Bolívia vive golpe de ultra-direita, racista, misógino e patriarcal, afirmam especialistas

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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"É um golpe absolutamente racista, colonial e vinculada a um setor histórico de poder econômico", descreveu antropóloga Francisca Fernandez

Foto: Pagina12

Jornal GGN – A situação política e social em Bolívia vem agonizando desde a renúncia do presidente Evo Morales, o vice-presidente e diversos ministros neste 10 de novembro. Nesta terça (12), nova escalada de tensão despertou o país, em um duro conflito social provocado por aqueles que hoje tentam assumir o poder. De acordo com especialistas ouvidos pelo GGN, não se trata de uma simples oposição a Evo Morales, é um golpe cívico-militar e policial, de caráter reacionário, racista e de ultra-direita.

O fantasma da fraude eleitoral, que alavancou as primeiras fortes reações no país desde o resultado da vitória de Evo nas eleições do último 20 de outubro, alimentados por um relatório da Organização de Estados Americanos (OEA) que questionou a legitimidade dos votos e convocou as forças militares a atuarem por uma nova eleição no país, trouxe figuras de atuação nas ruas em perseguição política direta ao atual governo e seus membros.

“Nos roubaram as eleições, nos obrigaram a renunciar, isso é um assalto. Evo Morales não teve outra via, teve que ceder, teve que renunciar ante este iminente golpe de Estado e também à traição de certos setores que prometeram lealdade ao presidente”, afirmou Ronald Montecinos [leia mais aqui], coordenador do partido de Morales, Movimento ao Socialismo (MAS) no Exterior no Chile, ao GGN.

Com as ameaças, Evo Morales decidiu renunciar no dia 10 de novembro, seguida de renúncias de diversos membros do mandato, incluindo o vice-presidente Álvaro García Linera e a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, governista que teria a função de assumir o controle do país em sucessão a Morales. Na manhã de hoje, o avião do presidente renunciado estava a caminho do México, país que ofereceu asilo político ao então mandatário, enquanto que o líder opositor Luis Fernando Camacho convocou a polícia e as forças armadas a empreender uma busca contra Morales, logo após ordenar a sua prisão.

“Estamos diante de um golpe de Estado perpetuado pela polícia e militares, mas principalmente pela extrema direita. (…) Se por um lado está inserido em um contexto de conflitos políticos, é um golpe absolutamente racista, colonial e novamente podemos dizer que setorial, vinculada a um setor histórico de poder econômico, que está na zona oriente de Bolívia, Santa Cruz especificamente”, analisou a acadêmica e antropóloga Francisca Fernandez.

Especialista em estudos andinos, a antropóloga da Universidade Academia de Humanos Cristiano, do Chile, atua em comunidades Aymaras, de Bolívia, Chile e Peru. Ela reconhece que o governo de Morales trouxe avanços na recuperação territorial para os povos originários do país, mas que também cometeu erros, dentro do Movimento ao Socialismo (MAS), de reproduzir lógicas de hierarquia e autoritarismo, além de políticas econômicas extrativistas.

“Há um clima muito complexo e é importante levar em consideração que a crítica a Evo Morales não é unitária, diferente do que hoje se instalou. A que se instalou agora é da ultra-direita, que é contra tanto Morales e seu governo, quanto também dos setores campesinos, indígenas, feministas e sócio-ambientais mobilizados”, pontuou. “Estamos diante de ataques racistas, misóginos e patriarcais”, alarmou Francisca Fernandez.

 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

12 Comentários

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  1. Me parece que esse tal de Luis Fernando Camacho é mais um “autoproclamado presidente”, não?
    Quem deu autoridade a ele para comandar militares e pedir a prisão desse ou daquele cidadão?
    A coisa vai feder por lá, pois pelo que sei, os campesinos e indígenas de lá não são bundões e passivos como os daqui.

    1. E não são mesmo!Eles são povos que trazem espírito de antepassados que eram guerreiros. Muitos ainda só falam quéchua, aimará e outros dialetos entre eles. Aliás os únicos bundões e metidos a espertos em toda a AL estão aqui no Brasil. As p@#&as das reformas trabalhistas, previdenciária são aprovadas e ninguém aí. Depois quando ouço pobre e classe média de direita defendendo o mercado e as tais reformas eu lembro do meu avó falando para mim no início da década de 70: ” meu neto, o Brasil não tem furacão, terremoto, vulcão, mas Deus mandou para cá um povinho de m@#$& ….”.
      Hoje saiu a notícia que o desempregado , ou seja, um $#@*&*, ao receber o seguro desemprego vai pagar INSS. Enquanto isso os ricos estão rindo o Brasil se tornando a 2ª nação no mundo de bilionários(segundo IBGE). Todo o dia eu lamento por viver no meio desta passividade e egoísmo. E tem tanta gente dentro das igrejas e templos customizando deus, jesus, o despertar e a salvação….

  2. Mas alguém precisa responder às acusações da direita que de o sobre o artigo 168 da constituição boliviana (proposta por Evo) prevê mandato de 5 anos com direito a uma reeleição. Evo Morales tentou um referendo em 2016 para permitir uma nova reeleição e perdeu. Aí entra com uma petição na Justiça Eleitoral e consegue uma decisão que o autoriza a disputar. Pode isso Arnaldo?

  3. E destaco uma consideração acerca do perfil atual da OEA. Parece ter se degradado profundamente, transformando-se numa entidade que apoia interesses inconfessáveis contra os direitos e soberania dos países da América Latina.

  4. Eh muito grave o que esta acontecendo na América do Sul. A desestabilização de governos não se dah sem apoios e sabemos muito bem de onde vem o apoio para que se derrube, sempre, governos populares de esquerda.

  5. Não é preciso gastar tanta retórica. Evo foi vítima de um velho vício sul-americano: o caudilhismo. Seja de direita ou de esquerda, é sempre a mesma coisa: enquanto há popularidade, tudo é festa; quando a popularidade acaba, aí muda todas as leis para permanecer no poder a vida inteira.

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