A ameaça em gestação é algo mais profundo que a tradicional troca de guarda, por Roberto Amaral

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A ameaça em gestação é algo mais profundo que a tradicional troca de guarda

por Roberto Amaral

O presidente do TSE, o inefável ministro Gilmar Mendes, após inexplicado café da manhã com a cúpula do PSDB, determinou a abertura de processo com vistas à cassação do registro do Partido dos Trabalhadores (PT), o partido da atual presidente da República e do ex-presidente Lula, enfim, partido que ganhou as quatro últimas eleições presidenciais.

A proscrição de um partido politico não é fato trivial em uma democracia. Na República inaugurada em 1946, no governo do Marechal Dutra e no auge da Guerra Fria, foi cassado o registro do Partido Comunista do Brasil que emergiria após mais de uma década de clandestinidade elegendo pouco mais de uma dezena de deputados federais e um senador (Prestes).

A exclusão dos comunistas do sistema político-partidário é consumada em janeiro de 1948, com a cassação dos mandatos de todos os parlamentares. Em seguida, o Brasil rompe relações diplomáticas com a União Soviética, caminhando para além das recomendações do Departamento de Estado dos EUA.

A última vez em que tivemos cassação de partidos políticos – e foram todos os de então – ocorreu com o Ato Institucional nº2, de 1965, sustentado pelas baionetas do regime castrense.

O ministro Gilmar Mendes, “aquele que não disfarça”, é relator das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff. Apesar de aprovadas essas contas, o ministro, militante irresignado, continua pedindo apurações, determinando diligências.

Foi também esse ministro o relator do mandado de segurança interposto pela advogada Marília de Paula Silveira – (professora do Instituto do qual o ministro é sócio majoritário) – com pedido de liminar, por ele concedido, impedindo a posse de Lula na chefia da Casa Civil da presidente Dilma e assim interferindo, direta e deliberadamente, na crise politica, visando ao seu agravamento e a uma saída contra o governo Dilma.

Não estamos diante de fato isolado, mas da demonstração de como o STF, por um de seus membros e agora presidente do TSE, participa, como ator, do golpe de Estado atípico em curso hoje no Senado Federal.

A iniciativa do ministro é concertada na primeira instância com iniciativas que – desde Sergio Moro até um juiz anônimo de uma vara federal do Distrito Federal, passando pelo Ministério Público de São Paulo – visa a, depois da humilhação e do linchamento moral, de que se encarregou a grande mídia, transformar Lula em réu, em condenado, em presidiário, afastando-o de qualquer possibilidade de disputa das eleições prometidas para 2018.

O golpe quer garantias de longevidade. Aliás – e eis um segredo de polichinelo – Lula já está, e de há muito, condenado, e para sua prisão já foi preparada a opinião pública; resta engendrar a acusação e organizar o processo.

Na insaciável fome de poder do novo Moloch não basta, portanto, a apropriação do mandato de Dilma Rousseff; mesmo ainda não concluída a manobra do impeachment, os presumidos novos donos do poder já cuidam de evitar o retorno dos decaídos.

Se é impossível derrotá-los seguindo o rito democrático das eleições, eliminem-se Lula e o PT. Se é impossível afastá-los da liça, elimine-se o processo eleitoral. É preciso liquidar o PT e jogar ao mar suas cinzas para que jamais renasçam, seja ele mesmo, seja o que chegou a representar no processo político brasileiro, incluídas as lutas sociais e sindicais e a organização popular pós-ditadura.

Esse é o preço antecipadamente cobrado para que tenhamos as eleições de 2018, porque essas terão de ser eleições consagradoras do status quo: o projeto neoliberal-conservador não pode ter sua continuidade ameaçada pela soberania popular.

O sistema tem viva a memória de 1965, quando o varguismo golpeado em 1954 retornou ao poder com as eleições de Juscelino e Jango.

Eleições sim, mas apenas com segurança.

O que fazer, porém, com as regras do jogo democrático? Às favas com elas, como louvava o coronel Jarbas Passarinho, recomendando ao general Costa e Silva a assinatura do Ato Institucional nº5, conhecido como ‘o golpe dentro do golpe’.

O honrado senador Cristovam Buarque (com quem tive a honra de integrar o primeiro ministério do presidente Lula, não sei se ele ainda se lembra disso), na companhia de seus agora colegas Romero Jucá e Ronaldo Caiado, dirá que tudo isso está na ordem natural das coisas, lembrando um certo personagem de Voltaire: “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”.

Só não vê o curso do golpe quem não quer. Ou quem não pode vê-lo para não entrar em crise com o próprio passado. E o golpe que nos assusta não é apenas este que se apresenta ameaçando efetivar a troca da presidente eleita por um vice perjuro e sem voto, porque o golpe é isto que se expõe à luz do dia, mas é também o que se escamoteia, o que se sonega, o que está por vir e que apenas se insinua nos atos do governo interino: a regressão social, a regressão política, a regressão econômica, a regressão conservadora. Enfim: a busca retroativa do passado travestido de modernidade.

