Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Aventuras em Anhumas, a verdadeira agricultura familiar, por Rui Daher

agricultura familiar

Aventuras em Anhumas, a verdadeira agricultura familiar

por Rui Daher

em CartaCapital

Se eu lhes disser que a Conab prevê colheita da safra de grãos 2017/18 como a segunda maior da história, embora 3,9% menor do que a anterior, afetada pela seca na safrinha de milho, ou sobre os efeitos da guerra comercial lançada por Donald Trump com as devidas retaliações chinesas, certamente, saberão como isso afeta o Brasil, nos curto, médio e longo prazos, por acaso, ficarão surpresos?

Que as aquisições da China no Brasil nos últimos quatro anos somaram 20 bilhões de dólares, boa parte em produção de energia e agropecuária, a esquerda economicista se sentirá confortável e a direita exultante, mas ao mesmo tempo com um pé atrás, pois as aquisições não vieram com a bandeira thirteen stripes and fifty stars?

É como se vê o agronegócio assim do alto, quando mais parece um céu no chão. Agrado aqueles que não olham futuro e soberania, acreditando o nacional-desenvolvimentismo superado como as lições de Celso Furtado (1920-2004).

Não, por favor, não parem de ler, pensando repetitivo este colunista, como todos os demais – exceção a Ronaldo Caiado, na Folha de S. Paulo, que nem isto sabe: desde a coluna de estreia somente trata de interesses políticos. Mais um a valer-se de estatísticas manjadíssimas sobre o que é a agropecuária nacional. Nem vou ler, cansado de ver na TV Globo que ela é “tech, pop e tudo”.

A Federação de Corporações faz-nos todos dominados.

Esperem um pouco, pois. Estou procurando a lupa. Encontro-a perto de Avaré (SP), mais precisamente em Arandu, dentro do coração do Centro Comunitário de Agricultores de Anhumas.

Um amplo barracão onde mensalmente os agricultores se encontram para avaliar o andamento de sua associação. Checam as contas, recolhem as contribuições, ouvem as providências tomadas e a tomar junto às autoridades locais, discutem a compra de insumos e a venda da colheita em conjunto.

Na semana passada, a empresa que me contrata foi convidada para divulgar suas tecnologias naturais e orgânicas e mostrar-lhes como gastar menos, fugindo das multinacionais, tradings e da política cambial. Creio ter ido bem.

No final, foi oferecido um churrasco acompanhado de salada, mandioca cozida e farofa, preparados pelas “mulheres agricultoras”.

“Mulheres agricultoras”. Notaram feministas? No fogo forte da grelha, alguns poucos homens.

Não me referi às mulheres dos agricultores. Elas não são deles. Preparam os farnéis e seguem junto com eles para as lavouras. Lá o trabalho é igual e dividido. Muitas crianças, quando fora dos horários escolares, também vão. E vários cachorros valentes para afastar intrusos peçonhentos, o que não temos coragem de fazer com golpistas pestilentos.

Faço isso há muitos anos e gosto cada vez mais. Hoje em dia, livre das dúvidas suscitadas pela nefasta persona executiva que habitava em mim.

Intrigava-me, quando não irritava, a presença nos locais de palestras de mulheres, crianças barulhentas, até mesmo de colo, cachorros passeando entre o público agricultor.

Felizmente, isso ficou para trás. Civilizei-me, sobretudo quando lembrava de meus anseios de igualdade no movimento e na política estudantis, que me levaram ao curso de Ciências Sociais e a ler todos aqueles autores que vocês conhecem bem.

No início, pensava: “porra, esses caras trazem mulheres, filhos, cachorros, só para aproveitar o churrasco ou a janta. Não prestam atenção em nada do que falo, muito menos quando faço uso do execrável PowerPoint (há anos livrei-me dessa praga). Quero ajuda-los e nem prestam atenção”.

Coisa nenhuma, hipócrita RD. Fazia para ganhar um ótimo salário e convencê-los a comprar mais produtos da empresa e engordar o lucro dos patrões. Caso contrário, ganharia um pé-na-bunda.

