Análise

Jair, Elon Musk, XP, a desinformação e o terrorismo econômico, por Eliara Santana

Jair, Elon Musk, XP, a desinformação e o terrorismo econômico

por Eliara Santana

O sistema de desinformação, muito bem estruturado para produzir e disseminar conteúdo danoso, notícias falsas, discurso de ódio, em resumo, desinformação gravíssima, precisa ser alimentado. Quando falo sobre essa estrutura, não estou me referindo a um agrupamento de pessoas desocupadas que ficam nas redes sociais criando mentirinhas idiotas.

Estou falando de um sistema estruturado e complexo que tem financiamento para produzir e disseminar conteúdo falso e danoso para, intencionalmente, desinformar e causar danos a grupos ou instituições.

Pois bem, refletindo sobre esse sistema no Brasil e o impacto dele nas eleições deste ano e no futuro da democracia por aqui, quero retomar dois momentos recentes e refletir com vocês sobre como tudo isso pode estar interligado – e sobre como tudo isso deve nos preocupar bastante.

Vou começar pelo final, relembrando o caso XP. No dia 8 de junho, a mídia noticiou que a corretora XP Investimentos havia desistido de publicar a pesquisa feita sob sua encomenda pelo Instituto Ipespe – a pesquisa vinha sendo divulgada semanalmente. Na pesquisa anterior, o Instituto já havia sinalizado a vantagem do ex-presidente Lula em relação a Jair, o incomível. E o mais importante: havia apurado que a maioria do eleitorado considera Lula mais honesto que Jair. Pois bem, as redes bolsonaristas, capitaneadas por Flávio Bolsonaro, se movimentaram e começaram a atacar a corretora; ministros de Jair também ligaram para reclamar. Então, “sensibilizados” pelas movimentações, clientes de peso – essencialmente o agro é pop – começaram a fechar as contas e a retirar os investimentos da corretora. Não estou falando daquela poupancinha suada de 30, 40 mil reais – estamos falando dos investimentos do agronegócio. Portanto, o recado foi claro: não divulguem coisas que não queremos que todos saibam, porque vamos retirar a grana. Como ressaltou o cientista político Leonardo Avritzer em artigo recente para o site A Terra é Redonda, “o fato de que eles, antes do processo eleitoral, se disponham a não publicar uma pesquisa reforça as suspeitas de que os instrumentos da democracia estão sendo questionados por amplos setores no início do processo eleitoral e de que as pesquisas, instrumentos legítimos da aferição da opinião pública, serão atacadas nesse processo”.

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O outro episódio que me chama a atenção é a visita inédita e surpreendente de Elon Musk ao Brasil em maio – trata-se do homem mais rico do mundo, dono da Tesla e apoiador da extrema-direita. Na ocasião, ele se encontrou com Jair, o incomível, num resort de luxo no interior de São Paulo – Jair e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, se deslocaram até lá para o encontro, que não estava na agenda oficial. Segundo as informações oficiosas, a visita era para lançar um projeto que envolvia a rede de satélites da SpaceX, de Musk. O bilionário, que deve pertencer à Sociedade São Vicente de Paulo, tamanha bondade e desprendimento, disse que o projeto vai trazer internet de alta velocidade e conectar escolas na zona rural, além de monitorar a Amazônia. O curioso é que já existe monitoramento da região, feito pelo Inpe, que foi, inclusive, desbaratado por Jair, o incomível, porque ele não gostou dos dados apresentados. Bem, Musk, antes da visita, chegou a quase comprar o Twitter, o que foi festejado pela extrema-direita nos quatro cantos do mundo, aqui inclusive. Isso porque Elon Musk, bilionário, é defensor de um arremedo que ele adora denominar de “liberdade de expressão” – que para ele e a extrema-direita significa falar tudo o que quiser e censurar o opositor. Musk já havia feito várias críticas à moderação de conteúdo do Twitter, que impõe restrições à divulgação de fake news. Além de Jair, Musk também já manteve encontros com Donald Trump e Recep Erdogan.

Muito bem, vamos então tentar alinhavar esses acontecimentos e costurar um cenário. O primeiro aspecto é que o sistema de desinformação precisa de grana, muita grana para manter a estrutura em funcionamento. E ele foi, é e continuará a ser bem alimentado por vários matizes do capital predatório no Brasil – financeiro, agronegócio, empresários bolsonaristas, bilionários em geral – além dos agrupamentos políticos que ora estão no poder. No Brasil, há um grande número de sites com ótima estrutura de produção de fake news e desinformação em geral, e esse conteúdo é jogado nas redes bolsonaristas e se espalha feito pólvora, porque a rede de distribuição é igualmente excelente e articulada. As redes são inundadas com informações falsas sobre a veracidade das pesquisas ataques às instituições, por exemplo, em uma pluralidade de gêneros – matérias, memes, videos, posts, cards – e numa velocidade de produção e disseminação bem impressionante. Não se faz isso sem muito, muito dinheiro.

