos individuais. Falar em paridade de armas no processo penal é um despropósito. A assimetria entre acusação e defesa é tamanha, que se impõe reforçar os direitos do imputado. A acusação, no Brasil, senta ao lado do juiz. Nos tribunais, ao lado do presidente. Com ele cochicha e depois participa do lanchinho dos magistrados, numa relação marcada por tapinhas nas costas. Os advogados não gozam desse privilégio. Submetem-se a horas de chá de cadeira, são muitas vezes recebidos sem qualquer interesse ou gentileza do magistrado, sobem à tribuna para defender seus constituintes e expõem suas teses orais enquanto os magistrados ficam ostensivamente batendo papo entre si.

Chega a ser um escárnio à cidadania querer, nesse contexto, facilitar ainda mais o trabalho da acusação. Antes de mais nada, cumpriria tirar o acusador do lado do juiz, fazê-lo subir à tribuna para se expor ao contraditório real de teses e vedar-lhe a frequência anti-republicana aos lanchinhos com tapinhas nas costas.

Os poderes investigatórios da acusação são quase ilimitados e frequentemente se nega à defesa o acesso pleno aos elementos de convicção colhidos. O mínimo que se deve exigir que esses elementos sejam arrecadados num quadro de indiscutível legalidade. Convalidar prova ilícita é abrir a caixa de Pandora para mais abuso, mais autoritarismo e menos direitos. Desequilibra fundamentalmente a relação processual.

O direito brasileiro, desde o processo contra Collor de Mello, no Supremo Tribunal Federal, se guia, na validação da prova, pelo princípio da árvore envenenada, de origem norte-americana. Todas as provas derivadas de prova ilícita são nulas, como a prova ilícita em si. É curioso que o ministério público em sua travestida iniciativa popular, se ampara, em algumas das medidas propostas, no direito comparado norte-americano, mas só no que facilita a acusação. Quando se tem instituto da mesma origem que protege os direitos da defesa, quer-se eliminá-lo na experiência brasileira. A esse tipo de oportunismo jurídico pode-se chamar de “law shopping” e consiste em se servir a gosto do vasto cardápio de institutos encontradiços no direito comparado, fora de seu contexto e isolados de seu sistema de compensações. O direito norte-americano pode dar enormes poderes às autoridades persecutórias, mas impõe-lhes gravames correspondentes. Optar por trazer ao direito brasileiro os poderes excepcionais sem esses gravames leva a uma situação absurda de desprezo a direitos e garantias processuais.

Nessa mesma linha também está a tentativa de se acabar com a prescrição retroativa. Cria-se com essa medida enorme zona de conforto para a acusação. A prescrição retroativa, aquela que extingue a punibilidade a partir da pena aplicada pelo juiz no caso concreto, incidindo sobre o prazo excessivo entre o fato e a denúncia ou entre esta e a condenação, foi estabelecida pela reforma do Código Penal de 1984. A intenção era claramente a de obrigar a acusação e o juízo criminal a agir com maior celeridade e eficiência, mormente num País onde a vasta maioria dos encarcerados está a aguardar ainda pelo início do processo ou por seu desfecho, isto é, não contam com uma sentença condenatória. A se por fim a esse tipo de prescrição, a tendência será o enorme aumento do número de detentos sem sentença no País e a maior demora na atuação da justiça criminal, tornando-a um cágado de ineficiência, mas, claro escondido por detrás do direito de o ministério público se haver com maior lentidão em detrimento da segurança jurídica dos imputados.

Só esses exemplos mostram a que vieram as “10 Medidas”: tornar mais abusado quem abusa de nossos direitos. Sim, porque no Brasil, para ser acusado e preso, basta estar no lugar errado, na hora errada. Quem não deve, faz bem em temer tanto quanto quem deve, porque se você não deve, o ministério público pode dar um jeito de vir a dever.

