A agonia do governo fascista será lenta, desgradual e insegura, por Wilson Luiz Müller

Formou-se um quase consenso na sociedade civil organizada de que o bando em ação (radiografado na reunião) levará o país ao descalabro, ao totalitarismo e à convulsão social.

A agonia do governo fascista será lenta, desgradual e insegura

por Wilson Luiz Müller

Dois fatos recentes decretaram o fim do governo Bolsonaro: a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril e a operação do STF contra o gabinete do ódio. O que foi revelado era de conhecimento público. Mas há uma diferença fundamental entre o antes e o depois desses eventos. Uma coisa é ler a notícia de que um menino negro, chamado João Pedro, foi morto pela polícia. Outra coisa é ver o cidadão negro George Floyd sendo trucidado na frente das câmeras, durante cinco intermináveis minutos.

Assistindo à reunião ministerial tem-se uma sensação semelhante ao que sentimos ante o vídeo repugnante do assassinato de Floyd. A respiração aperta, ficamos sem ar, relutamos em crer naquilo que se apresenta a nossos olhos. Passamos a ter a clara noção de que o poder máximo do nosso país foi tomado por um bando de gente da pior espécie. Na reunião foram esboçadas defesas entusiasmadas de matança em massa de brasileiros (“quero todo mundo armado” não era uma convocação pacifista!), vis aproveitadores propuseram usar a comoção das mortes da pandemia para destruir o meio ambiente, mentirosos asquerosos e machistas e descarados usurpadores da coisa pública desfiaram argumentos desprezíveis.

A reunião comprova na prática as teses sociológicas que afirmam que o fascismo –  nazismo no caso do governo Bolsonaro – atrai para si o fascínio dos medíocres. Porque o nazismo oferece aos frustrados uma sensação de empoderamento; dá-lhes a oportunidade de vingar-se da sociedade pela frustração de não terem tido sucesso na sua vida pessoal. Perseguem a felicidade alheia. Não os move o desejo de construir algo positivo; procuram antes a ruína dos outros.

Fica patente no vídeo  o ódio aos pobres, a incivilidade, o desejo doentio de humilhar os mais vulneráveis, a intolerância completa em relação aos diferentes. Ou seja, aquilo foi uma típica reunião nazista. A sensação é de um bando de fascínoras ajoelhados em cima do pescoço da gente. E enquanto nos sufocam, gritam ofensas e impropérios, roubar nossas riquezas e tocam fogo em tudo que se mexe ao redor.

Enquanto vemos o bando em ação, a operação do STF contra o gabinete do ódio revela como ele chegou ao poder, como se mantém ali às custas de uma eficiente e clandestina máquina de propaganda nazista, financiada, pelos indícios até agora revelados, por recursos públicos e por dinheiro ilegal de empresários.

Bolsonaro chegou a alertar seus comparsas de que muitos dos presentes na reunião seriam presos caso o governo fosse derrotado, ou eles teriam que fugir do país. Essas preocupações revelam o cometimento de crimes ou a intenção de cometê-los. Senão, por que razões eles seriam presos ou teriam que fugir do país?

Não houve uma voz discordante na reunião, homogeneidade que é uma característica marcante dos regimes fascistas. O mito-führer manda com gritos histéricos e palavrões  (que não podem ser reproduzidos), os seguidores obedecem. Havia uma uníssona concordância com a fala dos protagonistas mais eloquentes. Quem não falou, aderiu ao tratado na reunião com seu silêncio conivente.

Todos na reunião ministerial se fizeram iguais.

Havia os sorrateiros destruidores ambientais;

havia dinheiro público entregue aos bilionários pelos ultraliberais;

havia privilégios a si concedidos por covardes generais;

vergonha e escrúpulos não havia;

para nazistas nada é demais.

A conjunção desses fatos, somado à total incapacidade do governo em dar respostas à explosiva crise econômica e social, traz a percepção de que governo não representa a sociedade brasileira. Os que ainda defendem o governo são tão picaretas e aproveitadores como os integrantes da famigerada reunião.  É nesse sentido que se pode afirmar que não há mais governo, mas tão somente um bando que tenta se blindar à força no poder para obter às pressas algum proveito próprio.

Formou-se um quase consenso na sociedade civil organizada de que o bando em ação (radiografado na reunião) levará o país ao descalabro, ao totalitarismo e à convulsão social. A tomada de consciência sobre a situação criada pelo desgoverno não significa que o governo Bolsonaro acabou. Mas as peças no tabuleiro mudaram.

Os dois terços da população brasileira contrária ao governo, que vinha assistindo passivamente a destruição promovida pelos fascistas de plantão, começou a se mexer. Surgiram manifestos em defesa da democracia reunindo pessoas da esquerda à direita não fascista. Milhares de pessoas de diferentes organizações civis, em vários pontos do país, voltaram a protestar nas ruas contra o governo. Sem entrar no mérito dos acertos ou eventuais erros dessas iniciativas, o fato marcante é que a sociedade começou a se movimentar para pôr fim aos desmandos do governo fascista.

