Nas eleições, recente classe trabalhadora funcionará como fiel da balança

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por Gunter Zibell – SP

do Estadão

Direto da Fonte / Sonia Racy

‘A classe trabalhadora precarizada e super explorada vai decidir a eleição’

Jessé de Souza (Foto: Marcelo Carnaval/Agência O Globo)

Após revelar a ‘ralé e os batalhadores’ brasileiros, o sociólogo Jessé de Souza prepara imersão nos ‘endinheirados’. “A busca é a interpretação crítica da sociedade contemporânea.”

Ele estuda as classes sociais há vinte anos. Mas foi em meados de 2009, já no final do governo Lula, que mergulhou em uma pesquisa sociológica – empírica e teórica, por todo o Brasil – para confrontar a tese de que havia surgido uma “nova classe média” no País. O resultado? O livro Os Batalhadores Brasileiros.

Nele, Jessé de Souza, doutor em Sociologia pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, defende que a tão reverenciada nova classe média é, na verdade, uma “classe trabalhadora precarizada, super explorada e, em grande parte, informal. É aquela que trabalha muito e ganha pouco”.

Em conversa com a coluna, por e-mail, diz que tal classe – “que chamo de batalhadores” – “funcionará como o fiel da balança” na disputa eleitoral de 2014. “Ela oscila entre apoiar a classe abaixo dela e assumir um discurso atrelado aos interesses dos privilegiados. Quem conseguir conquistá-la, provavelmente ganha a eleição.”

A seguir, os melhores momentos.

Como a questão de classes estará nas eleições de 2014?

A eleição será, sem dúvida, dominada pela luta e pela aliança entre as classes. O Brasil, como outras sociedades modernas desiguais, é dividido entre classes sociais que reproduzem privilégios injustos. De um lado, os endinheirados e a classe média, que ocupam todos os empregos de prestígio. De outro, as classes condenadas a reproduzir sua exclusão e humilhação cotidianas, como a classe trabalhadora precária, chamada erroneamente de nova classe média; e os excluídos, que chamo provocativamente de ralé. O problema é que as relações entre as classes nunca são percebidas.

Como assim?

Se as relações fossem notadas, estariam arruinadas as chances de os privilégios se reproduzirem. Para parecer legítimo, o privilégio tem de ser mascarado como de interesse geral. E é justamente por isso que a ideologia de grande parte da classe média brasileira mais conservadora é o combate à corrupção no Estado – como se não houvesse corrupção no mercado – onde, cotidianamente, a classe média explora o trabalho barato da ralé e a condena à humilhação eterna.

Eduardo Campos tem falado de sua preocupação em conquistar a classe média de Lula e Dilma. É o caminho?

Do ponto de vista do pragmatismo político, ele está mais do que certo. O Brasil é hoje dividido entre uma classe de excluídos – que chega a 30% da população e foi alvo dos programas assistenciais do lulismo (que reduzem o sofrimento, mas que não resgatam essa classe da exclusão) – e uma classe média verdadeira, que é cativa da mensagem moralista dos partidos mais conservadores. A recente classe trabalhadora precária – super explorada, que trabalha muito e ganha pouco, mas que ascendeu socialmente comparativamente com o padrão de vida anterior – funcionará como fiel da balança.

Para qual lado?

Essa classe – que chamo de batalhadores – oscila entre apoiar e se solidarizar com a classe abaixo dela, os excluídos da ralé, e assumir um discurso mais mercantil e atrelado aos interesses das classes privilegiadas. Quem conseguir conquistar essa classe provavelmente ganha a eleição.

E qual é o olhar para compreender as diferentes realidades?

Somos formados por estímulos afetivos, emocionais, morais e cognitivos. Cada classe forma pessoas com disposições e capacidades distintas para a competição social – e não só na busca pelos bens materiais, mas também pelos simbólicos, como prestígio e reconhecimento.

De que maneira?

São as capacidades emocional e cognitiva de autocontrole e concentração que fazem com que, por exemplo, os filhos da classe média cheguem à escola como vencedores aos cinco anos de idade. E com que os filhos dos excluídos, pela carência dos mesmos estímulos, chegam à escola e depois no mercado de trabalho como perdedores. Acabam em trabalhos domésticos, pesados e mal pagos.

Quais são as classes no Brasil?