O golpe em curso se distancia do putsch e da quebra da legalidade, o que, aliás não representa qualquer novidade em nossa história, pois as elites econômicas sempre dispuseram de juristas competentes todas as vezes em que tiveram de intervir para ‘corrigir’ o processo eleitoral, pois o nosso presidencialismo admite eventuais vitórias de representantes de forças populares dissociadas do bloco hegemônico.

Esse golpe, contrariando o modelo clássico, não veio de surpresa, nem lançou mão da violência clássica. Tampouco se construiu de uma vez; é golpe de caráter continuado, que se instala através de manobras sucessivas, peça por peça, que, começando pela tomada do poder político, caminhará para a construção de uma nova hegemonia, conservadora, nos planos político e econômico.

Cuidadosamente planejado, instala-se como uma efetiva sedição levada a cabo nas entranhas do poder. Na busca do formalismo legal (os autores dos golpes, de todos os golpes em todo o curso da história, deles se envergonham), o golpe adquire sua feição transformista com a roupagem do impeachment, mas de um impeachment sem o crime de responsabilidade exigido pela Constituição, num julgamento de cartas marcadas, com votos já negociados e já anunciados.

É o velho e sonhado projeto político-empresarial que, com o concurso de setores majoritários do Poder Judiciário (em suas diversas instâncias, inclusive no STF) e de setores da burocracia estatal e do Ministério Público Federal, objetiva a remoção de um governo legítimo, derivado do voto e comprometido com os interesses populares, e sua substituição por um arranjo das elites para pôr em prática, projeto em curso, uma agenda antipopular que nenhum candidato defenderia em campanha eleitoral, e cuja efetivação – quem viver verá — exige um governo autoritário amparado por uma ordem legal adequadamente revista, como, aliás, já vivemos mais de uma vez, na história republicana.

É a promessa de uma ‘ditadura de novo tipo’, como primeira consequência do golpe parlamentar. Do pacto de elites receberá o apoio estrutural necessário, enquanto os meios de comunicação assegurarão o monopólio ideológico, fechando o círculo.

No altar desse pacto governante brilha o poder do chamado “mercado”,  o ‘Rei sol’ da modernidade,  agente político sem carteira de identidade, sem CPF, sem residência conhecida, sem rosto, mas (por isso mesmo?) onipresente, poderoso, vigilante, fazendo efetivos seus interesses de classe. O projeto, de hoje e de sempre, não é necessariamente a presidência da República – o poder simbólico –, que pode ser exercido por delegação (como, aliás, ocorre nesta interinidade), mas o poder real, que já abocanhou com garras e presas e dele não se deixa apartar, como a hiena faminta que não abandona a presa.

É o controle do Ministério da Fazenda e suas adjacências, do Banco Central, do comércio externo, abocanhado pelo delatado chanceler, eterno presidenciável.

O ‘primeiro-ministro’ desse parlamentarismo de conveniência é o banqueiro goiano assalariado da banca internacional, Henrique Meirelles, cuja missão (ele cumpre missão, não se trata de sujeito histórico), anunciada, é um programa que compreende juros altos, ajuste rigoroso para os pobres e facilidades para o 1% que controla a avenida Paulista, livre fluxo de captais, flexibilização dos direitos trabalhistas e mais restrições aos aposentados, revisão das politicas de compensação social, desarticulação da escola pública, fragilização do Estado e desnacionalização da economia – a começar pela desmontagem do pré-sal.

Enfim, trata-se da implantação de governo que, como a gestão Campos-Bulhões de 1964, só pode ser sustentado por um regime burocrático-autoritário, naquele momento uma ditadura franca, agora, uma ordem constitucional ‘revisitada’ que dispensará a voz das casernas.

O que nos espreita no horizonte a olho nu é algo mais profundo, mais sério e ameaçador do que uma tradicional troca de guarda. Entre o céu e a terra há algo mais que a troca de Dilma por Termer. De uma forma e de outra, sem que a soberania brasileira tenha sido ouvida, perpetra-se o fim do Estado de bem-estar social prometido pela Constituição de 1988.

Roberto Amaral

 
 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Mas o partido do Senhor

    Mas o partido do Senhor Roberto Amaral apoia essa patifaria !!! é mais um garganta, como o Ciro gomes !!!

    Nada disso estaria acontecendo se o Roberto Amaral não tivesse dado tanto espaço a oportunistas que sequestraram o PSB, tornando o PT ainda mais dependente do PMDB, que deu essa rasteira… lembrando que o PSB apoia os retrocessos sociais.

  2. Resumo: Vocês brasileiros já

    Resumo: Vocês brasileiros já estão em outra ditadura. O que vocês vão fazer a respeito? Ou vocês são tão ingênuos ao ponto de que Temer irá permitir que ocorram eleições em 2018? São tão ingênuos ao ponto de achar que Gilmar Mendes irá garantir as eleições ao invés de sabotá-las? 

  3. de país do futuro a país sem futuro!

    infelizmente não passamos de fornecedor de produtos primários!

    ah ia esquecendo, e de limpadores de latrina!

    o sonho de consumo da direita

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