Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Cruzadas moralistas são armas políticas, por Andre Motta Araujo

Os ditadores em potencial vão testando o terreno com cuidado, testam os limites de sua força, passo a passo, a cada etapa ousam mais, precisam ver até onde os adversários recuam

Cruzadas moralistas são armas políticas

por Andre Motta Araujo

Nenhuma ditadura começa anunciando que vai fazer o mal. Todas as ditaduras nascem anunciando boas intenções. A razão é evidente, no começo os potenciais ditadores ainda não têm todo o poder, ainda não estão firmes, precisam dar boa impressão para muitos grupos que poderiam derrubá-los, MAS assim que firmes no mando mostram a verdadeira cara e tornam-se autoritários e depois ditadores sem máscaras. Mussolini e Hitler começaram como cruzados a favor de boas causas em regimes democráticos, usaram a democracia como alavanca de entrada no poder.

A magistral frase de Umberto Eco “O fascismo começa caçando tarados” é um símbolo do uso da moral para chegar ao poder, uma aparente boa causa justifica quase tudo, mas seu verdadeiro alvo é através dela mandar na sociedade.

Os ditadores em potencial vão testando o terreno com cuidado, testam os limites de sua força, passo a passo, a cada etapa ousam mais, precisam ver até onde os adversários recuam e esses normalmente acham que recuando se salvam, assim achavam os industriais do Ruhr na Alemanha,  os nobres da Casa de Savoia e o Vaticano.

Eles seguiram a tática de acovardamento defensivo, não enfrentam o ditador em construção, fingem que o apoiam porque acham que ele não vai até o fim e vão cedendo, achando que assim fazendo são espertos. Quando o ditador em seu caminho ascendente ataca um adversário, aquele que não foi atacado acha que foi poupado, e até elogia o ditador porque este atingiu um rival, sem perceber que ele pode ser a próxima vítima, uma nova etapa no processo.

Esse roteiro aconteceu exatamente assim na Itália fascista e na Alemanha nazista e, muito antes na História, a Inquisição, como era conhecido o Tribunal do Santo Ofício, se propunha a eliminar o pecado e a heresia através da pregação moral que terminava na punição dos maus nas fogueiras, processo que foi do começo ao fim puramente político disfarçado de moralista e religioso. Através dos tempos a punição aos indignos serviu como instrumento da política e nunca os perseguidores foram puros, apenas farsantes disfarçados de portadores da mais alta moral.

O autoritário em potencial é geralmente muito inteligente, nunca ataca todos de uma vez, é um por vez, o outro ainda não atacado fica contente pensando “eu ainda estou seguro”. Os mecanismos de perseguição têm técnicas apuradas e a maior delas é convencer os ingênuos de sua pureza frente aos ímpios. A Inquisição durou dois séculos, durante os quais atrasou na História os reinos de Espanha e Portugal, que perderam a corrida da modernidade para a Inglaterra, a Inquisição dividia os homens entre os puros e os corruptos e neste roteiro destruiu uma sociedade.

Ao fim do processo de uma ditadura ninguém está seguro e todos serão dominados se uma reação ou um conflito não terminarem seu caminho. Na História, as ditaduras fascista na Itália e nazista na Alemanha foram eliminadas por uma derrota militar frente a inimigos externos, no caso do franquismo na Espanha e no salazarismo em Portugal pela doença e morte dos ditadores, o que mostra a dificuldade de eliminação de regimes autoritários por vias pacíficas.

Apesar de tantas lições da História, os países dificilmente aprendem com ela e novos processos se iniciam a cada década seguindo roteiros parecidos, vemos agora a Turquia seguindo um caminho padrão após seis décadas de democracia. Mas é interessante observar que todos esses traçados começam por alguém empunhando o estandarte da salvação pela moral, pelo combate à corrupção, pela perseguição às minorias e pela imposição de seus valores como sendo os únicos que devam ser seguidos por todos, mesmo por aqueles que tem outra visão da vida.

No passado os valores a impor vinham principalmente da religião, na Era Moderna vem da ideologia, no princípio do século o comunismo e o fascismo, hoje temos como ideologia impositiva o neoliberalismo e a salvação pelo mercado, mais uma farsa a encobrir processos autoritários por vias reflexas porque emparedam o debate. A ditadura econômica é uma nova forma de autoritarismo, como no passado foi a religião, apenas novos disfarces na luta pelo poder.

