O ser ou não ser de Caetano sobre a questão palestina

Enviado por sirleym

Do Opera Mundi

O dilema de Caetano Veloso após visitar a Palestina

Shajar Goldwaser
 
Caetano teve que passar por um processo difícil quando foi à Cisjordânia. Lá confrontou-se com uma realidade que não esperava. De repente, o projeto colonial sionista se tornou evidente.
 
Desde que postou seu texto na Folha de São Paulo, Caetano Veloso tem recebido críticas de quase todos os lados. Os sionistas estão irritados com o fato de ele não querer mais voltar a Tel Aviv. Os ativistas pela causa palestina não se conformam com a sua não adesão completa ao movimento de boicote. Já eu vejo nas dúvidas que Caetano levantou o início de um debate essencial para entender a questão palestina. Como Israel pode ao mesmo tempo ser tão amado por uns e tão odiado por outros?

 
A novidade de seu texto foi que, em lugar de tratar do tema de forma exclusivamente racional, trazendo fatos históricos e confrontando abordagens teóricas, Caetano também relatou sua experiência pessoal e os detalhes que lhe fizeram ir mudando de opinião. Ele contou que, antes desta turbulenta experiência pela que passou, se “sentia como um israelense”, e que ao fim dela, “se sentia mais próximo dos palestinos do que jamais imaginou”. Apesar das saudades de Tel Aviv, ele prefere não voltar mais.    
 
Quando fui à Palestina, vivenciei algo semelhante. Meus colegas na viagem me perguntavam constantemente, “mas como os judeus apoiam isso? Não faz sentido!”. Não mesmo, e essa é a questão. Israel, para os sionistas, não é visto como algo político. Ele é parte de sua própria identidade. Podem-se discutir os partidos políticos, os diferentes governos, etc. Mas a existência de Israel é inquestionável, por que isso faria os sionistas questionarem sua própria existência enquanto judeus.     
 
Toda a argumentação sionista tem como fundamento o antissemitismo. “Os judeus foram, são e serão perseguidos por todos, sempre”. É a partir deste conceito que tudo se justifica. Afinal, Israel, do ponto de vista sionista, mesmo que cometa inúmeros crimes, é a garantia da existência do povo judeu. É assim que milhares de jovens, assim como eu fui, são ensinados a respeito de sua identidade judaica. É essa educação que cria com Israel um vínculo que transcende a política. Uma relação existencial. Por isso, sempre que alguém critica Israel é automaticamente tachado de antissemita.
 
É raro ver hoje judaísmo sem sionismo. Esta narrativa tomou praticamente todas as comunidades judaicas do Ocidente depois do Holocausto, quando a tese do “todos querem nos aniquilar” ganhou uma força brutal. Aos poucos, escolas e sinagogas começaram a içar a bandeira de Israel. O que antes era uma cultura e uma religião tornou-se uma nação com um hino e um idioma oficial. O novo Estado inseriu essa narrativa no seu modelo educacional e a exportou para as comunidades do mundo todo. Até hoje, se usa o antissemitismo como uma fórmula para garantir a imunidade das ações de Israel.
 
Caetano teve que passar por um processo difícil quando foi à Cisjordânia. Lá confrontou-se com uma realidade que não esperava. De repente, o projeto colonial sionista se tornou evidente. Como fica aquele amor por Tel Aviv, sabendo que o seu preço é tão alto? É então que a narrativa sionista, tão difundida e aceita, desmorona. Os israelenses, que supostamente eram as vítimas, provam ser o contrário. Mas mesmo assim, aqueles sentimentos persistem. Não é de um dia para o outro que nossas emoções se transformam.
 
Eu também já amei Israel, e também fui à Cisjordânia. Não foi fácil descobrir que escondido entre o amor ao meu povo e à minha cultura havia um terrível projeto político. Tive que gritar, chorar, rir, odiar, desconfiar, conversar, observar, escutar. Tive que me enfrentar, e a tudo que sempre acreditei e defendi. Não é fácil colocar sua própria identidade em questão. É normal que Caetano, mesmo que não seja judeu, esteja confuso e perdido. Ele estava se reencontrando no mesmo lugar de antes, mas o via com outros olhos.            
 
O diálogo entre israelenses e palestinos é quase impossível. Enquanto estes reclamam seus direitos a uma vida normal, ao retorno a seus lares originais, ao fim da ocupação e da opressão, aqueles apenas ouvem “Juden Raus!” (“judeus fora”, em alemão, grito ouvido aos montes durante os tempos do nazismo), traumatizados pelo seu passado e apavorados com a hipotética aniquilação. Apenas quando os sionistas entenderem que para sobreviver como judeus devem lutar junto a outras minorias oprimidas por justiça e igualdade, independentemente de onde estejam, é que uma solução verdadeira poderá ser alcançada. Afinal, qual a diferença entre antissemitismo e racismo?
 