Vislumbramos quatro classes sociais, com suas subdivisões internas. No topo da hierarquia, temos as pessoas com muito dinheiro e um estilo de vida e compreensão de mundo marcado pelo consumo material. São aqueles que chamamos de endinheirados. Eles somam menos de 1% da população, mas controlam mais de 50% do PIB nacional, sob a forma de juros, lucros e renda de terras. Logo em seguida, vem outra classe privilegiada: a média. Caracterizada por se apropriar de outro capital decisivo na competição social: o cultural.

E do outro lado da balança?

Na parte de baixo da hierarquia social – onde está a maioria da população brasileira – temos uma grande classe trabalhadora. Hoje, em sua maioria, precária, super explorada e, em grande parte, informal. Sem a segurança e estabilidade da antiga classe trabalhadora tradicional. Ainda mais embaixo, estão os excluídos.

Como elas se relacionam?

Os endinheirados dominam a economia, a mídia, o poder judiciário, financiam a política e controlam os recursos naturais. É um capitalismo selvagem, desumano e altamente concentrador em proveito de meia dúzia de pessoas. Quase 70% do PIB brasileiro está com os poucos privilegiados. Ou seja, o que sobra é distribuído entre os outros milhões de brasileiros. Este é o retrato da nossa verdadeira miséria e iniquidade. É por isso que a existência da corrupção estatal é tão boa para os interesses dessa minoria privilegiada.

Em qual sentido?

É uma maneira de desviar a atenção da tão absurda concentração de riquezas e enfraquecer o Estado. Demonizá-lo como ineficiente e corrupto faz com que apenas o mercado – e quem o domina – apareça como materialização de todas as virtudes. Enquanto a ralé está condenada à humilhação eterna, a classe média poupa seu tempo e consegue se dedicar ao estudo e à qualificação. É um privilégio social poder estudar sem ter de trabalhar ao mesmo tempo.

Já que o tempo é um recurso valioso, é possível afirmar que as manifestações foram protagonizadas pela classe média?

Sem dúvida. As manifestações começaram com reivindicações tipicamente populares por melhores serviços públicos. Lá estavam os filhos da classe trabalhadora, que passaram a estudar em universidades e a acreditar que são mesmo de classe média. Exigiam, portanto, serviços de classe média. Mas, pouco tempo depois, o movimento foi apropriado pela fração da classe média mais conservadora e tradicional, com suas bandeiras típicas do moralismo – que reduz a política ao nível das telenovelas, entre o bem e o mal.

Como cada classe se relaciona com a religião?

Como existe grande quantidade de excluídos, abre-se espaço para a mensagem religiosa. É ela que tenta transformar a humilhação cotidiana em autoconfiança. Pela promessa de que ninguém menos do que Jesus está do seu lado. Mas o lado sombrio deste fenômeno é o conservadorismo cultural e a homofobia absurda.

Os batalhadores estarão nos jogos da Copa?

Certamente não. O futebol está produzindo um fenômeno estranho e o povo está sendo obrigado a ver de fora sua maior paixão. A Copa é um retrato do Brasil: quem ganha são os endinheirados. Quem paga a festa é a classe média explorada por serviços de preço exorbitante. E o povo apenas assiste de fora a festa alheia. /THAIS ARBEX

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

15 Comentários

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  1. Mas era essa classe que

    Mas era essa classe que ascendeu à classe média, comprou carro zero e viaja à Disney? Como assim explorada, se ascendeu tornando-se a bandeira do Governo?

  2. Ótimo trazer as reflexões do

    Ótimo trazer as reflexões do amigo Jessé para esse espaço. Ele tem razão no essencial: é bom termos sempre claro que a nossa sociedade é uma das mais desiguais e injustas do mundo “civilizado”. Uso as aspas pq é realmente complicado nos classificar. De um lado a própria reflexão mostra que nossa sociedade, através do Jessé e outros colegas, tem construído instrumentos penetrantes de reflexão sobre ela mesma. E esse aspecto não é nem um pouco evidente nas comparações profissionais, mostrando uma sofisticação importante do nosso espaço cultural. Por outro lado, a miséria e a desigualdade diminuíram apenas um pouquinho e mesmo esse remédio homeopático dos governos petistas produziu essa enorme reação das elites tradicionais brasileiras, que mostram não estarem nem um pouco convencidas do caminho da redução do nosso descalabro social. O mundo desejado das elites é mesmo o mundo tradicional e “pouco civilizado” da imensa distância entre pobres e ricos e do par autoritarismo/submissão, social, política e cultural.

