Artes

Criando uma Agenda Cultural (III), por Walnice Nogueira Galvão

Criando uma Agenda Cultural (III)

por Walnice Nogueira Galvão

Modificando a fisionomia da cidade, começaram a surgir construções de concepção vanguardista devidas a arquitetos modernistas. Entre elas, estádios de futebol como o  Pacaembu, com projeto Art Déco de Severo e Villares, em 1940; e o Morumbi, de Vilanova Artigas, em1960.  Em 1950 ergue-se o Teatro Cultura Artística, de Rino Lévi: felizmente o mural de Di Cavalcânti na fachada escapou do último incêndio. Logotipo e assinatura da cidade, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista, projetado por Lina Bo Bardi, foi fundado em 1947 mas só inaugurado em 1959. O Museu de Arte Moderna, o MAM, fundado em1948, transferiu-se da Sete de Abril para um pavilhão de Oscar Niemeyer, no Parque Ibirapuera.

São contemporâneos o Teatro Brasileiro de Comédia em 1948 e a Companhia Cinematográfica Vera Cruz em 1949, empreitadas do industrial Franco Zampari. O TBC nasceu na Faculdade de Filosofia da USP, a partir do Grupo Universitário de Teatro, o GUT (1943), conjunto amador de alunos dirigido por Decio de Almeida Prado e Lourival Gomes Machado, futuros professores da casa. TBC e Vera Cruz profissionalizaram seu pessoal, modernizaram o repertório e elevaram o nível geral.

Atendendo a necessidades mais amenas, o Bar do Museu, no MAM da Sete de Abril a partir de 1948, e o Clubinho dos Artistas e Amigos da Arte no Instituto dos Arquitetos a partir de 1949, desempenharam papel decisivo na manutenção da sociabilidade modernista, festeira como se sabe.

Data de 1949 a criação da Filmoteca Brasileira, também anexa ao MAM, que passaria a Cinemateca independente em 1956.

Assinala-se em 1953 o surgimento da Escola de Samba Verde e Branco, precedida pela VaiVai em 1930 e pela Lavapés em 1937.

A Bienal Internacional de São Paulo é criada em 1951 e terá sua maior edição em 1953, demorando-se propositadamente até o ano seguinte para coincidir com as celebrações do IV Centenário da cidade, para tanto mobilizando fartos recursos. Foi de uma opulência incalculável: nada menos que 100 obras de Picasso, inclusive a monumental Guernica. Sem falar em retrospectivas completas dos mais reputados artistas plásticos do planeta.

Entre os festejos do IV Centenário conta-se o Congresso Internacional de Escritores, que convocou relevantes figuras das letras e até um prêmio Nobel como William Faulkner. E ainda o Festival Internacional de Cinema, a que acudiram delegações não só de Hollywood com a presença de astros de grande popularidade como Errol Flynn, mas também o maior crítico de cinema da época, o francês André Bazin. Entre eles, um ícone do cinema erudito, o alemão Erich von Stroheim. O festival exibiu 300 filmes de 23 países. Oswald de Andrade dedicou duas crônicas ao evento, em sua coluna “Telefonema”, no Correio da Manhã. Modernistas e seus continuadores participaram  tanto do simpósio literário quanto do cinematográfico. 

Integrando os festejos, foi inaugurado o Parque Ibirapuera, obra de Oscar Niemeyer, que muitos anos depois interviria novamente na paisagem de São Paulo com o Memorial da América Latina, em 1989.

Datam ainda do IV Centenário  o Balé da Cidade e a lei de criação da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, então sob a batuta de Eleazar de Carvalho.

Outro passo especial foi dado quando O Estado de S. Paulo  criou o Suplemento Literário. Planejado por Antonio Candido e dirigido por Decio de Almeida Prado entre 1956 e 1968, concentraria  a nata da produção universitária e se tornaria um modelo.

E em 1962 foi a vez de dois passos fundamentais para o saber: a criação da Fapesp e do Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB). A primeira, que cresceria até se tornar a potência que é hoje, cuidaria da pesquisa científica. O segundo reuniria todas as disciplinas “brasileiras” da Universidade, tendo seu ponto alto em 1968 quando da aquisição do Fundo Mário de Andrade, com suas coleções incomparáveis, foco de pesquisas e produções que até hoje não se esgotaram.

A Agenda Cultural, como vimos, estava pronta antes que se passasse um século desde a Semana de 22.  De lá para cá acrescentaram-se gradativamente mais realizações, que foram aprimorando estas aqui elencadas.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Leia também:

Criando uma Agenda Cultural (I), por Walnice Nogueira Galvão

Criando uma Agenda Cultural (II), por Walnice Nogueira Galvão

Um festival de verão, por Walnice Nogueira Galvão

Walnice Nogueira Galvão

Walnice Nogueira Galvão

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  • É preciso fazer uma ressalva. O Estádio do SPFC, Clube que representa toda a vanguarda e primazia da Nação Brasileira guiada pelas excelência Paulista é Obra Privada. Com Dinheiro Privado do próprio Clube e seus Associados. Maior do Mundo. Não á toa representa SÃO PAULO, sua Liberdade, sua Democracia, sua Vanguarda, sua Evolução, sua Sociedade Civil Farol e Porto Seguro da Humanidade. Todo restante é Obra Pública de um período obscuro onde a Nação Brasileira se enterra, entre Corrupção, Superfaturamentos e Cleptocracia. A maquete é do Estádio do Morumbi. Estádio Cícero Pompeu de Toledo. Lar do SOBERANO. Maior de Todos. Sacro Santo Templo do Futebol. (o abismo para o restante dos exemplos é intransponível)

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