A pandemia e o tirano na era da internet, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao invés de tentar sobreviver ao Tsunami divulgando Fake News o governo deveria se preocupar em garantir a sobrevivência da própria população.

A pandemia e o tirano na era da internet, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Não é possível falar da internet sem antes fazer algumas considerações sobre o jornalismo, fenômeno que modela o mundo desde o século XVIII e que está sendo influenciado pela revolução em curso. O jornalismo se caracteriza pela redundância.

“Nas equipes de redação, passa-se uma parte considerável do tempo falando de outros jornais e, em particular, do ‘que eles fizeram e nós não fizemos’ (‘deixamos escapar isso!’) e que deveriam ter feito – sem discussão – porque eles fizeram.” (Sobre a Televisão, Pierre Bourdieu, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1997, p. 32/33)

Sangue, sexo, drama e crime constituem a principal matéria prima do jornalismo. Através da “…saturação, os fatos submetem uns ao paradigma dos outros, sem distinção. Os efeitos dessa saturação para a compreensão e a memorização do noticiário não estão devidamente estudados.” (Jornalismo e desinformação, Leão Serva, editora Senac, São Paulo, 2000, p. 77).

A circulação circular saturada de informação sofreu uma evidente transformação em razão das novas condições tecnológicas impostas ao mercado jornalístico pela internet. Os algoritmos rapidamente adquiriram o poder de criar uma “tendência”. Questões discutidas nas redes sociais rapidamente conseguem se transformar em notícias em virtude das empresas de comunicação também serem financiadas pelos cliques dos internautas.

“O termo fundamental desta era midiática é a ‘tendência’. O Facebook e o Twitter apresentam uma lista de assuntos que estão em vias de se tornar onipresentes. E as grandes empresas de mídia têm um sofisticado conjunto de ferramentas analíticas – um serviço chamado CrowTangle, por exemplo – que as alerta sobre os trendig topics que estão começando a rota ascendente de popularidade. Assim que a história chama atenção, a mídia se agarra a ela sem pensar. Os veículos escrevem sobre o assunto com um furor repetitivo, explorando-o em busca de cliques, até o público perder o interesse.” (O mundo que não pensa, Franklin Foer, Editora Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2018, p. 136)

A principal ferramenta do jornalismo é a linguagem. Mas o que transmuta o produto jornalístico em lucro é a velocidade. Esse aspecto do jornalismo foi bem delineado por José Arbex:

“Ora, em um mundo em que a informação existe em abundância, para todos, tanto a rapidez como a eficácia na capacidade de obter uma informação exclusiva e na de disseminá-la adquiriram uma urgência dramática, acirrando ainda mais a competição entre os vários veículos de comunicação de massa. Ser mais rápido tornou-se uma demonstração de prestígio, de poder financeiro e político. É por essa razão que toda a produção da mídia passa a ser orientada sob o signo da velocidade (não raro, da precipitação) e da renovação permanente.” (Showrnalismo – a notícia como espetáculo, José Arbex Jr., editora Casa Amarela, São Paulo, 2001, p. 88)

A rede mundial de computadores aumentou a velocidade da circulação circular de informação. Não por acaso as empresas que traficam informações “on line” são extremamente lucrativas. Facebook, Google, etc são financiados por cliques e não precisam se preocupar com a qualidade do que é divulgado, compartilhado e acessado.

A credibilidade da informação na era do jornalismo convencional permitia ao público fazer uma distinção qualitativa entre as empresas jornalísticas sérias e as que cometiam abusos. Isso se tornou impossível na fase atual, pois o que interessa aos algoritmos que hierarquizam os conteúdos divulgados não é a credibilidade e sim a lucratividade que eles podem proporcionar a essas empresas.

A deterioração cognitiva provocada pela saturação de “ideias feitas” hierarquizadas por critérios econômicos e não jornalísticos confirma a tese de Pierre Bourdieu no sentido de que a “…comunicação é instantânea porque, em certo sentido, ela não existe. Ou é apenas aparente.” (Sobre a Televisão, Pierre Bourdieu, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1997, p. 40).

