O ponto fundamental na disputa pós-AP 470

Sugerido por MiriamL

Da Carta Maior

O barbosismo, o PT e o pós-julgamento
 
A prisão de lideranças petistas, cercada de ilegalidade e manipulação, não marca apenas um divisor no partido. Ela coincide com uma transição de ciclo econômico
 
por Saul Leblon
 
O conservadorismo brasileiro construiu uma narrativa e a cercou de um cão de guarda. 
 
Era forçoso que tivesse a pegada  agressiva das mandíbulas que travam e não soltam para dar conta das  cores  extremadas do enredo.
 
O intento foi bem sucedido  mas o epílogo, inconcluso, está longe de entregar tudo o que prometeu.
 
Joaquim Barbosa foi o homem certo, no lugar certo, na hora certa quando se tratou de tanger a AP 470  na direção das manchetes que a conceberam.
 
O que se concebeu,  a partir de um crime eleitoral de caixa 2 , foi consumar aquilo que as urnas sonegavam: aleijar moralmente o campo progressista brasileiro; sepultar algumas de suas principais lideranças.

 
Na verdade, o intercurso entre campanha política  e financiamento privado já havia punido o êxito progressista nos seus próprios termos.
 
Subtraindo-lhe práticas, projetos e um horizonte ideológico, de cuja regeneração depende agora o seu futuro e a capacidade de liderar o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
 
A prisão de lideranças petistas, cercada da ilegalidade e da manipulação sabidas, não marca apenas um divisor no partido.
 
Ela coincide com uma transição de ciclo econômico mundial que impõe um novo repertório de escolhas estratégicas ao país e ao PT.
 
Os limites assimilados na chegada ao poder talvez não sejam mais suficientes para se manter à frente dele nessa travessia.
 
Em postagem em seu blog, antes da prisão, o ex-ministro José Dirceu resumiu o paradoxo ao criticar aqueles que hoje  –a exemplo do que se fez até 2008– endossam a panaceia ortodoxa do choque de juros e de cortes orçamentários.
 
“Para fazer isso não precisam  de nós’, advertiu o ex-chefe da Casa Civil de Lula.
 
Quem –e o quê–  ditará  a agenda brasileira no pós-julgamento da AP 470  não é uma inquietação exclusiva do lado que ficou no banco dos réus.
 
A emissão conservadora sabe que saturou um capítulo da disputa com a prisão algo decepcionante dos alvos mais graúdos.
 
Parte do conservadorismo, porém, fica com água na boca.
 
E sonha alto quando vê Joaquim Barbosa ladrar como se a teoria do domínio do fato, agora, significasse um dote imanente para atropelar réus, juízes e cardiopatas com a mesma truculência  biliosa exibida durante o julgamento.
 
Delirantes enxergam um Carlos Lacerda negro nos palanques de 2014.
 
Finalmente,  o elo perdido, a ponte capaz  de suprir o vazio de carisma à direita e de injetar paixão ao discurso  antipetista: o barbosismo.
 
O engano conservador pode custar mais caro ao país do que custaria ao PT  ter o algoz como rival.
 
Joaquim Barbosa tem de Lacerda apenas uma rudimentar mimetização de incontinência colérica.
 
Tribuno privilegiado, o original  catalisou a oposição a Vargas. Ainda assim, o talentonão foi suficiente para evitar os desdobramentos que se seguiram ao suicídio de 1954.
 
Os desdobramentos foram de tal ordem que adiaram por uma década o golpe esmagado por Getúlio com um único tiro.
 
É verdade que Lacerda , a exemplo de Barbosa hoje, foi também uma construção midiática.
 
Ancorado nessa alicerce,  construiu um carisma  que insuflou a classe média contra a corrupção,  os sindicatos, os inimigos do capital estrangeiro e o desgoverno populista.
 
