Abutres amadores e as continhas, por Rolf Kuntz

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Abutres amadores e as continhas

Por Rolf Kuntz

No Observatório da Imprensa

Inventados para dar segurança aos trabalhadores e ao mesmo tempo financiar bons negócios, os fundos de pensão têm-se transformado no Brasil, com notável frequência, em sumidouros de dinheiro de associados e de patrocinadores. Vários dos maiores fundos são patrocinados por empresas estatais, comandados por diretores indicados politicamente e sujeitos a interferência governamental. “Déficit de 43 grandes fundos de pensão atinge R$ 22 bilhões”, informou o Valor Econômico na edição de 2, 3 e 4 de maio. “Fundos de pensão e bancos têm perdas de R$ 2,5 bi com a Sete Brasil”, noticiou o Estado de S. Paulo no sábado seguinte (9/5).

As 43 entidades citadas pelo Valor administram 42 planos públicos e 37 privados, sendo 44 com benefício definido e 35 baseados em contribuição variável. Um dos maiores fundos, o Postalis, criado para atender aos funcionários dos Correios, teve no ano passado uma perda de R$ 5,6 bilhões. Em sua carteira havia aplicações no Grupo EBX, de Eike Batista, e em papéis lastreados na dívida argentina e em títulos da empresa petrolífera venezuelana PDVSA.

Os bancos e fundos de pensão com recursos aplicados na Sete Brasil meteram-se numa aventura liderada pela Petrobras. A Sete Brasil foi fundada para atuar como parceira na exploração do pré-sal, produzindo sondas. Desde novembro do ano passado, segundo a reportagem do Estadão, a empresa suspendeu os pagamentos a estaleiros contratados para construir 28 sondas por R$ 25 bilhões.

O envolvimento de bancos privados nessa aventura é assunto deles. O envolvimento da Petrobras já é discutível. A exploração de petróleo e gás depende de sondas, naturalmente, mas nenhuma petroleira é obrigada a se desviar de sua atividade-fim para se meter na produção de equipamentos. A restrição vale igualmente para fundos de pensão.

Venturas e desventuras

Por que fundos de pensão brasileiros se metem nessas trapalhadas? Se fossem fundos abutres, algumas dessas operações – só algumas – seriam compreensíveis e tecnicamente justificáveis, Quando o governo argentino os chama por esse nome, qualifica os títulos emitidos por seu Tesouro. Esses papéis foram comprados por quase nada, com evidente interesse especulativo, precisamente por serem comparáveis ao cardápio dos abutres. Não se veem fundos carniceiros especulando com notas do Tesouro alemão ou mesmo do espanhol. Há pouco tempo o governo da Espanha conseguiu rolar papéis de sua dívida com juros negativos, embora o país mal tenha começado a vencer a crise.

Obviamente, abutres compram títulos considerados junk bonds da pior categoria para lucrar em cima de preços muito baixos. Não são instituições de caridade. Mas por que fundos brasileiros incluem nas suas carteiras títulos vinculados, direta ou indiretamente, à dívida pública argentina e à venezuelana?

Não sendo abutres, essas instituições têm comido carniça em troca de nada. Pior: têm aplicado nesse estranho negócio o dinheiro de seus associados e, pelo menos em alguns casos, de estatais controladas pela União. Usa-se aqui por mera precaução, por falta de informação mais detalhada, a restrição “pelo menos em alguns casos”. Há motivos para julgar desnecessária essa restrição.

O envolvimento de fundos de pensão brasileiros com papéis lastreados na dívida pública argentina e também na venezuelana é conhecido há meses. Mas tem sido explorado de forma insuficiente e ainda pode render muita reportagem de altíssimo interesse.

Contar como essas compras foram decididas pode ser tão fascinante quanto, por exemplo, reconstituir a história da Refinaria Abreu e Lima, concebida inicialmente como projeto conjunto da Petrobras e da PDVSA. Desde o ano passado os jornais têm publicado, de forma descontínua, matérias fascinantes sobre as aventuras e desventuras dos fundos de pensão vinculados a estatais. Eis um belo assunto para se manter no topo da pauta.

