Argentina: fundamentalismo neoliberal, terrorismo político e repressão, por Afonso Junior

Segundo Milei o déficit fiscal cria a crise; podemos nos perguntar o que o déficit de liberdade e justiça criará.

VoxEspaña via Flickr

Argentina: fundamentalismo neoliberal, terrorismo político e repressão

por Afonso Junior

Há alguns anos, uma crítica forte do jornalista Luis Novaresio, do canal A24, ao governo de Macri (2015-2019) com a legenda na tela: “Em instantes, Javier Milei”.

Assim como a eugenia no século XIX, se encobria a ideologia pessoal como ciência quando Milei aparecia na TV como detentor de um saber técnico, uma autoridade capaz de seduzir a classe média com seu mantra sobre a causa da crise argentina: gastar mais do que arrecada.

Agora parece claro que a criação de um cenário de medo (uma espécie de “Macri lixo”) ajudou a ascensão de uma direita ainda mais disposta a criminalizar o Estado, com um discurso simples que desvia a culpa da arrecadação débil, da falta de cobrança de impostos às grandes fortunas e alta renda. (Juízes sequer pagam imposto). Mas o fundamentalismo econômico não pode ser desligado do novo terrorismo político.

Juan Grabois, professor da Faculdade de Direito da Universidad de Buenos Aires, pré-candidato nas primárias, concorrendo com Sergio Massa, afirmou, em setembro, que os líderes do grupo Revolución Federal, Jonathan Morel e Leonardo Sosa, “são militantes ativos” e fazem parte de um “submundo paramilitar” próximo a Victoria Villarruel, vice-presidenta eleita da Argentina pelo La Libertad Avanza (LLA). (Télam, 27 de setembro de 2023)

Em julho de 2022, o grupo Revolución Federal realizou um protesto na Praça de Maio, com uma guilhotina e slogans como “Todos presos, mortos ou exilados”, em referência ao governo da coalizão Frente de Todos.

Participavam das marchas desse grupo Fernando André Sabag Montiel e Brenda Uliarte, que são os envolvidos no atentado a Cristina Fernández de Kirchner dia 1º de setembro de 2022.

A jornalista Irina Hauser (Página 12) chama a atenção para a semelhança com o slogan “terminar con el kirchnerismo” da candidata da direita tradicional Patricia Bullrich, do grupo de Macri (Juntos por el Cambio).

Um dos fundadores do Revolución Federal, Leonardo Sosa, mostrando sua ligação com La Libertad Avanza (LLA), postou no “X” (ex-Twitter) em 18 de outubro: “Vamos deixar nosso sangue nas ruas para levar Milei para a Casa Rosada”.

Os advogados que representam a vice-presidente na causa sobre o atentado,  Marcos Aldazabal y José Manuel Ubeira, afirmaram que agora “se sente seguro para poder atacar impunemente a Cristina Fernández de Kirchner”. Logo mais, Sosa postou: “Encerramento da Campanha da Milei, golpe final, Cristina, VOCÊ VAI CORRER”.

Nas redes sociais, mensagens violentas do grupo há muito citam personalidades como Juan Grabois, o deputado federal Máximo Kirchner e o presidente Alberto Fernández. Em entrevista gravada com um repórter do elDiario Ar, Jonathan Morel afirmou: “Eu vejo um kirchnerista e quero fazê-lo sangrar” (Fernanda Paixão, Brasil de Fato, 21 de Outubro de 2022).

Grabois é um dos “demandantes” na causa “Revolución Federal, porque estava numa lista negra para atentados do grupo. “Em 25 de agosto de 2022, Jonathan Morel explicou no Twitter Spaces como mataria a vice-presidente, modus operandi que Sabag Montiel seguiu à risca.” (Vanesa Petrillo, Ámbito, 24 de outubro de 2023)

Luis “Toto” Caputo, ex-ministro da Fazenda de Mauricio Macri, tem com seus irmãos uma incorporadora imobiliária que contratou a carpintaria de Morel para fabricar móveis para 60 apartamentos, o que parece impossível com uma empresa tão precária. (Canal Juan Grabois,  31 de agosto de 2023).