Contra Vargas, sua voz ecoava simultaneamente na Rádio Globo, dos Marinhos e na Mayrink Veiga; a presença inflamada do udenista sacudia  também a  audiência da TV Tupi, de Assis Chateaubriant, a TV Rio  e a TV Record, da família Machado de Carvalho.
 
Dispunha ainda do jornal Tribuna da Imprensa, criado em 1949, com o dinheiro do anti-getulismo local e estrangeiro.
 
A voz de Lacerda era o que hoje é o Jornal Nacional, da Globo: a narrativa da direita endereçada a todo o Brasil.
 
Por trás da retórica vulcânica, todavia, existia um substrato de aparente pertinência que sustentava o belicismo das suas inserções.
 
Ao confronto internacional marcado pela consolidação comunista na China e a construção do Muro de Berlim, superpunha-se a emergência da Revolução cubana.
 
Seja pela maior proximidade, seja pelos laços culturais, as transformações em Cuba  granjeariam  enorme receptividade na luta latino-americana contra o subdesenvolvimento e o apetite leonino do capital estrangeiro.
 
Hoje,  ao contrário, a exacerbação conservadora só se sustenta pela instabilidade que o colapso do seu próprio ideário  –ainda sem resposta à altura–  acarreta urbi et orbi.
 
E esse é o ponto fundamental da disputa no pós-AP 470.
 
Colérico-dependente, Joaquim Barbosa  está muito distante das credenciais para se apresentar como a personificação do  salvador da pátria, diante dos desafios que se avizinham.
 
O maneirismo é a única relação que existe entre o barbosismo e o lacerdismo.
Ou o janismo.
 
Maneirismo é a simulação afetada do original.
 
Quanto mais se esmera em exacerbar as referências do que não é, maior o artificialismo que  exala.
 
Mas isso só ficará definitivamente claro se o foco do debate for deslocado a partir de agora para o que é principal – e o que é principal requer do campo progressista algo mais do que a busca inercial do voto em 2014.
Redação

11 Comentários

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  1. O foco é criar mecanismos que

    O foco é criar mecanismos que impeçam o caixa 2, algo com a mesma abrangência apoio e repercução que teve o mais médicos. Dinheiro ainda é a mola do mundo.

  2. segundo round

    Nassif:

    Com  a iniciativa do Banco do Brasil de se ressarcir de eventuais prejuizos, a questao Visanet ser ou nao dinheiro publico agora será esclarecido. E como todos sabemos, NAO É DINHEIRO PUBLICO. É a primeira bomba pos-mensalão.

    E o Jose Dirceu, pedindo emprego em hotel, mostra o quanto o Joaquim Barbosa pegou uma pedreira pela frente, ao enfrentar um dos lideres mais inteligentes e preparados do Brasil, para Cristo. 

    Joaquim Barbosa inicia uma trajetoria descendente, cheia de percalços, já que sua validade está para vencer.

    Ou será que terá coragem de julgar da mesma forma os demais casos pendentes de corrupção da oposição? Nem o mais otimista observador vai nesse sentido. 

  3. Eu penso que se engana quem

    Eu penso que se engana quem acredita que JB sairá do STF. Não sairá. Pelo menos não enquanto for o seu Presidente. Ora, ele não tem nenhuma autoridade real, tem apenas a autoridade do cargo. Se perder o cargo perde também a autoridade e, consequentemente, a notoriedade e o poder de influência.

    1. ” autoridade real” claro que

      ” autoridade real” claro que perde vivemos em uma democracia, não em uma monarquia absolutista.

      Dilma perderá da mesma forma.

  4. O projeto de poder de Joaquim Barbosa

    Reitero, por pertinente ao tema, análise já inserta em outro post

    O projeto de poder de Joaquim Barbosa

    Quem duvida que, nos dias de hoje, a pretensão política do Ministro Joaquim Barbosa consista em ser Presidente do Brasil?

    Acredito que ninguém.

    Nessa situação, a primeira pergunta que me vem a mente é, quando  teria surgido tal desejo (ou melhor pretensão).

