Antonio Candido em fotobiografia
por Walnice Nogueira Galvão
A fonte desta fotobiografia é um acervo de 50 mil itens, hoje sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) (v. Jornal GGN, 2.8.2018). Intitulada A formação de Antonio Candido – uma biografia ilustrada, em suas trezentas páginas cumpre o que promete. Foi lá que a autora do texto e do projeto gráfico, Ana Luisa Escorel, filha primogênita do biografado, buscou as fotos.
Documentando as sucessivas etapas da vida de Antonio Candido até chegar à idade adulta, as fotos correspondem ao título. Vão oferecendo também uma percepção caleidoscópica do que fosse, nas diversas épocas e latitudes, a aparência das pessoas, como se vestiam, sua linguagem corporal, como interagiam, como eram suas casas, como era a malha urbana em que se moviam.
Mas mesmo antes disso vão ilustrar com abundância e critério seguro seus quatro costados.
Quatro costados que a bem dizer são sintetizados em dois lados. Um, o lado paterno, mineiro, interiorano, sertanejo, rústico, da pequena oligarquia, inculta e mais bravia. De outro, o lado materno, carioca, mais ilustrado, de gente que gostava de ler e era aficionada de ópera. De ambos os lados, extensa parentela, atuante na vida do núcleo conjugal com seus três filhos.
O livro é dividido em quatro partes: “Infância”, “Adolescência”, “Juventude”, “Idade adulta”, todas elas pertinentemente escoradas na iconografia. O leitor logo dá razão à autora, que afirma ser a primeira parte a mais farta, por corresponder a um “caderno da infância”, em que seu pai registra as reminiscências mais remotas . É bem divertida a reconstituição, feita por ela com alta arte, do mundinho fechado e auto-referido da fratria formada pelos três irmãos. As brincadeiras a que se prestam; a línguagem críptica que elaboram para que ninguém mais decifre; as personagens com caracterização idiossincrática que nascem de sua imaginação, com base em pessoas que conhecem, tratadas com espírito crítico que chega às raias da malevolência; os versinhos que compõem, os poemas que escandem, as rimas e melopeias… Mundinho riquíssimo enquanto humus da criação e da invenção.
Entre as duas fases mineiras, a de Santa Rita de Cássia e a de Poços de Caldas, posta-se aquilo que foi uma das grandes impregnações da vida de Antonio Candido: o ano que passou na Europa, sobretudo em Paris onde fizeram pião, acompanhando o pai médico que foi se aperfeiçoar em estâncias hidrominerais. As crianças, enquanto isso, aprendiam francês, frequentando museus e teatros.
No entanto, as demais partes revelam dados fundamentais para uma formação. Em “Adolescência”, a entrada no ginásio, época de alçar vôo para fora do estrito núcleo familiar, fazendo novos amigos e amigas entre os colegas, como atestam as fotos. Mas é em “Juventude” que aparece mais claramente a saída para outros espaços, para os clubes, para os bailes, para os esportes, enfim para uma convivência mais desenvolvida com outros companheiros, aliados na perquirição do mundo.
No final dessa fase, Antonio Candido transfere-se para São Paulo, rumo ao preparatório para os estudos superiores.
Uma vez aluno do curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, passaria por duas experiências definidoras de seu futuro. Primeiro, participaria do grupo que se foi formando espontaneamente entre todas aquelas moças e rapazes extraordinariamente talentosos, sofisticados, metropolitanos. E segundo, a irrupção, no seio dessa brilhante plêiade, de Gilda de Moraes Rocha, futura esposa, que deixou na rabeira todas as namoradas por quem fora atraído anteriormente.
Chegamos à “Idade Adulta” e ao limite colocado pela autora: a preparação, que ocupou longos anos, de Formação da literatura brasileira e de Os parceiros do Rio Bonito. equivalendo a um postulado de maturidade intelectual nos dois campos, o literário e o sociológico.
Se quisermos saber mais, a neta e organizadora do acervo Laura Escorel pôs à nossa disposição um podcast que pode ser consultado em: “O Projeto de Organização dos Arquivos de Gilda e Antonio Candido de Mello e Souza” (www.ieb.usp.br/podcast).
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
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