    Daí me permito perguntar o que significa nesse momento a cristalização de uma disputa eleitoral entre o petismo vindo do baixo clero intelectual tendo como concorrentes dois filhos bem caracterizados das elites tradicionais. Jovens de aparência e talvez até de propósitos pessoais, mas inextrincavelmente amarrados às reciprocidades e interesses dos estratos sociais e especificamente, das famílias políticas d’onde são originários.

  3. Nas eleições, recente classe trabalhadora funcionará como fiel d

    Perfeito! As vezes penso que não existe mais espaço para uma revolução. Depois da leitura desse artigo sou obrigado a reconsiderar o meu pensamento. A mesma espoliação que nunca muda.

  4. O estadão por sua jornalista vedete

    achou algum com muitos diplomas que “explica” que nos anos Lula tudo piorou.

    O.k. respeito todas as opiniões mas agora por que fenômeno físico desconhecido as estatísticas de empregos formais mostram um crescimento constante

    1. Ele fala que boa parte é
      Ele fala que boa parte é informal sem generalizar. Ademais o trabalho dele é no minimo muito sério, pena que ocorra justamente o que ele informa.: o nivel novelesco da discussão, a divisão cretina nós contra eles, os bons contra os maus.

  5. Ele vem dizendo coisas muito
    Ele vem dizendo coisas muito interessantes já há um bom tempo. Seu discurso é direto e provocador e por isso choca a nova esquerda – essa coisa que era lulismo e agora ninguém mais sabe o que é – para os quais vivemos num paraíso terrestre. A propósito, suas idéias são muito mais originais e poderosas que daquele Singer, o novo príncipe uspiano, mas dão muito pouca bola ao cara. Nao aceitam um contraponto, uma critica, um talho na fantasia. O que o blog pensa sobre o que ele diz.? O que vcs lulistas diriam sobre o assistencialismo apenas reduzir o sofrimento da população.? Ou será que sua rejeição (do Jesse) nao significaria apenas o fato de vcs serem os conservadores de esquerda.?

    1. O fato dele ser crítico não

      O fato dele ser crítico não significa necessariamente que ele detenha A verdade. Inclusive, não apenas ele, mas Márcio Porchmann (petista) também já vem falando que não existe nova classe média. Isto posto, penso que suas pesquisas devem ser muito consideradas, principalmente porque já não há mais muita gente interessada em estdudar as classes sociais na perspectiva econômica.

      Pena que a coisa toda é dita em poucas palavras e numa entrevista; não sei se os estudos que ele fez são suficientes para atrelar ao comportamento eleitoral, como se o eleitor brasileiro fosse tão previsível. A tipificação feita pelo sociólogo é muito interessante, já que mais aproximada da realidade, pelo menos aparentemente.

      Para quem não fez pesquisa, mas observa o cotidiano das classes (exceto a endinheirada, à qual não tecnho acesso), os efeitos da pequena ascenção provacada pelos governos petistas ainda são muito repercutidos pela classe batalhadora, mas também acho que, em breve, poderão chegar ao limite e começar a reverter a sensação de inclusão pelo consumo.

      Não vi provocação alguma do entevistado com relação ao lulismo cego, mas aí já é questão de interpretação. O que vi mesmo foi o Estadão levantando a bola de Dudu Campos.

  6. Informações do PIG no Blog

    Até hoje não entendo como postam “noticías” dos jornais do PIG.

    Se é para postar este tipo de informação qual a finalidade deste blog?

     

  7. Questões

    Três coisas eu questionaria:

    1ª – “Na parte de baixo da hierarquia social – onde está a maioria da população brasileira – temos uma grande classe trabalhadora. Hoje, em sua maioria, precária, super explorada e, em grande parte, informal. Sem a segurança e estabilidade da antiga classe trabalhadora tradicional. Ainda mais embaixo, estão os excluídos”. A super exploração não tem nada de novo. A CLT é a lei mais desrrespeitada no Brasil – hoje e ontem também. Imaginar que o que ele chama de “antiga classe trabalhadora tradicional” vivia de outra forma me parece equivocado. A situação da antiga “classe operária” – para ficar apenas nos trabalhadores urbanos, era e sempre foi muito precária. As poucas vantagens obtidas por alguns segmentos do operariado decorreram de conjunturas ou de longos processos de luta que envolveram greves, negociações e, até, mesmo uma espécie de “civilização” por parte dos empregadores. Essas poucas conquistas ficaram, em geral, restritas a algumas regiões dos tradicionais centros industriais do país. Com a interiorização da produção industrial novos contingentes passam a ser super explorados. No caso do setor dos serviços há diversos estudos que mostram a super exploração (não só no Brasil).