Hoje em dia, tudo diferente, divirto-me trabalhando duro para viver. Sinto-me mais honesto. Entendo bem agricultores com botas e bonés imexíveis, mulheres carregando bebês, e cachorros passando em minha frente.

Onde os deixariam? E por que não me orgulhar de acabar sendo um acontecimento para aquela comunidade local?

Em Anhumas, enfrentei frio de seis graus alegre. lamentei nenhum bendito ter levado uma ‘caninha’ para acompanhar o churrasco. Nas próximas incursões, levarei garrafa própria.

Poucos, mas amados leitores, que preferem conhecer a agropecuária nacional através de crônicas e não de frias estatísticas, esta, a verdadeira agricultura familiar brasileira, sacrificada pelos governos ilegítimos assessorados pela justiça dos ricos.

No mais, serão estatísticas de exportação enquanto o mundo hegemônico permitir. Inté!

https://www.youtube.com/watch?v=FIw-xaFgfPI]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=X1M0ZoX1dM8

 

 
 

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

11 Comentários

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  1. O CALOR HUMANO DOS BONS CORAÇÕES

    Encantadoramente poéticas, as palavras do texto. Foram tão especiais e perfeitas que pareceu-me sentir daqui,  o odor adocicado e extremamente agradável  do ninho seguro e confortável;  no coração,  o alento suave da verdadeira amizade;  a simplicidade benfazeja das relações de igualdade,  liberdade, fraternidade; o olhar seguro e calmo entre as pessoas em cumplicidade silenciosa e amorosa que  encanta, fascina e prende o coração do estrangeiro. 

    É a quentura que aconchega: um por todos, todos por um;  é a intuição humilde de quem sabe que só assim, com sabedoria e amor vale a pena viver. Parabéns!

    1. Bem, vilasboas

      diante de suas palavras e compreensão do texto, só me resta agradecê-lo e esperar que eu continue atendendo suas expectativas.

      Grande abraço

  2. CONTATO

     

    Prezado Rui,

     

    Como não sou afeito à informática, não consegui obter seu endereço de e-mail no blog do Nassif, razão pela qual uso este comentário para pedir que me envie uma relação dessas empresas que você tanto menciona, que permitem contornar as grandes corporações fornecedoras de insumos para a agricultura.

     

    Desde já agradeço.

     

    Clóvis  

    1. Clóvis

      meu e-mail é [email protected]

      Existem várias empresas com perfis e tecnologias variadas, específicas para algumas culturas, para certas etapas delas, o setor se diversificou bastante. São empresas de pequeno e médio portes regionalizadas. 

      As mais antigas acabaram também entrando na área de agroquímicos. Assessoro há oito anos uma empresa com o perfil e portfólio de produtos muito interessantes. Passe um e-mail para mim e depois ligue ou passe e-mail para Viviane (11) 9581.6195 ou [email protected]

      É a proprietária e cuida da área comercial.

      Abraços 

  3. CONHECIMENTO SEM EXPERIÊNCIA OU VIVÊNCIA É UM CAVALO MANCO

    E o que eles praticam não é AgroNegócio? Álias, bela horta. Melhor ainda, quando as fotos revelam que ela não surgiu aí sozinha. Mas do Trabalho de um Cidadão Brasileiro. Agricultura é antes de tudo AGRICULTOR. Trabalho menor? Condições e coincidências ‘endofirmoseológicas’ ou alguma coisa parecida, que nos abençoa? Produção primária? Rodapé da Tecnologia? Ficamos sem Caminhoneiros e vimos no que deu. Já imaginou sem Agricultor? Agricultor que no Mundo inteiro é mal remunerado. Nos países desenvolvidos industrialmente, são ‘comprados’ com Subsídios. Caso contrário, estariam TODOS na cidade há muito tempo. A Roça é prazer mas é sacrifício. Mulher no Trabalho Rural é regra e não exceção. O sr. sabe muito bem disto. E qual outra atividade onde é possível conviver, trabalhar, dividir, aprender e ensinar com toda sua família? A terra é abençoada. E trabalhar na terra é sacerdócio. A Agropecuária, mesmo rotulada de tantas formas, é algo maravilhoso. Terreno fértil para o desenvolvimento em qualquer direção. Sua visita à rica e desenvolvida região de Avaré / SP demonstra isto. Somos o estado mais agropecuário do país. Um dos maiores do Mundo. No meio de tamanha produção agropecuária, alta produtividade, produção agroindustrial, a Agricultura Familiar valoriza sua própria produção. Se diversifica e se especializa em nichos de mercado. Veja o que está acontecendo no Ramo de Queijos. A imbecilidade e mediocridade era a Burocracia e Criminalização da Produção Artesanal e Familiar. Não tem nada a ver com AgroNegócio. Tem sim a ver com MultiNacionais Estrangeiras e o controle praticamente monopolista do setor alimentício industrializado e a sujeição do Poder Público Brasileiro. A Agropecuária Brasileira é TECH. É POP. É TUDO. Mas antes disto É NOSSA !! Defendamos o que é NOSSO. abs. 