    Acredito que, num primeiro momento, desde sua trajetória sofrida, até chegar a Procurador da República, doutor em direito, seu maior desejo, seu ápice, com certeza era chegar a Ministro do Supremo Tribunal Federal .

    Eis que, por um destes desígnios  da sorte, foi alçado a tal condição relativamente cedo e, com ela, encheu-se de todo o prazer oriundo da realização maior de sua vida.

    Mas, depois de curto período, para  seu temperamento unitário (totalitário?),  tal status logo se tornou fonte de insatisfação.

    E  isso se deu por um singelo motivo, tratava-se de um entre onze ministros,  um colegiado, algumas vezes alinhado com suas idéias, outras, desdenhando até mesmo de sua competência técnica  ou pessoal (reação, repto imediato – eu não sou um de seus capangas).

    Foi quando surgiu a  oportunidade para fugir deste lugar não tão digno.

    A relatoria de uma ação penal, com um imenso potencial  midiático, na qual  alguns dos réus eram justamente dirigentes do partido que estava no poder.

    Tendo nas mãos este outro presente do destino, a partir de então, dedicou-se a construir um projeto para alcançar o poder.

    A partir deste momento, a AP 470, deixou de ser uma ação penal, mas  um instrumento para alcançar seus objetivos.

    E desde então, todos seus atos convergiram para tal desiderato.

    Cada palavra, cada gesto, tinha um endereço, tinha um significado previamente definido.

    Como primeira jogada, usou de um artifício antigo, que desde priscas  eras, era  utilizado por velhas raposas da política.

    Em outras palavras, imputou aos adversários a tentativa de impor ao país um autoritário  projeto de poder e, nessa mentira,  estava levando a cabo seu próprio e inconfessável projeto de poder.

    Assim convolou-se  o primeiro ato da farsa, a  primeira falsa acusação – a de que o PT tinha  um projeto de poder, mediante  vias tortuosas  de compra de políticos para votarem projetos de seu interesse – algo nunca comprovado.

    Mas, agindo desta forma, ninguém pensou, neste momento, que o que estava sendo efetivamente  engendrado, na realidade,era  um outro Projeto de Poder, o Dele.

    E, suprema astúcia.

    Quem, naquele instante,  poderia desconfiar das intenções do condutor da ação penal, de um dos guardiões da  Constituição. 

    Ninguém desconfiou.

    E assim, ato após ato, dia após dia cresceu nesta idéia, e perseverou no intento.

    Não importava que não houvesse provas, não importava que a inocência de alguns réus fosse flagrante.

    Nada disso importava, era preciso desconstruir seu adversário, era preciso pintá-lo com cores pesadas, sujas,  desonestas, e, sempre , ao  lado, oferecer seu braço forte, seguro, limpo .

    Para isso, pessoas foram destruídas, leis foram distorcidas, princípios foram desprezados, tudo isso em nome de um projeto solitário de poder.

    Desta forma, desenvolveu seu projeto sem amarras,  aliou seus interesses aos interesses dos adversários deste governo,  sem que se perquirisse a ética, a honestidade, apenas ódio e fria ambição pelo poder.

    Tornou-se, cada vez mais,  franco representante da oposição, claramente  substituindo  este setor político despersonalizado, que  alegremente se atirou, sem nenhum pudor pela subserviência, pela  verdade, pela dignidade, a este jogo, apenas para tentar destruir um partido político adversário que tem amplo apoio junto ao povo.

    Foi este o objetivo o tempo todo.

    É este o objetivo agora.

    As atuais decisões autoritárias do Ministro Joaquim Barbosa, que chegaram a limites intoleráveis, tem como objetivo impelir  alguém a pedir seu impeachment, para então, sob os holofotes de uma mídia aparelhada pelo poder econômico, usar de toda a sua retórica para acusar os “corruptos “ de tentarem injustamente atingi-lo.

    Por isso, atentem aos fatos.

    Não caiam na armadilha.

    Os sinais são claros.