Amigos sionistas, não tenham medo, ninguém quer matá-los ou exterminá-los. Quebrem os muros das escolas e das sinagogas e mostrem a riqueza de sua cultura para o mundo. Caetano, não se aflija, entender que até nossas emoções são políticas é um processo doloroso. E obrigado. Graças a seu gesto e sua linguagem, imagino que vários jovens brasileiros judeus se perguntaram como você, um ídolo, acabou mudando de opinião. São estes os que amanhã serão capazes de abrir mão de seus privilégios e contribuir para garantir justiça aos palestinos.
 
(*) Israelense residente no Brasil, Shajar Goldwaser é bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP
Redação

18 Comentários

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  1. Demétrio Magnoli
    Propagandas

    Demétrio Magnoli

    Propagandas de guerra

    Somos doces, quase melados. É, dizem, nossa herança portuguesa. Caetano Veloso e João Pereira Coutinho duelam sobre Israel/Palestina. Aparentemente, divergem em tudo, menos nos bons sentimentos. De fato, estão de acordo sobre o ponto crucial: partindo de premissas simétricas, descartam a paz pela partilha da Terra Santa em dois Estados. Fazem propaganda de guerra. Suavemente.

    Na sua crítica, Coutinho (Folha, 10.nov) explica que é inviável trocar terra por paz pois “a parte árabe sempre recusou essa troca”. Como prova, oferece uma visita cuidadosamente truncada à história do conflito, que poderia ser subscrita por Netanyahu. Lá estão o Plano de Partilha da ONU, o Nasser dos “Três Nãos” e o Hamas. Mas, nela, desaparece a pulsão expansionista do sionismo, tão antiga quanto o rejeicionismo árabe-palestino.

    Do mapa de Israel comissionado por Ben Gurion, em 1949, que apagava os nomes árabes da topografia da Terra Santa, aos manuais escolares israelenses, que exibiam os palestinos como nômades do deserto, desenrola-se uma etapa dessa história. Das colônias judaicas nos territórios ocupados à anexação da porção árabe de Jerusalém, e dali à incorporação dos arautos do Grande Israel aos gabinetes de Netanyahu, desdobra-se a segunda etapa. Dizer que “a parte árabe” sempre recusou a partilha é tão verdadeiro (ou falso) quanto retrucar que “a parte israelense” sempre a recusou.

    Desde 2000, quando Sharon oficiou as exéquias dos acordos de Oslo, Israel congelou as negociações, alegando a ausência de interlocutores legítimos. “Os palestinos são terroristas” –o álibi de Netanyahu emerge na invocação de Coutinho sobre “o que aconteceu em Gaza”. Mas a retirada de Gaza não era um passo no rumo da paz pela partilha. Sharon, não tão cândido quanto Coutinho, jamais ocultou que sua iniciativa unilateral era o componente inicial de uma “paz dos vencedores” baseada na anexação de Jerusalém e de vastas áreas da Cisjordânia. Sharon fazia política, falando para israelenses; Coutinho faz propaganda, falando para brasileiros.

    Caetano (Folha, 8.nov) usa as vozes de outros para narrar a sua própria conversão. No início, ele está com o Breaking the Silence, que contesta a ocupação; no fim, adere ao BDS, que contesta a existência de Israel. A violência da ocupação aparece, no começo, como expressão das políticas israelenses; depois, como o fruto envenenado da própria natureza do Estado judeu. Na conclusão, o texto celebra a memória de Yeshayahu Leibowitz –mas de um modo ligeiro, que o reinventa como pioneiro do BDS. O Leibowitz real, um judeu puritano, um libertário inflexível e um sionista de primeira água, alertava sobre os efeitos desastrosos da ocupação sobre a democracia israelense para pedir uma paz em dois Estados. Já o Leibowitz caetanizado detectou “aspectos nazistas na política do país” e traçou o “paralelo Israel/África do Sul” para sustentar um adeus definitivo a Israel.

    “Apartheid”, “nazismo”. Caetano reprova as “formas altivas de intolerância” dos “garotos militantes” do BDS, mas salpica seu adeus com as senhas que eles utilizam. Ele conta que, entre shows e ensaios, “redobrou as pesquisas” sobre o conflito na Terra Santa, mas parece nunca ter acessado os documentos do BDS, disponíveis na internet. Se tivesse feito a lição de casa, saberia que a erradicação de Israel é, realmente, o objetivo político do movimento, não um boato difundido por sindicalistas brasileiros ultraesquerdistas. Mas, nesse caso, sua peça de propaganda seria menos persuasiva.