Continhas

Que tal uma inflação de 8,86%? Seria maior que a acumulada entre maio do ano passado e abril deste ano, 8,17%. Isso ocorrerá se a taxa de abril, 0,71%, se mantiver por 12 meses. Basta esse dado para uma avaliação nada otimista da última informação sobre o IPCA, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, recém-divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A variação de abril foi bem menor que a do mês anterior, 1,3%, mas essa redução foi insuficiente para reconduzir a alta de preços a um padrão civilizado.

Os jornais deram bom espaço aos últimos dados sobre a inflação, mas a cobertura deu pouca importância a essa questão simples e importante: o potencial devastador de uma inflação mensal de 0,71%, se mantida por vários meses. Uma das coberturas ainda mencionou a projeção de uma instituição financeira: a taxa de 12 meses deverá chegar a 8,7% em agosto e recuar para 8,35% no fim do ano.

São números enormes, pelos padrões internacionais. Mas foram apresentados sem destaque. Outros jornais nem isso ofereceram na cobertura. Matérias informativas podem ser facilmente enriquecidas se repórteres e redatores gastarem alguns minutos formulando perguntas simples e óbvias e fazendo continhas nada complicadas. Não há muito mistério em calcular porcentagem sobre porcentagem. Nem é preciso recorrer a fontes especializadas para explorar as potencialidades da aritmética.

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Rolf Kuntz é jornalista

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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    1. Comparações ridículas a serviço de interesses não revelados

       

      Sérgio Navas (terça-feira, 12/05/2015 às 17:20),

      Primeiro há a questão relativamente ao controle da aplicação dos Fundos de Pensão de empresas estatais e também das empresas privadas. Deve haver mecanismos de controle para que a aposentadoria do trabalhador não venha a ser prejudicada em benefícios de administradores do fundo ou terceiros. Na esfera Administrativa e depois via Judiciário o trabalhador tem que está protegido de qualquer falcatrua. Chamar atenção para este problema merece aplauso.

      Em minha opinião e creio que é assim que se opera no Brasil é obrigação de os órgãos encarregados de vigiar os fundos de pensão realizarem uma avaliação das aplicações no período para observar se ocorreu alguma aplicação de má-fé no período. Há também a aplicação fruto da incompetência que também deve ser fiscalizada.

      Tanto a aplicação de má-fé como a aplicação incompetente ocorrem em qualquer época. Acusar uma aplicação como de má-fé ou de incompetente sem saber o que realmente ocorreu, se não for crime, deveria ser.

      Não gosto de Rolf Kuntz e creio que este texto dele, salvo por chamar atenção para um assunto que precisa estar nas pautas dos meios informativos, traz mais motivos para eu não gostar do que ele escreve. Ele compara fundos abutres que compraram títulos argentinos no mercado secundário quando há queda absurda do valor dos títulos com as compras dos fundos de pensão sem saber que tipo de compra foi feita.

      Além disso, parece que ele se apega ao preceito que o senador José Serra expôs na entrevista dada aos jornalistas Ribamar Oliveira e Alex Ribeiro e que foi publicada no jornal Valor Econômico de terça-feira, 28/04/2015 e recebeu o título de “Serra critica custo fiscal de swaps e da política monetária”. Seja a seguinte questão de número 20:

      “20 – Valor: Algo tem que mudar no modelo do BNDES?”

      E para a qual o senador José Serra deu a seguinte resposta:

      “Serra: Você pode dizer, evidentemente, que faltam critérios e prioridade aos empréstimos do BNDES. Aí estou inteiramente de acordo. Ouço falar de grupos econômicos sólidos, até competentes, que tem crédito até para se expandir no exterior. Eu não daria o menor incentivo. O Brasil é um país que precisa de capitais, não de exportar capitais. Não é que vou discriminar contra exportar capitais. Mas não vou subsidiar. Não tem cabimento isso. Nesse sentido falta uma política. Agora, a culpa não é do Luciano Coutinho [presidente do BNDES]. Quem tem que fixar prioridades é o governo. Certamente não é fusão… Eu teria a lista do que não pode ser. Seria um avanço”.