Os procuradores da república são tudo menos salvadores duma sociedade corrompida. Não há razão para festejar Deltan Dallagnol ao se dispor, este, a colocar contra a parede o legislativo. O parlamento pode não ser santo (e de fato não é, como se constatou ao longo do golpe parlamentar contra a presidenta legítima e como se continua a constatar com a recente iniciativa de se auto-anistiarem, os parlamentares, por seus malfeitos no trato com recursos públicos), mas é nosso único instrumento para deter o crescimento da arbitrariedade policial-judicial-midiática no neste País e conter o leviatã do ministério público, que não cabe em si de tanto poder que acumulou ao longo dos anos de Força Tarefa da Operação Lava Jato e de omissões da cúpula do judiciário em por limites ao apetite populista de seus protagonistas.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

18 Comentários

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  1. A corrupção não é mais o mal maior a se “combater” no Brasil

    Atualmente o maior mal a se combater no Brasil não é mais a corrupção, mas a resistência da população ao austericídio.

    “Sem se aumentar contribuições à previdência fluminense, cortar gastos em geral, conter privilégios de castas da burocracia etc. não se irá muito longe. A crise fiscal já chicoteia há meses aposentados, pensionistas e servidores públicos em geral e cada vez mais pune a população com uma deficiente prestação de serviços. E tende a piorar.

    Torna-se, então, fácil para políticos demagogos relacionarem a roubalheira com a falta de dinheiro, uma forma de tirar a importância crucial que têm medidas – tipo a elevação da contribuição previdenciária – para conter a crise.

    Sequer os números são comparáveis: estima-se em pouco mais de R$ 200 milhões o dinheiro surrupiado por Cabral e companheiros, enquanto o déficit orçamentário está na faixa dos R$ 17 bilhões. Não se pode menosprezar o efeito deletério da desonestidade nos cofres públicos. Mas, daí a achar que as agruras fiscais da Federação brasileira se explicam só pela roubalheira, é ir muito longe.” – Gravidade da crise fiscal não é explicada pela corrupção – A coincidência da derrocada financeira do Rio de Janeiro com a prisão de Cabral e associados leva à ideia equivocada de que o combate aos corruptos resolve os problemas

    http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:6fBuyryrP-8J:noblat.oglobo.globo.com/editoriais/noticia/2016/11/gravidade-da-crise-fiscal-nao-e-explicada-pela-corrupcao.html+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

    Como certa vez escreveu o Camarada Lungaretti:

    “A notícia do momento é mais um escândalo de uso dos recursos públicos para finalidades pessoais de congressistas. Desta vez, a lama respingou até no Gabeira e na Luciana Genro.

    É o tipo de assunto do qual mantenho sempre distância. Antes de mim, que eu me lembre, o Paulo Francis adotava a mesma posição.

    Por um motivo simples: a desproporção entre o dano causado ao cidadão comum pelos ladrões de galinha da política e as atividades corriqueiras dos capitalistas é incomensurável.

    O capitalismo nos acarreta:

    emergências ecológicas como as alterações climáticas que ameaçam a própria sobrevivência da nossa espécie;

    recessões desnecessárias como a atual (que ainda não se sabe se evoluirá ou não para depressão);

    a condenação de parcela considerável da humanidade a vegetar em condições subumanas;

    o desperdício criminoso do potencial ora existente para assegurar-se a cada habitante deste sofrido planeta o mínimo condizente com uma sobrevivência digna;

    a mobilização permanente dos homens para atividades improdutivas e desnecessárias ao invés da redução da jornada de trabalho para que todos possam desenvolver-se plenamente como seres humanos;

    etc. (muitos, muitos etcetera!).

    E, se quisermos ficar no confronto simplista de números, ainda assim o peso da corrupção política no orçamento de cada família continuará sendo uma fração ínfima do custo do capitalismo.

    Eis um exemplo bem didático: levantamento da Associação Nacional dos Executivos de finanças, Administração e Contabilidade, numa pesquisa de junho a agosto 2002, constatou que os gastos mensais com despesas financeiras atingiam 35,43% da renda familiar para as situadas entre 1 e 5 salários mínimos, que compram mais a prazo do que os ricos; 33,62% para famílias entre 5 e 10 salários mínimos; e 32,95% para famílias com renda familiar entre 10 e 20 salários mínimos. A média geral para todas as faixas de renda é 29,83%.

