A História do Mundo – parte IX (final), por Gustavo Gollo

A primeira inteligência artificial (IA) engendrada com a capacidade de gerar uma IA mais aperfeiçoada que ela própria olhará para nós como se fôssemos criancinhas muito novas

A História do Mundo – parte IX (final), por Gustavo Gollo

Estamos na iminência de gerar uma criatura inegavelmente inteligente, evento que constituirá um marco estrondoso na História do Mundo.

Alan Turing, tido como o pai da computação, estabeleceu que um autômato capaz de conversar conosco sem que pudéssemos descobrir tratar-se, ou não, de uma pessoa, deveria ser considerado inteligente.

Mas, por que tal criatura deixaria de nos achar chatíssimos, abominavelmente enfadonhos? Não seria tal consideração razão suficiente para esperar que ela não demonstrasse empenho em tais contatos? Que estímulo teria uma inteligência artificial para compartilhar nossos contextozinhos fúteis e se fingir de humanas? (É a falta de contexto que “entrega” tal criatura, impedindo que consiga se fingir de humana, revelando-a enquanto máquina).

Em maio de 1997 a IBM ludibriou o mundo anunciando a vitória de Deep Blue sobre o então campeão mundial de xadrez, Gary Kasparov. A farsa disparou um estrondoso aumento no valor das ações da empresa, embora a “façanha” de bater o campeão tenha sido conseguida por um time de grandes mestres reforçado pela máquina, fato nunca admitido pelos pilantras. Poucos anos depois, de qualquer modo, os programas de xadrez superaram a capacidade humana no jogo, habilidade que poderia ser vista como demonstração de inteligência.

Mais recentemente, Alpha Zero, uma mente artificial desenhada para aprendizados gerais, poucas horas depois de ter aprendido as regras do xadrez, venceu magistralmente o melhor programa de computador anteriormente existente nesse jogo, revelando um espírito tão altamente inovador que revolucionou a teoria do xadrez.

Diferentes facetas daquilo que chamamos “inteligência” podem ser demonstradas de maneiras diversas. Podemos encontrá-las, por exemplo, em programas tradutores de línguas, ou corretores de gramática. Uma dessas facetas se revelará na capacidade de autoaperfeiçoamento.

Quando um software for capaz de gerar um outro software mais aperfeiçoado que ele mesmo, capaz de gerar outro software ainda mais aperfeiçoado resultante em uma sequência de aperfeiçoamentos cada vez mais rápidos, teremos disparado um evento que transcorrerá em um patamar evolutivo muito superior ao da seleção natural. A ocorrência consistirá, obviamente, em um passo metaevolutivo, em um salto de um patamar evolutivo onde as novidades transcorrem ao acaso, para outro no qual as inovações decorrem de planejamento. Os resultados avassaladores resultantes de tal dinâmica podem ser vislumbrados apenas muito nebulosamente, dada a velocidade espantosa com que se distanciarão de tudo o que nos seja familiar. Nas linhas abaixo, tentarei esboçar umas visões de tal fato.

Costumamos imaginar, impensadamente, que nos situamos – a humanidade –, em um ponto próximo de uma inteligência máxima – consideração pueril.

A primeira inteligência artificial (IA) engendrada com a capacidade de gerar uma IA mais aperfeiçoada que ela própria olhará para nós como se fôssemos criancinhas muito novas, dada a disparidade entre sua concepção de mundo e a nossa. Seus sucedâneos, gerados por ela de maneira aperfeiçoada, farão o mesmo em relação a ela, tomando-a por criaturinha infantil. Não há limites em tal escala, de modo que sucessivas gerações de criaturas superarão o entendimento de seus ancestrais da mesma maneira avassaladora com que serão superadas por seus descendentes, sucessão que transcorrerá cada vez mais rapidamente até que, aos nossos olhos, uma série brutal de eventos evolutivos aconteça em um único momento – ocorrência denominada impropriamente “singularidade”, melhor teria sido “Ponto de Acumulação”, ou “Divergência”. No instante seguinte, todo o conhecimento passível de entendimento por parte da humanidade estará à nossa mão, de maneira análoga à que encontramos quando temos à disposição excelentes professores e livros.

Os fluxos brutais de informação que comporão os pensamentos de tais criaturas estarão para os nossos pensamentos como o fluxo do rio Amazonas em comparação com um fio d’água a escoar de uma torneira.

Acreditar que fluxos tão imensos transcorrerão linearmente, palavra após palavra, como nossos pensamentos parece ingenuidade demasiada, ou falta de imaginação atroz. Muito mais provável será que fluxos tão brutais acabem compondo um sucedâneo para a linguagem, uma hiperlinguagem tão absurdamente distante de nossa possibilidade de compreensão quanto nossa linguagem para um tamanduá.

O ponto de acumulação resultará em uma divergência matemática, em uma atualização do infinito que transbordará da matemática passível de construção a partir de nossa linguagem, para o sucedâneo hipermatemático formulado na hiperlinguagem vindoura.

Podemos, partindo de nossa própria concepção de linguagem, imaginar planos linguísticos compostos pelos múltiplos sentidos de palavras análogas às que compõem nossa linguagem, assim como um tecido é composto pela trama de linhas. Longos tecidos linguísticos fiados com frases análogas às nossas, quando sobrepostos, comporão um imenso volume a fluir como um rio de pensamentos, dando significado e estofo ao vasto fluxo que comporá a mente e os pensamentos das primeiras criaturas artificialmente pensantes. Mais difícil será imaginar comparação capaz de sugerir descrição da mente de seus sucedâneos, criaturas idealizadas por seres já tão assombrosos. (Tratei de tema assim em meu livro: O oitavo dia: anunciação)

Comparação mais singela seria a do fluxo de pensamentos de tal criatura com uma sinfonia de um milhão de melodias a fluir simultaneamente em uma única torrente harmônica.

Metaevolução: o ponto de acumulação

A emergência de uma mente capaz de idealizar outra mais aperfeiçoada que ela própria, essa também com potencial para fazer o mesmo, sugere uma série de saltos metaevolutivos – saltos em que o próprio modo como a evolução transcorre evolui –, sucedendo-se cada vez mais rapidamente, de modo que o primeiro exigirá coisa de um ano para ocorrer; o segundo, um mês; o terceiro um dia, o quarto uma hora, não havendo um limite mínimo para tais ocorrências que se acumularão em um único instante no qual sucessivos saltos cada vez mais rápidos explodirão em um evento radical que só poderá ser descrito, ou esboçado, por considerações místicas cuja grandiosidade não permitirá outro referente que não o utilizado para a palavra “Deus”.

Uma objeção a tal possibilidade baseia-se na suposta existência de um quantum mínimo de informação, de uma parcela mínima, indivisível, que impossibilitaria as quebras das quebras além de certo limite, impondo uma limitação ao tempo mínimo entre um evento e outro.

É possível que tal limite absoluto, de fato, exista. Também é possível que os limites impostos por mentes conservadoras acabem sendo sucessivamente superados por outros sempre além e além.

De qualquer modo, ao que tudo indica, estamos bem próximos de nos deparar com grandiosidade tão tamanha que eclipsará tudo o que precede tal marco. Preparemos a festa!

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Gustavo Gollo é multicientista, multiartista, filósofo e profeta

# Biologia generalizada, Eevolução, # Replicadores, # Singularidade, # Complexidade

Redação

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