      Então pelo que José Serra diz o Brasil não deve exportar capitais. Pelo conteúdo da resposta, o senador José Serra não diz se ele é contra a formação de reservas. Deveria ser perguntado, pois a formação de reservas é feita com subsídio pagando um juro maior e obtendo um retorno menor. De todo modo ele é contra subsidiar o investimento no exterior. E a se observar bem, não há como negar que a compra de títulos de países estrangeiros é um investimento subsidiado. É claro que comprar títulos em dólares é um subsídio que pode dar retorno quando a moeda nacional for desvalorizada.

      E não é contra a compra de títulos em moeda estrangeira que Rolf Kuntz se bate. Ele se bate é contra a compra de títulos da Argentina e da Venezuela. E aqui a entrevista do senador José Serra serve como um referencial. Depois de falar que são essenciais as barreiras não comerciais, o Senador José Serra, respondendo a décima quarta questão do Valor Econômica e que vai transcrita a seguir:

      “14 – Valor: E como se chega lá?”

      Afirmou o seguinte:

      “Serra: Tem que reduzir o custo Brasil e fazer entendimentos comerciais, aproveitar o tamanho da importação brasileira. Vou propor que o Brasil faça um acordo bilateral de comércio com os Estados Unidos. Bilateral. Não multilateral, não com o Mercosul, isso e aquilo. Vamos fazer um acordo com os americanos. É muito mais vantagem. O Brasil tem tamanho para isso. Não tem que ficar arrastando outros países. Eu vivo repetindo isso há décadas: o Mercosul é uma trava”.

      Esquecendo o lugar comum da década de 80, “custo Brasil”, o que o Senador José Serra quer é que não ajudemos a Argentina ou Venezuela, ou Uruguai, ou Paraguai, isto é, que não ajudemos países do Mercosul, mas sim os Estados Unidos. É contra essa ajuda a países vizinhos do Brasil que Rolf Kuntz insurge. Ajuda que não é só com uma visão solidária com o mais próximo e com o que mais precisa, mas também é uma ajuda que se justifica na possibilidade de tornar os vizinhos mais fortes. Ora tornar os vizinhos melhores é vantajoso para o Brasil. E não se pode esquecer que a saída de capital ajuda a desvalorizar a moeda nacional o que era uma necessidade para o país.

      Então é preciso ver se as aplicações foram feitas com má-fé, mau gerenciamento ou até mesmo se não foi fruto do interesse do governo brasileiro não só interessado em não valorizar a moeda nacional em relação aos dos seus vizinhos como também em fortalecer a situação econômica dos países vizinhos. É claro que este tipo de avaliação exige mais disposição e capacidade do jornalista e provavelmente não vai produzir o resultado desejado.

      E por fim ele se mete a falar sobre a inflação. Ele reclama pelo fato de os jornais não darem a devida atenção ao atual nível da inflação brasileira. Diz ele:

      “Os jornais deram bom espaço aos últimos dados sobre a inflação, mas a cobertura deu pouca importância a essa questão simples e importante: o potencial devastador de uma inflação mensal de 0,71%, se mantida por vários meses”.

      Devastador não é termo bem empregado nem por Rolf Kuntz nem por mim aqui neste parágrafo, e o que eu vou dizer não é o que ele está falando, mas alguém poderia lembrar ao jornalista o potencial devastador de uma inflação mensal de 0,71% sobre a dívida privada e da dívida pública, algo que o mundo inteiro buscar conseguir para produzir uma recuperação econômica mais firme.

      Clever Mendes de Oliveira

      BH, 12/05/2015

  1. Sim com indicações políticas

    Sim com indicações políticas e TODOS, repito, TODOS os fundos de pensão foram criados com dinheiro DO POVO e não dos funcionários. Dinheiro ROUBADO.

     

    Manter o que roubaram, é atribuição única e exclusiva DE QUEM ROUBOU.

    Não tente passar A CONTA NOVAMENTE para O povo.

     

    Funcionários, se virem! 

    Não me venha com a história de que o Governo é responsável! Não vão conseguir MEU DINHEIRO NOVAMENTE!

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