    Ou seja, apenas o ágio que nos é extorquido pelos agiotas do sistema financeiro já consome ao redor de um terço da nossa renda familiar.

    E a estratosférica desproporção entre o custo de fabricação de cada produto e seu preço final? Vejam uma interessante avaliação do economista Ladislau Dowbor sobre o preço de produtos como os Redoxons e Cebions:

    “Por caixa, em média, esses produtos têm R$ 0,03 de ácido ascórbico. Você paga R$ 7,00 a caixa, ou seja, o custo do produto é multiplicado por cerca de 200 (multiplicado, não estou falando em 200%). E, com isso, você está tirando do mercado a vitamina C, um produto sumamente importante para a saúde de dois terços da população brasileira. No entanto, o consumidor está financiando o papelzinho dourado, a embalagem, a propaganda.” (ensaio Economia da Comunicação, 2002)

    Então, interessa aos defensores do capitalismo fazer a patuléia acreditar que a razão maior de seus apuros econômicos são os impostos, que estes acabam sendo em grande parte desviados pelos políticos e que isto, só isto, impediria nosso país de deslanchar.

    Ademais, as intermináveis denúncias de corrupção acabam minando as esperanças do cidadão comum na transformação da realidade por meio da ação política. Se tudo não passa de um lodaçal, as pessoas de bem devem mesmo é cuidar de sua vida…

    De quebra, fornecem pretextos para quarteladas, sempre que os meios de controle democráticos das massas não estão funcionando a contento.”

  2. Eugênio Aragão é o cara.Desbanca essa quadrilha que infesta o MP

    Prezados,

    Se um terço dos que integram o MPF tivessem a coragem, a hombridade, a ética e o espírito público que demonstra Eugênio Aragão ao longo desses quase 30 anos de trabalho, estou certo de que nosso País estaria melhor e que haveria menos chance de passarmops por golpes de Estado, como este em curso.

    A Fraude a Jato é uma ORCRIM e o MP um monstro. Quem irá enfrentá-los e derrotá-los?

  3. Magistrados, sim…

    Perfeita análise, empregando os termos corretos. Magistrados não são funcionários públicos, são agentes políticos (isso está inclusive na Lei Orgânica, se não me engano). E por serem agentes políticos escapam a determinados controles e alcançam muitas prerrogativas exclusivas, onde são confundidos com os servidores públicos. Esse detalhe escapa a alguns articulistas, mesmo experientes. Gostaria de parabenizar o sr. Eugênio por este artigo, simples mas inequívoco de como andam atuando os magistrados, sejam os próprios do judiciário ou os promotores, que enfim frequentam o mesmo círculo em vez de se posicionarem como contrapeso do poder. Agora só falta alguém investigar os super-ganhos, pois é sabido que o salário nominal dos membros (veja, eles não são funcionários, são membros do próprio corpo – é a lei que diz isso) aparece no portal da transparência, mas não se sabe se fica só nisso…

  4. Beco sem saída.

    Muito bom o texto do Aragão. Vamos trazer algumas outras reflexões…

    No sistema capitalista, o estamento judiciário, aí incluídos, lato sensu, o aparato policial e o Parquet, sempre favorece a conservação dos privilégios da casta que comanda o Estado.

    A outra ponta desse controle é a instância legislativa, daí que as eleições tendem a “permitir” até que sejam eleitos mandatários majoritários (executivo), mas o aumento de bancadas legislativas de cunho progressista seja sempre muito difícil.

    Mas por que em determinados países esses aparelhos (polícia, judiciário, etc) parecem funcionar de forma mais isonômica quem em outros?

    A resposta não é só a pobreza, ou a precariedade, ou ainda, a falta de maturidade institucional provocada pelo curto espaço de tempo de existência dessas instituições. Esses fatores estão mais para sintomas do que para causas.

    Ouso imaginar que o desarranjo que permite o surgimento de aberrações como essa (o MP), outras (como as forças armadas sempre inclinadas à sublevação) tem um nome específico e de alcane muito mais amplo:

    A desigualdade social.