    A propaganda eficaz é uma espécie singular de mentira, erguida com os tijolos da verdade. Coutinho e Caetano completam-se mutuamente. Lendo um, tenho vontade de concordar com o outro –e vice-versa. Eles não precisam polemizar: no fim do arco-íris, abraçam-se na rejeição à única fórmula de paz em Israel/Palestina.

    ps: Coluna de João Pereira Coutinho:

    http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2015/11/1704187-o-adeus-de-caetano-veloso.shtml

        E depois que o Demétrio escreveu, 

    Resposta a Demétrio Magnoli

    http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2015/11/1707276-resposta-a-demetrio-magnoli.shtml

     

  2. Depois de ler um depoimento

    Depois de ler um depoimento destes devemos refletir, refletir. refletir… E refletir. O israelense que assina o texto expõe uma realidade que os não-judeus, não-antisemetitas e que reconhecem o direito dos palestinos a uma nação soberana,  há tempos já perceberam.

  3. “Amigos sionistas, não tenham

    “Amigos sionistas, não tenham medo, ninguém quer matá-los ou exterminá-los.”.

    Será que o Hamas concorda com essa afirmação ?

  4. Antes tarde do que nunca

    Antes tarde do que nunca, Caetano.

    Embora não justifique sua alienação e ignorância a respeito do tema.

    ” Só agora me dei conta”……

    Ora bolas,  para quê existeam, livros, conversas, conhecimento, etc…internet, bons e maus autores….etc…  ??

     

     

     

     

  5. Desculpem a minha falta de

    Desculpem a minha falta de cultura, também nunca fui a Israel, nem sou especialista no assunto… Tem certas coisas, algumas evidências que não nos deixam enganar: honestidade intelectual!!

  6. Tu dá garantias que os judeus

    Tu dá garantias que os judeus não vão ser eliminados se baixarem a guarda?

    Tu dá garantias que os Curdos não serão eliminados se baixarem a guarda para o ISIS?

    Tu dá….

     

  7. Doe para a Causa Palestina

    Ganhar dinheiro e depois criticar é facil. Dá impressão que muitos usam o conflito para ganhar estatus, utilizar de forma política individual e até para faturar dinheiro com um tema que dá muita mídia. Qual é a contribuição concreta que Caetano deu para os palestinos? Nenhuma. Da mesma maneira que a a contribuição do autor do texto acha que isso foi para abrir os olhos dos seus amigos judeus. Por enquantos que muitos ficam nesta discussão intelectural para agradar o seu grupinho ao redor dele mesmo, os palestinos são utilizados e não se beneficiam desta discução de comentarios de internet cheia de ódio e ataques. Ao invés de ficar nesta discussão de quem aparece mais no jornal que todos ativistas de esquerda “adoram”, a Folha de S. Paulo, Caetano podia ser mais util doar seu cache para a causa palestina se quisesse ajudar mesmo. 

  8. Caetano – oportunista

    Caetano lê jornal todos os dias, sabe da situação na palestna melhor do que nós, o cara é oportunista mesmo. Sabe tirar onda daquilo que aproveitou; ganhou o dele e saiu cuspindo no prato que comeu. Todos sabem disso. Alguém pode me dizer, na questão política, qual o lado que ele apóia? Se estiver ao lado do Chico Buarque ele até mostra a carteirinha que apóia o PT, mas se tiver ao lado do Aécio, muda de lado rapidinho. Ele vai conforme a dança. Até agora não vi o Gil dar a sua declaração, estranho né???

  9. “O diálogo entre israelenses

    “O diálogo entre israelenses e palestinos é quase impossível”

    Só não é totalmente porque existem israelenses como o autor do texto. E com certeza há palestinos assim também. O problema é que os intolerantes de ambos os lados dominam a cena, muito por conta da intervenção de fora. Tio Sam e cia.

    Talvez a unica solução para esse conflito seja que derrepente num passe de mágica desapareça todo o petróleo do oriente médio. Quanto ao Caetano, não queiram ver coerência nele. Levar suas “opiniões políticas” ao pé de letra é besteira

  10. O Brasil travou como aqueles

    O Brasil travou como aqueles CDs riscados que ficam se repetindo infinitamente.

    Assim é com o tal do Caetano e do Gil.