O segundo aspecto é que há um terrorismo econômico explícito – não publiquem o que não queremos porque vamos retirar a grana, como exemplifica o caso da XP Investimentos – e isso se alia ao modus operandi do sistema de desinformação. Ou seja, terrorismo econômico + desinformação = caos.

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Um último aspecto especulativo para pensarmos nosso cenário é que o Brasil hoje se insere no rol de atenção do mundo exatamente pelo potencial danoso desse sistema de desinformação à democracia num país gigantesco e plural. Jair, o incomível, pelo cargo que ocupa, pode se cacifar como um líder da extrema-direita mundial (eu sei, ele é idiota, mas isso não vem ao caso). Erdogan, da Turquia, está num país menor e oriental; Marine Le Pen fala para a intelectualidade francesa; sobram Trump – fora do poder – e Jair, presidente do maior país da América Latina, que falam para as massas e são capazes de movimentar redes obscuras de desinformação. Portanto, Jair terá ajuda, não duvidemos.

Claro, tudo isso também é especulação dessa que escreve a vocês. Mas acho prudente ficarmos atentos às várias movimentações para não sermos, de novo, surpreendidos de calça curta.

Eliara Santana é uma jornalista brasileira e Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), com especialização em Análise do Discurso. Ela atualmente desenvolve pesquisa sobre a desinfodemia no Brasil em interlocução com diferentes grupos de pesquisa.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepauta@jornalggn.com.br.

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Eliara Santana

Eliara Santana é doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora associada CLE/UNICAMP, onde participa do projeto Pergunte a um/uma Cientista. É integrante do Observatório das Eleições. Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.

Eliara Santana

Eliara Santana é doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora associada CLE/UNICAMP, onde participa do projeto Pergunte a um/uma Cientista. É integrante do Observatório das Eleições. Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.

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  • “Follow the money”. Essa todo mundo conhece. Tem outra: “Collide with man, collude with money”. Algo assim como, ‘topou com ser humano, se meteu com dinheiro’.
    Desses assuntos, os americanos (e anglófonos em geral, espalhados pelo mundo - incluindo a África do Sul) entendem tudo.
    Assim como o trabalhador se aliena ao trabalho, o capitalista se aliena ao capital, e sua forma anterior, o dinheiro.
    Tudo, absolutamente tudo, em que o homem que não necessita vender sua força de trabalho, se mete a fazer, visa única e exclusivamente a obter lucro.
    É preciso aceitar que considerações éticas, morais, humanistas, solidariedade, justiça, todas essas coisas que fazem a glória do discurso humanista/progressista, não tem valor de mercado. Não rendem juros, dividendos, não geram ganhos materiais. Ponto.
    Essas tais considerações, que enumerei no parágrafo anterior, lidam, ou fazem parte, ou tem como finalidade, a VERDADE.
    Logo, a Verdade não é lucrativa; não dá retorno. Aplicando lógica formal, aristotélica, ou a dialética hegeliana, o que for, não é difícil constatar que seu contrário, a Mentira, é lucrativa e dá retorno.
    Evidentemente, a mentira tem pernas curtas; hoje, dir-se-ia, sua cotação fica em alta por pouco tempo; uma vez vendida, recompram-se essas mentiras com a moeda da verdade, já desvalorizada pelo movimento anterior, e embolsa-se a diferença.
    O Mundo é uma bolsa, uma carteira de investimentos, e seus curadores são os gestores de fundos de investimentos, mentindo, vendendo na alta, aguardando a verdade, e recomprando na baixa. E, como sempre, tudo muda, para que fique sendo a mesma coisa.
    Pilatos perguntou, ‘O que é a verdade’, mas Jesus não quis responder. Quantas mortes, guerras, massacres, etc., poderiam ter sido evitados, se ele tivesse respondido - seja lá o que for a tal verdade. Não respondeu, e aqui estamos nós, mais de dois mil anos depois, ainda sem a mínima pista da resposta.
    E, enquanto isso, o homem tornou-se esperto o suficiente para criuar suas próprias verdades, lucrar com elas, aguardar seu desmascaramento, e lucrar ainda mais.
    “Collide with man, collude with money”.
    Onde o homem está, está o lucro. Mesmo radical latino que gerou a palavra ‘logro’, e que tinha o mesmo significado, mas que, com o tempo (por que será?) ganhou o significado de engano, ou embuste.

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