    A hierarquia acentuada entre classes, tendo umas (a elite) o pleno acesso oas serviços do Estado, e plena capacidade de vocalização de suas demandas, quer seja nos entes estatais, quer seja nos para-estatais (mídia, por exemplo), sem mencionar na enorme assimetria entre renda e bens acumulados, cria rasgos no tecido social que são preenchidos por remendos institucionais e extra-institucionais, e esses remendos quase sempre são costurados com violência real ou simbólica.

    Ainda é cedo para afirmar (muita pesquisa terá que ser feita) se esse processo de elevação do protagonismo judicial-ministerial foi dessencadeado de forma sistemática e orientada, ou se foi uma “carona” que as elites pegaram em eventos aletaórios na História (nossa História).

    O nível de desigualdade social é, ao redor do planeta, e de formas especial no Brasil, o principal vetor que determina a distância entre os direitos formais (o de representatividade por exemplo, que está sob ameaça constante) e a correspondência do exercício desses direitos (direitos gozados e não apenas previstos em Lei)  e a representatividade de classe per si.

    Em 1989, as elites tomaram um baita susto com o resultado das eleições no primeiro turno. Eles analisarão isso com cuidado, nós nem tanto.

    Chegamos a um quadro onde o segundo e terceiro mais votados eram Lula e Brizola, e o quarto (Covas), se formos adotar uma lógica bem complacente, poderia ser enquadrado como a parte mais “civilizada” dos canibais da nossa elite.

    Ou seja:

    Se unidas aquelas forças, Collor não teria vez, e talvez o então futuro daquele país que emergiria das urnas fosse (para o bem ou para o mal) muito mais agudo e profundo na reforma do espólio militar.

    Na ausência de acúmulo de forças que dotasse os movimentos populares e as populações excluídas de direitos sociais correspondentes a (para)cidadania conferida no direito de votar, optamos pelo fortalecimento do Judiciário e o Ministério Público, novamente remendos para um tecido social roto e esfarrapado.

    Mas esse processo não se deu de forma linear ou circunscrita apenas a um desfecho resultante do lapso entre (falta de)cidadania real e formal.

    Ao mesmo tempo, as elites entenderam o recado das urnas de 89, e mesmo com o soluço do impedimento de Collor, era preciso “preparar” o país para a enxurrada de expansão dos fluxos rentistas acumulados depois da retração da década de 70 (crise do petróleo) e da década perdida de 80.

    Paralelamente, a criação de normas eleitorais cada vez mais restritivas, deslocou a participação popular e o crescimento da incipiente organização partidária, que ampliava a militância política entre a juventude (o PT, por exemplo, chegou a ter 800 mil filiados na década de 90) para os limites dos gabinetes e da TV, e dos famigerados institutos de pesquisa, cujos custos de produção tornaram as eleições um prato cheio para o apetite dos empresários dispostos a investir na captura dos mandatos de representação.

    Esse processo de transformação também permitiu o surgimento de outro problema crucial, e que nesse diapasão, funcionava como causa-e-efeito recíprioca com a “industrialização das eleições”: 

    Dotou a aberração chamada justiça eleitoral de poderes de alterar os rumos das eleições e da vontade do poder originário (voto). O meio (fisacalização) suplantou o fim (processo democrático).

    (mesmo assim, os partidos de esquerda cesceram suas bases do forma exponencial principalmente o PT, que desde 1980 até 2006, acredito eu, teve sua bancada ampliada até começar a ameaçar o estamento legislativo conservador)

    Junto a isso tudo, enquanto sequestrávamos as eleições, o país experimentou a agudização das desigualdades sociais, o que trouxe sua fatura no campo da segurança pública. Aqui um parêntese:

    A desigualdade social pode ser, ressalvadas as especificidades de cada cultura e de cada sociedade, a causa principal da letalidade violenta manifesta nos índices de criminalidade.

    Não é a pobreza, mas sim a desigualdade.