Nesse contexto, até publicações “…mais sofisticadas não sentem a menor culpa em despejar artigos sobre os assuntos da moda, contanto que venham vestidos com uma certa pretensão acadêmica ou talento argumentativo. Os resultados não são nada originais.” (O mundo que não pensa, Franklin Foer, Editora Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2018, p. 137).

No mundo em que nós vivemos, aqueles que se tornam capazes de criar tendências conquistam o poder manufaturar consensos artificiais transitórios e, através deles, consolidar resultados eleitorais. As Fake News criadas pelo clã Bolsonaro destruíram as chances de vitória eleitoral de Fernando Haddad. Todavia, já ficou evidente que é preciso muito mais do que Fake News para contornar o Tsunami de notícias ruins que estão rapidamente corroendo o capital político do novo presidente brasileiro.

Não adianta nada um general vir a público pedir para a imprensa noticiar coisas boas quando a realidade está saturada de temor, dor e cadáveres. A pandemia não pode ser escondida. Associar o vírus ao comunismo criará apenas uma bolha radicalizada aprisionando os militantes do bolsonarismo numa “realidade alternativa” impermeável ás vítimas da pandemia e à dor dos parentes delas.

O assunto mais debatido na atualidade é a pandemia e suas consequências. Prova disso são os resultados abaixo fornecidos pelo Google no momento em que escrevi essa matéria.

Coronavirus
2.350.000.000

Jesus Cristo
230.000.000

Ciência
129.000.000

Democracia
92.700.000

Não é possível manipular, contornar, censurar ou controlar uma tendência como a que foi criada pela pandemia. A população continuará falando do medo e das mortes provocadas pelo COVID-19.

Ao invés de tentar sobreviver ao Tsunami divulgando Fake News o governo deveria se preocupar em garantir a sobrevivência da própria população. Mas isso parece exigir um esforço administrativo e econômico que o governo Bolsonaro é incapaz de fazer. Os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral impedem o mito de levar a sério a pandemia. A má vontade dele para com a ciência é um fator de complicação tão grande ou maior do que a influência que Carlos Bolsonaro exerce sobre o pai.

Os Bolsonaro hostilizam diariamente a China. Além de dar prejuízos aos produtores rurais que exportam grãos para aquele país, o governo dificulta a remessa de suprimentos médicos chineses indispensáveis para o combate do COVID-19. As famílias mutiladas pela pandemia nunca perdoarão as atitudes irresponsáveis e potencialmente genocidas do chanceler Ernesto Araújo, do ministro da educação Abraham Weintraub e do deputado Eduardo Bolsonaro.

Espalhar Fake News sobre a pandemia nessa fase não vai ajudar a preservar o mandato de Bolsonaro. A única coisa capaz de fazer isso seria a adoção resoluta das política públicas bem-sucedidas que a China comunista implementou em Wuhan. Mas o ódio ideológico ao “comunismo chinês” impede o governo brasileiro de fazer o que é necessário. A falta de pragmatismo dos Bolsonaro certamente abreviará o mandato do mito.

O cerco está se fechando. E não adianta nada Carlos Bolsonaro dizer que existe um plano para derrubar o pai dele. O consenso em favor do Impeachment do mito já é uma realidade nos meios políticos e começa a se tornar uma tendência na imprensa.

Segundo José Arbex Jr. os “… veículos de mídia participam do ‘consenso fabricado’ muito mais por inércia preconceituosa e ignorância intelectual do que por uma vontade política consciente.” (Showrnalismo – a notícia como espetáculo, José Arbex Jr., editora Casa Amarela, São Paulo, 2001, p. 191). Quando a imprensa começar a saturar o mercado de informação com a “ideia feita” de que o Impeachment de Bolsonaro é indispensável e inevitável o governo dele vai desmoronar em muito pouco tempo.

Uma última observação. É preocupante o fato do tema “democracia” ser menos popular nesse momento do que “ciência” de “Jesus Cristo”. O tema “Jesus Cristo” é mais popular do que “ciência” e isso é preocupante. O coronavirus não pode ser derrotado com preces. E a desvalorização da “ciência” pelo governo Bolsonaro conspira para um sucesso catastrófico da pandemia em nosso país. Como isso irá se refletir nas eleições é um mistério.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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