AMA

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

7 Comentários

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  1. Nunca o país esteve tão perto de entrar num abismo que, se sair dele, será uma mancha que certamente vai superar outras manchas terríveis, como a escravidão. A gasolina está totalmente espalhada no chão de palha e o riscar dos fósforos já é ouvido. Não tenho dúvidas de que se no Brasil houver algum protesto similar aos que pipocam Bolívia, Chile, Equador e agora Colômbia, a ordem será atirar sem dó nem piedade, para deixar bem claro que agora o poder não nasce mais da constituição mas, sim, como disse o camarada Mao, da ponta do cano de um fuzil. Essa elite rentista de merda ( que é a que dá as cartas de verdade ) não pensou duas vezes em dar o país a um psicopata pra manter um sistema financeiro parasita, que está sufocando a produção. E não escolheram Bolsonaro porque o outro candidato era o Boulos, mas sim Haddad, candidato do partido que em 13 anos não fez uma vírgula contra essa agiotagem e que, segundo o próprio Lula, foi o governo em que mais os bancos ganharam dinheiro. Não. Escolheram claramente uma política econômica que tornará o aparthaid da África do Sul pré-Mandela ação de escoteiro. Bato nessa tecla – Bolsonaro é uma desgraça que um dia sairá por bem o por mal. O problema é essa elite de quinta que temos, que sonha no fundo com o Brasil escravista e que só conseguiu ter parque industrial porque teve os visionários Getúlio e JK – e não por coincidência um se matou e outro foi assassinado.

  2. O AMA, uma vez mais, comparte conosco a sua visão lúcida e os seus conhecimentos.
    Sinto falta de uma coisa: a explicitação desses “sujeitos ocultos”, esses que estão em luta pelo poder.
    Poderia o AMA estar passando por um processo psicológico de bloqueio de realidades desagradáveis, que empurra para o seu inconsciente certos personagens como, talvez, os eeuu que tanto admira?

  3. Tornar inimputáveis os crimes de execução sumária praticados por policiais é o que senão a decretação da pena de morte sem que pra isso nem precise de sentença?
    A sentença ficará ao bel prazer do policial : não foi com a cara do cidadão ou parece ser de esquerda, manda o 38 e fica por isso mesmo.
    Num país que não perdeu o rumo, esse partido a APB, Aliança Pelos Bolsonaro, seria proibido por configurar apologia ao crime e a defesa do nazismo.
    E olha que a tal APB ainda não tem controle sobre o STF.
    Ou já tem?

  4. A ‘febre’ é consequência, não é causa. Bolsonaro é produto destes 90 anos, da tragédia de farsante Redemocracia sem dar respostas. É um factóide como tantos outros subprodutos deste Estado Ditatorial Caudilhista Absolutista. É um subproduto Esquerdopata-Fascista. É o mesmo DonSebastianismo. É o mesmo Messianismo. É o mesmo Caudilhismo. É a mesma moeda, só que na face contrária, com o mesmo valor. Sem poderem se confrontar, acreditam serem ‘valores’ diferentes. O imperdoável, inexplicável, absurdo que trilharmos os caminhos de pequenos países, com poucos recursos e poucas defesas. Sob o julgo de interferências de Nações maiores. É a comparação que aceitamos e engolimos. Olhem a Grécia?! E Portugal?! Aconteceu o mesmo problema econômico na Irlanda?! E os conflitos do Chile? E quarteladas e rebeliões de Uruguai, de Peru, da Guatemala?! Países que todos juntos não dariam uma única região do Brasil, uma pequena parte da sua Economia. Gigante Adormecido na pele de Anão Diplomático. Uma Potência Continental que se aceita subjulgada com problemas totalmente e facilmente solucionáveis. Que desperdiça bilhões e bilhões de dólares enquanto culpa sua falta de capital, dinheiro, investimentos. Onde está a Democracia Prometida há 40 anos? O fascismo se alimenta das mentiras. 1 bilhão de dólares de Fundo Partidário. 150 milhões de dólares a cada Eleição de 2 em 2 anos. 100 milhões de dólares para Cadastramento de Biometria Obrigatória. No restante do planeta, voto em cédula de papel em urnas de papelão em eleições facultativas. Sem um Estado Parasitário e Paquidérmico como o Nosso. o fascismo é consequência, não é causa. Se não é alimentado, não sobrevive. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

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