O ex-chefe de campanha de Patricia Bullrich, o deputado Gerardo Milman, segundo disse uma testemunha que falou à juíza María Eugenia Capuchetti, responsável pelo processo sobre o atentado, teria dito em um café antes do fato: “Quando eles a matarem, estou a caminho da costa”.

Grabois ofereceu denúncia em outubro frente ao juiz Marcelo Martínez de Giorgi – da causa “Revolución Federal – lembrando que Brenda Uliarte fez declaração  que envolvia Milman em pagamentos para provocar agitação

Chamou atenção o fato de que Milman também viajou recentemente à Ucrânia, sendo que o grupo de La Plata do Revolución Federal e outros pelo país, tem pichações com referências ao batalhão Azov, milícia neonazista, enquanto Fernando Montiel, que disparou uma arma contra Cristina, leva tatuagens idênticas. O Azov esteve envolvido na “Revolução de Maidan” de 2014, que derrubou o governo eleito do país, levando à fuga do presidente Viktor Yanukovych.

Hernán Carrol, ex-candidato de La Libertad Avanza (LLA), quem apresentou Bullrich e Milei, foi a última pessoa com quem Brenda Uliarte falou antes de ser presa. Apesar de ele ter se distanciado dos dois, Montiel, preso, pediu que Carrol designasse seu novo advogado. Afirma Irina Hauser: “No arquivo (judicial) há, por exemplo, algo que nunca foi mostrado, que é uma foto de Fernando Sabag Montiel, o assassino fracassado, com Javier Milei. São inúmeras as expressões de Brenda Uliarte em que diz querer conhecer Milei, e demonstrações de que estava seguindo seus passos.”

Não esqueçamos a Internacional Fascista de Steve Bannon. Javier Milei e Eduardo Bolsonaro são figurinhas carimbadas no Conservative Political Action Conference (CPAC) o “maior evento conservador do mundo”. (Agência Pública, 7 de agosto de 2023).

Algumas falas de Milei depois da vitória foram bastante firmes: “Nessa nova Argentina, não há lugar para os violentos. Não há lugar para os que violam a lei para defender seus privilégios. Seremos implacáveis com aqueles que querem usar a força para defender seus privilégios”.

Ainda mais se lembrarmos de outras mudanças previstas por ele: “Estamos a trabalhar numa nova lei de segurança interna, numa nova lei de defesa nacional, numa nova lei de inteligência, na reforma do código penal e na reforma do sistema prisional”. (Sidecar/ New Left Review – A Terra é Redonda, 10 de outubro de 2023).

Segundo Milei o déficit fiscal cria a crise; podemos nos perguntar o que o déficit de liberdade e justiça criará.

Afonso Junior Ferreira de Lima – historiador, Mestre em Filosofia (PUCRS), doutorando UNB.

Fontes:

https://www.brasildefato.com.br/2022/10/21/membros-de-grupo-extremista-argentino-sao-presos-por-incitacao-a-violencia-e-ao-delito

https://www.telam.com.ar/notas/202309/641551-grabois-revolucion-federal-la-libertad-avanza.html

https://www.ambito.com/politica/atentado-cristina-kirchner-denuncian-nuevas-amenazas-revolucion-federal-n5854266

https://www.pagina12.com.ar/604322-nuevas-amenazas-contra-cristina-kirchner

https://www.pagina12.com.ar/491153-quien-es-hernan-carrol-las-contradicciones-del-ultraderechis

https://apublica.org/2023/08/eduardo-bolsonaro-teve-125-reunioes-com-membros-da-extrema-direita-do-continente/

https://www.c5n.com/politica/quien-es-hernan-carrol-el-militante-milei-vinculado-al-atentado-contra-cristina-kirchner-n86350

https://www.infobae.com/leamos/2023/11/13/atentado-a-cfk-del-misterio-de-los-celulares-a-la-foto-de-sabag-montiel-con-milei/

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/633174-a-motosserra-de-javier-milei

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