As armas da justiça e a injustiça do intelecto armado, por Fábio de Oliveira Ribeiro

As armas da justiça e a injustiça do intelecto armado

por Fábio de Oliveira Ribeiro

A dinâmica processual faz uma distinção clara entre acusação, a defesa e o juiz. As únicas armas outorgadas aos atores do processo são as prerrogativas prescritas em Lei. A validade do processo depende, inclusive, do respeito às limitações impostas a cada ator.

O advogado não pode acusar seu cliente do crime que lhe foi imputado. Se o fizer ele ficará indefeso e isso acarretará a nulidade da condenação.

O procurador pode pedir a absolvição do réu se estiver convicto de que não ficou provada a materialidade do delito e a autoria. Mas ele não pode impedir o réu de se defender caso insista na condenação.

Encarregado de julgar o caso, o juiz deve ser imparcial mantendo, inclusive, a aparência de imparcialidade. Ele não pode conspirar com a defesa ou com a acusação, nem tampouco favorecer uma ou outra tese durante a colheita de provas. A função dele é colher as provas que sejam pertinentes, ou seja, aquelas que as partes apresentam para corroborar suas teses.

Até mesmo nas culturas menos desenvolvidas existem regras para solucionar as controvérsias que surgem na sociedade. Quando a violência foi substituída pelo processo, as disputas entre as pessoas se tornaram civilizadas. De fato, podemos dizer que não existe civilização sem o respeito às normas processuais.

Advogados e procuradores não são pistoleiros. Juízes não são árbitros de duelos. O compromisso de todos os atores processuais é com a pacificação da sociedade (finalidade última da própria existência do Direito) e esta obviamente não pode ser alcançada se o juiz grampeia o advogado, se o procurador tenta matar o juiz ou se o advogado ultrapassa os limites impostos para a sua atuação.

Rodrigo Janot confessou que idealizou a morte de Gilmar Mendes. O ministro do STF respondeu dizendo que o ex-PGR deve procurar um psiquiatra. A Lei Penal brasileira não pune a cogitação de um crime. Mas do ponto de vista processual há algo mais que pode ser dito sobre esse assunto.

A CF/88 prescreve expressamente que, ao cumprir seu mister, todo agente público (o PGR incluído) deve respeitar o princípio da impessoalidade (art. 37, caput, da CF/88). Ao confessar que atuava movido por uma violenta emoção homicida, Rodrigo Janot levantou uma suspeita sobre todos os casos em que ele praticou atos processuais. Atos que ele estava disposto a matar para impor sua convicção pessoal.

Portanto, me parece evidente que o ex-PGR não confessou apenas a idealização de um crime não cometido. Corrompido pela violenta emoção, o raciocínio jurídico de Rodrigo Janot certamente o fez se desviar da norma constitucional que o obrigava a tratar todos os casos de maneira fria e impessoal. Os cidadãos que foram condenados em processos subscritos ou sustentados por ele adquiriram o direito de impetrar HC no STF questionando a higidez das condenações que sofreram.

O escândalo levantado pela confissão do ex-PGR não poderá ser resolvido apenas no sofá de um psiquiatra. Não basta o Judiciário cassar o porte de armas de Rodrigo Janot e o impedir de entrar no STF. Nesse caso, creio que o ministro Gilmar Mendes provavelmente concordará comigo: vários réus podem ter sido vítimas do ódio dele. E ninguém poderá impedi-los de impetrar o remédio heróico.

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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