    Dentre os países mais ricos essa regra também se ratifica, onde os EUA, apesar de serem os mais ricos do mundo, são também os mais desiguais, e por esse motivo, mantêm os maiores índices de mortalidade decorrente de causas dolosas, assim como mantêm a maior população carcerária do planeta (nós temos a quarta).

    Todo esse caldo cedeu o terreno fértil para a incubação e crescimento do monstro que assombra nossa frágil democracia, o judiciário e o MP.

    Não é à toa que Polícia e Política derivam do mesmo radical grego (pólis- a cidade considerada em sua organização sócio-política, ao contrário de urbe – sua configuração física).

    Como o aparato de Estado estava dedicado a tratar as demandas das camadas sociais de acordo com uma hierarquia pré-determinada e movida por interesses não confessados publicamente, também a atuação do Estado para dotar a sociedade de segurança obedeceu a uma lógica excludente, e nesse caso, seletivamente mortal.

    Mais uma vez o Parquet foi conclamado a funcionar como remendo dessa situação, e claro, aproveitou para ampliar em muito o alcance do “mandato” outorgado tacitamente pela população.

    Iludida, a população enxergou que o MP e o Judiciário seriam antagonistas de um polícia violenta, quando, na verdade, são variáveis que se somam nessa equação de soma de direitos igual a zero.

    Como a justificativa (agenda) para ação já estava dada, combater traficantes pretos e pobres (antes mesmo de qualquer investigação nesse sentido) como se fossem a verdadeira causa do problema da (in)segurança, aconteceu no caso da transferência do ethos policialesco para a política, sendo a agenda o “combate a corrupção”.

    Os discursos que legitimam as práticas são bem parecidos e também há aproximação na execução da pauta, isto é, a supressão de direitos, proliferação de prisões, delações (para os ricos) e disque-denúncia (para os pobres), a inversão do ônus da prova, a “pressa” processual e pior de tudo, a seletividade dos alvos.

    O que se pretendeu com o golpe no Brasil foi a manutenção da enorme desigualdade que, de um lado permite aos sócios-proprietários (EUA) manterem sob o controle o nível de consumo e as pretensões geopolíticas em seu quintal, desmantelando qualquer chance de um mundo multipolar, ou melhor, um mundo onde o começo-meio-fim não sejam eles, e de outro lado, permitir aos canibais da elite brasileira o seu banquete antropofágico, onde a desigualdade confere o poder estruturado nas segiuntes bases:

    a) a selvageria e incivilidade decorrente da disseminação da violência como instrumento na resolução de conflitos, o que autoriza o Estado e a classe que o controla a agir sempre sob o signo da exceção;

    b) a incapacidade de organização popular decorrente desse estado de sítio permanente, seja de dentro para fora(violência marginal que loteia as franjas periféricas das cidades), seja de fora para dentro (com a ocupação militar constante, e não menos letal,promovida pelo Estado).

    Logo, a elite consegue isolar a representatividade em seu aspecto meramente formal, até que a descrença se manifeste em total desinteresse ou na sufragação de candidatos que vocalizem a anti-representatividade.

    E quando as coisas fogem de controle, seja com a eleição de um Lula ou de um Haddad, seja com a gestação de movimentos populares independentes, ocupações, etc, estão aí a promotoria de acusação e os juízes para colocar as coisas nos seus devidos lugares.

     

    O medo não venceu a esperança, é pior: o medo sequestrou, amordaçou e está, nesse momento, estuprando e torturando a esperança.

  5. Correr para onde?

    O sempre lúcido e intelectualmente privilegiado Procurador Aragão tocou num ponto crucial: “[…] Quem não deve, faz bem em temer tanto quanto quem deve, porque se você não deve, o ministério público pode dar um jeito de vir a dever.” Esse é o fulcro da questão, ou seja, diante do clima punitivista e autoritário do nosso sistema judicial o cidadão honesto não está livre de ser acusado por ilações criadas pelo MP, é o tal “contexto” de Moro. E, pior do que isso, nós, cidadãos de bem (a maioria da nação) não tem a quem recorrer em caso de uma imputação injusta. Um discreto alento veio na absolvição de dois perseguidos pela lava a jato que foram ABSOLVIDOS já na 2ª instância, demonstrando o show de ilegalidades que vem sendo praticado no âmbito dessa operação feita de encomenda para destruir a Petrobras é forçá-la a voltar a comprar dos “fornecedores americanos”, como revelou o Wikileaks em 2009.