      1. O PEIXE SE SALVOU NO ÚLTIMO MINUTO. AZAR DO PORCO.

        Realmente não escreveu. Só quis reforçar a idéia porque sei da Patrulha da Gestapo Ideológica que sobrevoa este veículo. Ou sua explicação sobre as Mulheres não foi um claro recado? Experiência com Conhecimento. Conhecimento com Experiência. O Candidato à Corinha não quer ensinar a missa ao Cardeal. Mas queria saber se todos acertaram a resposta da cidade do PR. Não sobrou um livro autografado? Compraria com muito gosto. (P.S. O TRICOLOR já encostou na liderança. Já sabemos do resultado. Urubu com caganeira. Porco com tremedeira. Galinha com colpaso nervoso. Peixe engasgado. Sai da frente ninguenzada. O Campeão voltou) 

  4. o pequeno agricultor e ou agricultura familiar

    Quem ler esse texto, com toda a certeza, sai com uma melhor visão sobre os assuntos tratados.

    Penso que os rumos que Rui Daher nos mostra é, realmente, uma grande solução, não só para o nosso País, mas, acima de tudo para o mundo.

    Há muita dificuldade para a continuidade  porque está totalmente contra os interesses do capitalismo.

    Todavia, todos nós só poderemos  ter a esperança de sustentabilidade,  acreditando no pequeno agricultor, na agricultura familiar, como solução , ou seja,, as práticas agrícolas mais antigas, no sentido de restabelecer a qualidade dos alimentos e sustentando, inclusive, a perenidade dos rios, a água que irá faltar no futuro, retornando a cultura da biodiversidade, um mundo que poderá renascer, com fauna e flora regeneradas.

    É importante lembrar que a população rural, há algumas décadas era muito maior do que a existentes na zona urbana.

    Reflitam sobre as mudanças que tivemos para manter a população em cidades, retirando-as da zona rural e isto acontecendo em aproximadamente setenta anos.

    Com isto, perdemos e muito a qualidade de vida e estamos destruindo o nosso habitat natural, o mundo que nos propicia a vida. Com o tempo, as condições que o planeta fornecerá aos seres para a continuidade da vida será ínfima, graças e principalmente aos estragos dos negócios da agropecuária.

     

  5. Prosa Rara

    Pombas, Rui!

    Colhe-se nesse seu texto de pé no campo prosa mais que suculenta, com sustância profunda e sabor de preparo sábio, fino e simples.

    Diz mais com menos a ponto de fazer desconfiar-se transgênico, a quem não talhado à cultura orgânica pura.

    Deu pra sentir até o ‘torturante’ cheiro do churrasco, sem falar no orvalho e a naturalidade das crianças, cachorros e “mulheres agricultoras”. 

    Não faltou nem mesmo o aroma alcoolizado de cana a escapulir do gargalo da ausente garrafa.

    Abraços, aplausos e vice-versa.    

    PS: E continuamos sob o jugo do ‘powerpoint moronhol’ e da ‘global narrativa marinha’, insipidos, sem alma e cheirando mal.

    1. Caro Fr@ancisco

      Obrigado, para assim interpretar o texto você já vivenciou o quanto nos sentimos mais felizes nessas situações e reforçamos nossas covicções de que mais gente deveria reconhecê-las. Ao mesmo tempo, vem a tristeza de ver o Brasil se afastando disso.

       

      Abraços

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