    Alguém, no entanto, pode perguntar, mas  então, não devemos fazer nada?

    Por certo que não.

    O que se impõe não é o impeachment de Joaquim Barbosa, que é o que ele quer, mas sim o seu simples afastamento da AP 470, motivos para tal decisão não faltam, podem ser  enumerados “as pilhas”, de tão numerosos.

    Retirem os holofotes, e o teatro, ou o circo dos horrores, como preferirem,   terminará suas sessões de tortura e, concomitantemente, restará afastado um nefasto projeto de poder.

    Jose Saramago já deu a dica.

    Se podes olhar, vê, se podes ver, repara.

     E impeça o desenrolar desta farsa.

  5. Texto excepcional em forma e

    Texto excepcional em forma e conteúdo. E a conclusão que tiro dele é que o campo progressista, como ele chama, deve sair do foco do “cão de guarda” e ficar em quem segura a coleira, o dono do pitbull.

    Mesmo porque estamos assistindo uma encenação em que os donos passaram a recriminar a ferocidade das mordidas, manifestando pena de um “mensaleiro” “menos culpado”, porque pobre. Com isso querem se diferenciar das bestas feras sádicas do Facisbook, e não comprometer a “legitimidade” do julgamento

    O foco tem que sair do Barbosa que apenas repete o maneirismo lacerdista, como demonstra brilhantmente o Leblon. Ele é até útil nesse sentido, pois extravasa o ódio da elite, e o pessoal pode detonar o PT de forma “civilizada” e “humana”. Assim todas as mentiras e manipulações do AP 470 passam batido  

    O campo progressista deve reagir a esse ataque, que não é novidade nenhuma. É a UDN de sempre e seu combate ao “mar de lama”. A blogosfera tem feito. Mas o governo e o PT acham que a unica reação é ganhar a eleição. Mas e se perder? Ficam sem nada. A direita faz barba, cabelo e bigode. Executivo, judiciário e mídia. E a parte do legislativo não dominado vai ficar esperneando em vão como antigamente

  6. Não entendo essa preocupação

    Não entendo essa preocupação com esse cara. É a personificação da incompetencia (não sabe nem ler nem como proceder para execução de uma sentença, etc.) e se sair – e espero que saia – será esquecido, será um zé ninguem. O Jobim, muito mais competente, escolado, com jogo de cintura, politico mesmo, saiu do STF achando que ia ser alguma coisa  e ninguem sabe quem é, o que faz e onde está. É claro que está usufruindo a merecida aposentadoria e deve estar fazendo algumas coisimhas mais. E só.

  7. #AnulaAP470: Mensalão não exixtiu

    As provas da inocência de Pizzolato, Genoino, Dirceu e outros, foram ignoradas durante o processo.
    O que existiu foi caixa dois.
    Só que caixa dois todo mundo faz e é crime eleitoral da esfera do TSE.
    Para levar para o STF como “o maior escândalo de corrupção do mundo” e arrasar com o PT, só enfeitando o pavão. E foi o que fizeram. Não existiu desvio de dinheiro público, mesada para parlamentares, peculato, quadrilha.
    Isto tem que ser dito à nação e esta ação ser anulada.
    Punir o caixa dois? Claro, mas também o de todas as pessoas jurídicas, todos os partidos e até pessoas físicas.
    Estamos num mar, não de lama, mas de hipocrisia.
    Assista o vídeo onde o advogado de Pizzolato arrisca sua carreira e reputação e denuncia o verdadeiro julgamento de exceção em que se viu metido. Sem dúvida deveria ser convocado para prestar declarações no Senado Federal, única instituição com poderes para julgar o STF. – link para o vídeo: http://youtu.be/a_w_9tqajW8

    1. Concordo

      O problema é que acusar os réus pelos crimes que de fato cometeram(caixa 2) os levaria à absolvição por prescrição, daí que inventaram outros crimes para condena-los. Agora no mensalão tucano houve sim uso de dinheiro publico mas…mas…mas…

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