  6. Destaco:
    “A presença, terça

    Destaco:

    “A presença, terça feira, de Deltan Dallagnol na Comissão Especial que examina o projeto de lei relativo às “10 Medidas” proposto pelo Ministério Público Federal (MPF) com uso populista do instrumento de iniciativa popular, teve algo de grotesco.”

    Destaco também:

    “O parlamento pode não ser santo (e de fato não é, como se constatou ao longo do golpe parlamentar contra a presidenta legítima e como se continua a constatar com a recente iniciativa de se auto-anistiarem, os parlamentares, por seus malfeitos no trato com recursos públicos), mas é nosso único instrumento para deter o crescimento da arbitrariedade policial-judicial-midiática no neste País e conter o leviatã do ministério público, que não cabe em si de tanto poder que acumulou ao longo dos anos de Força Tarefa da Operação Lava Jato e de omissões da cúpula do judiciário em por limites ao apetite populista de seus protagonistas.”

  7. Sem freios, sem contrapesos

    Pode-se fizer que o Procurador Eugênio Aragão foi ao âmago. Abriu as portas para se entender como o Ministério Publico caminhou até aqui. Acho pouco provavel que com o lobby que o MPF tem feito, que a Câmara corrija essas “10 medidas”  e isso sera um passo a mais para que o Leviatã ganhe mais força.

  8. Eugênio Aragão,

    Eugênio Aragão, ES-PE-TA-CU-LAR e obrigatório! Pessoal, precisamos divulgar muito esse texto nas redes. Até que enfim, alguém pra desmistificar o Ministério Público rifado pela mídia como um convento de fransciscanos bem intencionados, ímpios e desinteressados de qq coisa que não o bem da sociedade.  Mais uma vez o ex-ministro salva minha semana!

  9. O que é pior?

    Não sei o que é pior: Procurador Engavetador ou Procurador Moralistinha de fachada, com seus aliados do Judiciário que

    apenas querem atuar na Magistratura para fazer uma Pseudo Justiça…Enquanto isso, a sociedade, além de amargar as

    dores de todos os desvios, vai se vendo reduzida apenas um caixa qualquer que submete a saques estratosféricos para

    pagar a conta dos abusos de todas as elites de todos os poderes …

    Precisamos de um Judiciário, de fato, que trabalhe pela Justiça!  Parabéns, Dr. Aragão!

    Um Governo que se valha do Judiciário-Midiático para fazer politcagem não pode dar certo, nunca vai dar certo!

  10. Palestra de Aragão no Ocupa Ufop, Ouro Preto, MG

    Estive  numa palestra do  Eugênio Aragão no Ocupa Ufop, hoje. Muito esclarecimento e coragem da parte dele, como eu já 

    esperava, especialmente sobre  as mazelas do MP.

    romério

  11. se eu fosse um advogado……

    ………….. ..” sobem à tribuna para defender seus constituintes e expõem suas teses orais enquanto os magistrados ficam ostensivamente batendo papo entre si”……………..

    1o. dava uma pausa na fala..

    2o. se não surtisse efeito, começava  a chamar os caras lá da bancada de “você”, “estes caras de preto aí”……ec…

    Se os ” caras ”  reclamassem, eu diria:

    ” REGRA NO. 1:  RESPEITEM  para serem RESPEITADOS !! “

     

  12. Excelente texto do procurador

    Excelente texto do procurador da República e ex Ministro da Justiça de Dilma sobre o papel  a que foi reduzido o Ministério Público  brasileiro. De garantidor de Direitos a Sr. do Pelourinho Judicial e do Chicote Punitivista. O texto é grande no tamanho, mas maior ainda na qualidade de impulsionar ao debate de tão caro e corporativo tema.

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