    2ª – “(…) Quem paga a festa é a classe média explorada por serviços de preço exorbitante.” Sei que questionar isso pode ser explosivo. Todavia, me parece uma escorregada em tanto de alguém que faz análise de classes sociais no Brasil. (Talvez seja mesmo um ato falho – daí a análise vai do sociológico para o psicológico…). Afinal, que “serviços” são esses? Como o preço deles é composto? E, para provocar: o país seria mais justo se a classe média tradicional tivesse, vamos dizer, “mais acesso” (seja lá o que isso queira dizer) a esses tais serviços sem ter de “pagar a conta”?

    3ª – Como ficam fenômenos como os “rolezinhos” ocorridos em diversos shopping centers no final do ano passado? Como entendê-los dentro dessa estrutura de classes sociais?

  8. Esquerda conservadora, termo

    Esquerda conservadora, termo preciso. Aqui, nesse espaço,  tem um exemplo muito ilustrativo.

    “Até hoje não entendo como postam “noticías” dos jornais do PIG.

    Se é para postar este tipo de informação qual a finalidade deste blog?”

     

  9. e os 23 bilhões de dólares..

    e os 23 bilhões de dólares gastos em viagens ao exterior  ano passado foram só os 5% do alto da pirâmide social que gastaram? eles não vão querer perder o já conquistado e sabem que a oposição não tem propostas para o “querer mais”..

  10. Para mim o que o

    Para mim o que o lulismo chama nova classe média é o que Jessé chama batalhadores. Como já disse alguém não me importa a cor do gato, mas que ele pegue o rato.

    Mas discussão conceitual à parte em termos políticos para 2014, o mais importante na entrevista é o tópico no qual acertadamente  Jesse diz que a nova classe média tanto pode continuar votando junto com os ‘de baixo’, (a ralé de Jessé), que – não tenho dúvida – votarão em Dilma, como pode assumir uma narrativa mais mercantil e moralista e votar junto com a classe média tradicional, em Aécio ou Eduardo Campos. E a importância desse movimento eleitoral (é o busílis da questão) está em que a nova classe média (ou batalhadores) tem um contingente numérico majoritário que decidirá a eleição.

    Outro tópico importante está na última questão que transcrevo:

    “Os batalhadores estarão nos jogos da Copa?

    Certamente não. O futebol está produzindo um fenômeno estranho e o povo está sendo obrigado a ver de fora sua maior paixão. A Copa é um retrato do Brasil: quem ganha são os endinheirados. Quem paga a festa é a classe média explorada por serviços de preço exorbitante. E o povo apenas assiste de fora a festa alheia.”

    A partir dessa resposta faço o seguinte comentãrio: Acho correta a análise de Jessé e credito que sua resposta ajuda a entender os protestos de junho passado que podem se repetir esse ano. Como bem disse Jessé o povo não estará nos estádios em razão da inacessibilidade dos preços. Esse fato excludente implica que o povo não se solidarizará com o governo, que certo ou equivocadamente é identificado com tal exclusão. E não se trata de um evento qualquer. Como bem disse Jessé, trata-se da maior paixão popular.

    Por outro lado, a classe média que irá aos Estádios –  especialmente a mais tradicional que já não simpatiza muito com o  governo trabalhista – está e permanecerá p. da vida por ter de pagar caro para participar (aqui a razão para as vaias à Dilma no Estádio em Brasília)

    Enfim, a minha questão é a seguinte: ter assumido a Copa como praticamente um evento de governo ou mesmo de Estado, tendo em vista o caráter elitista em que ocorrerá o evento (caráter elitista que fatalmente teria em nosso País,  em face da nossa ‘estrutura de classes’ tão bem definida por Jessé não terá sido um equívoco dos Governos Lula e Dilma?

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