    Não entendo como se gasta tanto tempo e espaço para  discutir o que o Caetano disse ou não disse ,pensa ou não pensa, acha ou não acha.

    É triste.

    O Caetano é  o guru da mediocridade brasileira.

    E se acha. Por vezes, é cineasta, faz filmes tambem. Em outras, escreve romances.

    Alem dessas infinitas qualidades discursa e escreve sobre temas historicos, politicos, relações internacionais.

    E milhões ficam boquiabertos tentando decifrar as mensagens do guru baiano.

    O post diz:

    “Caetano teve que passar por um processo difícil quando foi à Cisjordânia. Lá confrontou-se com uma realidade que não esperava.”

    Nosso guru é o unico sujeito na face da terra que precisa ir a Cisjordania para ver o que acontece por la.

    E o texto continua:

    “Caetano também relatou sua experiência pessoal e os detalhes que lhe fizeram ir mudando de opinião.”

    Deve ser aquela lendaria preguiça baiana que o fez demorar tanto para entender algo que a humanidade inteira, ha tempos,  ja compreendeu.

    Ou talvez certa malandragem, tentando estar sempre dos dois lados do muro.

    Ecoa por todos os cantos que foi exilado, perseguido pela ditadura, mas o seu discurso politico é o mais reacionario possivel. Alias, a Inglaterra seria o ultimo lugar no mundo onde um “perseguido” iria procurar refugio, pois aquele pais apoiava ostensivamente a ditadura.

    Quanto ao Gil a questão é ainda mais seria.

    Ele se tornou ate ministro da cultura, de um governo dito popular.

    A esquerda entre nos é tão ingenua que acabou nem dando importancia a algo tão estranho e serio.

    Resultado, um povo que ao lado dos americanos e cubanos produzia e consumia uma das musicas mais avançadas do mundo, ficou condenado a escutar sertanejos e axes.

    Um pais que ja contou com a obra cinematografica de um Glauber Rocha, de um Nelson Pereira dos Santos, de um Robeto Santos, tem, hoje, que se contentar com filmes dirigidos por galãs de telenovelas.

  11. reitero a sugestão do debate em Painel (a rever) Globonews:

    Se filtrarmos o exibicionismo de William Waack(q falou ++ do q os 3 excelentes entrevistados).Pela internet dá pra se assistir a qq hora,se cadastrando gratuitamente com CPF e,quem tiver, provedor de uma Operadora em convênio.Dá pra se rever. /  /  70 a 80% das armas do E.Islâmico provêm dos EUA,indiretamente.A França foi quem realmente,e antes do ataque, mais bombardeou o E.I.Os tais aliados dão preferência à derrubada do regime Sírio.Seria + fácil(pensam) pegar o petróleio sírio.O EI tem petróleo tb.Vendido no mercado negro mais barato.Mas o fdp do Waack não deixava que dissessem + informações.A meu ver,Putin tá correto em primeiramente preservar o regime sírio.

    1. Um participante,acho que jr50,

      Um participante,acho que jr50, se estiver visitando o GGN, teria informações sobre a atual superioridade bélica da Rússia. Enfim, foram os EUA que armaram o EI, asssim como antes Osama Bin Laden

  12. Cínico

    …Caetano também relatou sua experiência pessoal e os detalhes que lhe fizeram ir mudando de opinião. Ele contou que, antes desta turbulenta experiência pela que passou, se “sentia como um israelense”, e que ao fim dela, “se sentia mais próximo dos palestinos do que jamais imaginou”. Apesar das saudades de Tel Aviv, ele prefere não voltar mais.

    É obvio que Caetano não é nenhum imbecil mal informado, logo é impossível não ter tomado ciência da situação Palestina quando pediram para ele e Gil não fazerem o show em Israel.

    Portanto, se depois do show feito publica esse texto dizendo que “mudou de opinião”, só posso concluir que é puro jogo [cínico] de relações públicas para melhorar sua imagem.

    Ou seja, se antes havia suspeita do sujeito ser um dissimulado, agora há prova.

    1. Uma máquina do tempo para Caetano.
      Ou seja, Caetano precisa ir em “loco” para constatar um fato que já é histórico. Certamente Caetano precisará de uma cápsula do tempo para compreender a história da humanidade.

  13. CAETANO
    ele nao sabia da situaçao dos palestinos?? tinha q ir la para “mudar de opiniao” q mundo ele vive?? qq pessoa com um minimo de informaçao sabe das atrocidades dos judeus, q reclamamam do holocausto gente cinica, o gil nao falou nada???? esse deve voltar, sera por ego, dinheiro, idade q foram??
    wp

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