Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Ações da Atenção Primária à Saúde para diminuir o adoecimento e a mortalidade dos nossos queridos idosos, por Lyane Ramalho e Ion de Andrade

Se cada idoso do seu território estiver sob vigilância da sua equipe, contribuiremos para um menor adoecimento e mortalidade.

Ações da Atenção Primária à Saúde para diminuir o adoecimento e a mortalidade dos nossos queridos idosos

por Lyane Ramalho e Ion de Andrade

Se cada idoso do seu território estiver sob vigilância da sua equipe, contribuiremos para um menor adoecimento e mortalidade.

Para além da problemática de desabastecimento de pessoas e insumos na Atenção Primária à Saúde (APS), chegou a hora mais do que nunca, de entendermos a importância desse nível de atenção e como ele pode contribuir para a diminuição da catástrofe que estamos vivendo no país e no mundo.

Sabemos que apenas 27,9% da população brasileira é coberta por planos de saúde (Malta et al, 2017). Dessa parcela, por toda a crise vivenciada no Brasil, com perda de poder aquisitivo das pessoas e das famílias, principalmente pelo aumento do desemprego nesse último ano, tem crescido o número de pessoas que dependem exclusivamente do SUS. Assim, entende-se que parte dessa população são de idosos que dependem do SUS para resolução de todas as necessidades de saúde que tenha ou venha a ter.

É característica universal que nessa faixa etária situações de vulnerabilidade sociopsicológica como pouco dinheiro para comer e comprar remédios, dificuldade de fazer seu próprio cuidado por limitações físicas e de cognição, aumento da solidão, sem falar na finitude da vida que tem que ser encarada dia após dia e a cada dia em que avança o envelhecimento, além da dificuldade de mobilidade para ir e vir, até ao médico na Unidade Básica de Saúde (UBS), questão central aqui da nossa preocupação.

Partindo-se então do 1º pressuposto, que todo território da APS no Brasil tem muitos idosos sob sua responsabilidade sanitária e, que mesmo que não tenhamos médicos nessas equipes (existem muitas UBS sem médicos no Brasil atualmente), há uma equipe composta por enfermeiro (a), técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS) e como 2º pressuposto sabe-se já, e os trabalhos têm enfatizado isso com muito detalhamento, que a mortalidade pelo Covid-19 nos idosos é muito maior do que no restante da população. Dessa forma cabe-nos cada vez mais esclarecer e enfatizar o papel da APS nesse contexto, pois a “dinâmica da epidemia/pandemia posiciona as ações de proteção a esse grupo vulnerável, como uma PRIORIDADE ABSOLUTA em torno da qual todas as outras devem girar

Nesse sentido aqui deixamos algumas orientações práticas que são, na maior parte das vezes de fácil execução e que está sob a governabilidade das próprias equipes de saúde da família de todo o Brasil:

1.                      É URGENTE que todas as equipes de saúde da família do Brasil tenham conhecimento do perfil sociodemográfico das pessoas com mais de 60 anos do seu território. Nesse perfil deve-se identificar faixa etária, situação de moradia e cuidado, comorbidades presentes e atualização pelo menos duas vezes por semana da presença de sintomas respiratórios.

2.                      De posse desse diagnóstico situacional de saúde-doença de seus idosos, a equipe deve construir um escore de vulnerabilidade que identifique quais os idosos/famílias precisam de uma atenção maior, pois sabemos que dificilmente a equipe conseguirá dar conta de 100% dos idosos e sabemos também que alguns estarão mais bem cuidados e com mais saúde, dessa forma podendo ter um monitoramento mais alargado no tempo e deixando a vaga de atendimento para aquele que realmente necessita. Essa é uma ótima forma de exercer a equidade em saúde nesse momento tão difícil.

3.                      Após a classificação de risco concluída, esta deve ficar sob responsabilidade dos agentes comunitários de saúde que sob orientação da enfermagem e dos médicos (as) criarão um cronograma de visita domiciliar baseado naqueles que têm maior risco de adoecer e morrer. Nesse sentido, para aqueles que forem visitados é importante a verificação de como o paciente está em relação às suas comorbidades (verificação de pressão arterial, níveis de glicose para aqueles que sejam portadores de diabetes mellitus e outras de acordo com cada caso).

4.                       Sabendo-se que a febre pode não estar presente nesse grupo de risco, a avaliação clínica e epidemiológica deve ser orientada para ser feita pelos ACS durante as visitas domiciliares. Então, caso o ACS identifique qualquer sinal de síndrome respiratória caracterizada por tosse, dor de garganta, desconforto respiratório (dificuldade para respirar), na presença ou não de febre, deve anotar e imediatamente comunicar à enfermagem que deverá proceder a uma investigação mais apurada (escuta qualificada da situação no domicílio)

5.                      Essa escuta qualificada deve ser preferencialmente no domicílio ou se isso não for possível, deve ser orientado ao usuário que venha à UBS, porém sempre em horário definido pela equipe com medidas de proteção à aglomeração coletiva da recepção, devendo o mesmo ser colocado em sala específica com todas as medidas de proteção cabíveis (uso de máscara, higienização das mãos, etc). Nesse momentoo ACS e a enfermagem devem compartilhar o caso e decidir a conduta com o médico da equipe.

