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Controvérsias científicas, por Fernando Dias de Avila-Pires

por Fernando Dias de Avila-Pires

Quando a discussão sobre fake news e negacionismo atinge um grau de importância indiscutível na sociedade atual e quando conhecimentos científicos são questionados em veículos de grande divulgação sem argumentos válidos é importante esclarecer certos pontos fundamentais sobre o que são controvérsias científicas.

Controvérsia é discussão, disputa ou polêmica referente à ação, proposição, questão ou opinião sobre a qual muitos divergem. Há controvérsias que dependem de interpretação de textos, como as controvérsias jurídicas e religiosas, controvérsias de opiniões e preferências pessoais como as que se referem à política, beleza, futebol e arte.

Controvérsia científica é uma divergência contemporânea conduzida publicamente por um número de cientistas praticantes sobre um problema considerado significativo, utilizando os princípios e métodos da pesquisa científica, e que persiste até ser definitivamente esclarecida. Controvérsias em ciência existem quando se trata de teorias viáveis conflitantes contemporâneas. Uma controvérsia científica deixa de existir quando se dispõe de métodos capazes de comprovar uma das hipóteses ou teorias alternativas. Desse momento em diante, os que persistem na discussão passam a ser relativistas, para os quais todas as opiniões são igualmente válidas, e difusores de fake news.

As posições controversas em ciência não são meras opiniões pessoais e precisam estar apoiadas e justificadas por métodos científicos universalmente aceitos e serem disputadas e válidas em uma determinada época. Exemplos de divergências que se enquadram na definição acima são: a teoria corpuscular/ondulatória da luz de Newton/Huyghens no século 18, a de Pasteur/Pouchet sobre heterogenia ou geração espontânea em 1860 e a de Snow/Farr sobre a epidemia do cólera em Londres de 1853, todas posteriormente esclarecidas por conhecimentos e demonstrações validadas e aceitas pela comunidade científica deixando, portanto de serem posições controversas.

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Ciência e conhecimento científico não dependem de opiniões pessoais, mas de comprovação e de consenso, de acordo com certas normas e métodos aceitos pelos cientistas. O fato de um indivíduo, ainda que agraciado com o prêmio Nobel emitir uma opinião pessoal não inicia ou estabelece uma controvérsia científica. 

Em medicina, por exemplo,

Apresentar experiência clínica individual como única prova da veracidade de suas hipóteses, é desconhecer o mais simples pressuposto de metodologia científica. Ninguém julga um tratamento com base em experiência individual.

 (“O que não ensinamos na Medicina” Carta Aberta dos Professores da Escola Paulista de Medicina – Unifesp.

(http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/category/edicoes/6840-19-de-janeiro-de-2022/) / 2)

Faz parte do âmbito e da natureza das ciências humanas/sociais que teorias distintas ou antagônicas e formas de interpretação dos fenômenos do meio social coexistam e perdurem como legítimas. Por exemplo, usar uma abordagem marxista, fenomenológica ou bourdiana para interpretar uma determinada situação ou fenômeno social atual. Mas isto não ocorre, nem é possível nas ciências naturais e muito dos problemas que enfrentamos atualmente com a atual pandemia de COVID é resultado desta confusão filosófica, histórica e epistemológica que amalgama de forma ingênua ou deliberada os campos de conhecimentos, seus fundamentos, modos de trabalho e formas de validação e justificação.

Nas ciências naturais há, sim, o certo e o errado, o científico e o anticientífico, não se admitindo relativismos, que são adubo e munição para os negacionistas que se expressam atualmente através de comunicados oficiais e redes sociais.

Para uma discussão mais extensa, sugiro consultar os verbetes fake news, guerras científicas  e negacionismo científico no Dicionário dos negacionismos no Brasil. (Szwako, J. e J.L. Ratton, org., CEPE, 2022).

*O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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Redação

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