Evidente que não bastam manifestos e passeatas. Mas essas iniciativas são imprescindíveis para forçar as instituições a agir de modo a fazer respeitar o ordenamento jurídico. Com exceção do Supremo Tribunal Federal (que agora retoma seu protagonismo na defesa da Constituição Federal), todas as demais instituições, ou haviam se acovardado, ou haviam sido cooptadas pelo ideário bolsonarista. Apenas a pressão organizada da sociedade fará com que essas instituições voltem ao leito normal da atuação legalista de defesa do Estado de direito e não da defesa do governo de plantão.

A inércia das instituições – o adesismo ao ideário bolsonarista, talvez fosse correto dizer – precisa ser firmemente combatido pela sociedade civil, tanto quanto o corporativismo oportunista que se manifesta nessas horas em que algumas autoridades, a título de defender a democracia, pretendem impor pautas cujo único objetivo é o fortalecimento do poder de barganha de sua própria corporação. Um exemplo disso é o manifesto dos procuradores do Ministério Público Federal invocando o retorno da escolha do Procurador Geral pelo critério da lista tríplice.

A sociedade brasileira pode aproveitar esse momento de crise intensa – inclusive das instituições – para discutir controles democráticos sobre a atuação das autoridades com poder de investigação e de polícia.

Não é porque o MPF, agora sob a liderança de Aras, passou a ser conhecido como PGdoB – Procuradoria Geral do Bolsonaro, que se justifica o retorno da escolha do  Procurador Geral pelo método da lista tríplice. Esse critério foi adotado nas gestões de Lula e Dilma. Qual foi o resultado? Os procuradores da república se investiram de tal poder que alguns deles, exercendo postos-chave, passaram a achar que estavam acima da Constituição Federal, que cabia a eles, e tão somente a eles, decidir questões como:  derrubada de presidentes da república; destruição do sistema político vigente; atuação com autoridades estrangeiras (escondendo a informação das instâncias competentes do Governo – Ministério da Justiça) para aplicar multas, a favor de outros países, contra empresas nacionais – Petrobras (tudo isso foi revelado pela Vaza Jato em publicações do The Intercept e outras mídias).

Há duas balizas principais para orientar a discussão sobre o papel das instituições estatais e das autoridades com poder de investigação, de polícia e de fiscalização:

1 – deve ser atendido o princípio da autonomia em relação ao governo de plantão, porque os órgãos existem para atender ao Estado e não ao governo. O Estado tem uma dimensão permanente voltada aos interesses da coletividade;

2 – deve ser atendido o princípio da impessoalidade. Numa dimensão mais ampla, significa que, nem o agente estatal nem a corporação a qual ele pertence, deve se orientar por diretriz outra que não seja o interesse público. Significa que a sociedade precisa encontrar meios democráticos para controlar o excesso de poder de determinadas autoridades públicas que por vezes capturam o Estado em benefício de interesses ideológicos, financeiros e corporativos.

Os governos Lula e Dilma erraram por implementar uma autonomia quase absoluta para os agentes estatais à frente das instituições da república, o que resultou nos desvios acima cometidos.

O governo Bolsonaro retomou a velha e condenável prática do aparelhamento dos órgãos públicos, nomeando dirigentes ideologicamente alinhados com o governo para defender os interesses presidenciais. Ou seja, as instituições são cooptadas para não cumprir o ordenamento jurídico que garante a realização das demandas da sociedade. Elas agem para defender o governo. Quando o governo atende aos interesses de uma parcela ínfima da sociedade, significa que as instituições estatais passaram a trabalhar contra a sociedade.

No entanto, assim como na sociedade há mudança de correlação de forças, também as instituições são mutáveis. Esse é mais um aspecto que marca a importância das manifestações dos diversos segmentos sociais contra o governo. Exercendo pressão, a sociedade tende a empurrar as instituições para o leito normal da defesa do Estado do direito, o qual é diametralmente oposto ao estado de coisas implantado no país nos últimos anos.

A luta antifascista não pode prescindir de fazer uma cobrança enfática para que todos os agentes públicos se mantenham fiéis ao seu compromisso de servir ao Estado. Um atendente de uma repartição e um general das Forças Armadas tem esse mesmo e único compromisso: não são funcionários do Bolsonaro, são servidores do Estado. Devem fidelidade unicamente às leis e à Constituição Federal.

A agonia do governo fascista será lenta, desgradual e insegura. Mas nada poderá deter a marcha dos acontecimentos de ora em diante. A sociedade deverá mobilizar suas melhores energias. Precisamos de todos, dos ferrenhos e combativos militantes de esquerda aos  democratas de centro e direita.

O povo brasileiro precisará construir a unidade em torno da democracia e dos direitos sociais consagrados na Constituição cidadã. Hora de começar a proclamar em alto e bom som:

Não passarão!

Wilson Luiz Müller – Integra o Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

Redação

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