6.                      Deve-se nesse momento considerar o registro para notificação adequadado caso, seguindo os protocolos de notificação do Ministério da Saúde (MS).

7.                      Como plano de ação para todos os idosos, independente da classificação de risco dos mesmos, todos os ACS deverão ter como objetivo nos dias que durar a epidemia, a devida educação do idoso e de sua família no que tange ao isolamento social do idoso, proibição de visitas de pessoas que estejam com algum sintoma respiratório, proibição de visitas ou contato pele a pele com as crianças da família ou vizinhança, e orientação de uma alimentação a mais saudável possível diante da sua situação social, com ênfase na hidratação diária.

8.                      Como medidas de Prevenção Comunitária o MS orienta baseado nos protocolos da OMS:

a.                     Realizar lavagem frequente das mãos, especialmente após contato direto com pessoas doentes ou com o meio ambiente;

b.                     Utilizar lenço descartável para higiene nasal;

c.                      Cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir;

d.                     Evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca;

e.                     Higienizar as mãos após tossir ou espirrar;

f.                       Não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas;

g.                     Manter os ambientes bem ventilados;

h.                     Evitar contato com pessoas que apresentem sinais ou sintomas da doença;

 

9.                      Quanto ao monitoramento, esse deve continuar com o acompanhamento do paciente a cada 48 horas, frente a frente (visita domiciliar), com medidas de precaução de contato e equipamentos de proteção individual (EPIs) conforme protocolo vigente, podendo também ser feito por telefone, se a equipe julgar que a informação dada pelo cuidador ou idoso será fidedigna, até 14 dias após o início dos sintomas.

10.                  Na adoção do acompanhamento por telefone para o usuário em isolamento domiciliar deve-se tomar alguns cuidados:

a.                     Anotar em prontuário, o número de contato do paciente e de algum acompanhante (de preferência o cuidador que ficará responsável pelo paciente), durante a primeira avaliação no domicílio;

b.                     A ligação deve ser realizada por profissional de saúde da Estratégia Saúde da Família (ESF) a cada 48 horas para acompanhamento da evolução do quadro clínico;

c.                      Não há necessidade de gravar a conversa;

d.                     Anotar as informações  sobre  a  conversa  telefônica  no  prontuário  eletrônico  –  quadro  clínico autorreferido do paciente, autoavaliação da necessidade de ir algum profissional à residência do paciente ou consulta presencial na UBS com paciente em uso de máscara e inserido no protocolo da APS (consulte se necessário o site do MS, anotado no fim desse documento), horário da ligação e queixas.

Ressalta-se que se a equipe identificar necessidade de treinamento de profissionais para reconhecimento de sinais e sintomas clínicos de Síndrome Gripal, este deve ser feito com a maior urgência a fim de um maior sucesso na prática da vigilância para esse grupo de risco.

Acreditamos que com essas medidas conseguiremos, todos nós que somos da APS, ter um melhor desfecho diante da pandemia, protegendo melhor nossas comunidades e nossos idosos, sendo referência para o cuidado desse grupo de risco, mesmo num SUS em profundo subfinanciamento e precarização.

Finalizando, queremos deixar aqui nossa admiração e agradecimento por todos os profissionais que compõem as equipes de Estratégia Saúde da família do Brasil e de Unidades tradicionais e esperamos que com essas orientações possamos contribuir para a qualificação do processo de trabalho nas equipes com vistas também a melhor protegê-las do Covid-19.

 

Ion de Andrade é médico epidemiologista da Secretaria de Estado da Saúde Pública do RN, mestre em Pediatria, doutor em Ciências da Saúde, e pesquisador do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde LAIS/UFRN;

Lyane Ramalho é professora do Departamento de Saúde Coletiva da UFRN, mestre e doutora em Saúde Coletiva, tutora do PMM pela UFRN, coordenadora geral do PEPSUS/UFRN e pesquisadora do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde LAIS/UFRN;

 

ATENÇÃO:

Maiores informações consulte o site do Ministério da Saúde: https://aps.saude.gov.br/ape/corona

E faça o curso Vírus respiratórios emergentes, incluindo o COVID-19 UFRN / LAIS / OPAS Brasil / OPAS / MS disponível em https://avasus.ufrn.br/local/avasplugin/cursos/curso.php?id=320

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

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