Decisão do ministro Teori contra Lula foi um assalto ao direito de defesa, por Yarochewsky

Por Leonardo Isaac Yarochewsky

No Conjur

A grande mídia noticiou com certa satisfação a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki — relator dos processos relacionados à operação “lava jato” no STF — que negou, monocraticamente, seguimento à “Reclamação” interposta pela defesa do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Em despacho assinado no último dia 6, o respeitado ministro Teori Zavascki afirma que a referida “Reclamação” seria “mais uma das diversas tentativas da defesa de embaraçar as apurações”.

É público e notório que a operação “lava jato”, capitaneada pelo juiz titular da 13ª Vara Federal Sergio Moro, em nome de um pretenso combate à corrupção vem ultrapassando todos os limites impostos pelo devido processo legal decorrentes do próprio Estado de direito.

Ao confundir o direito constitucional de acesso à justiça (princípio da inafastabilidade) e o sagrado direito de defesa com “tentativas da defesa de embaraçar…” o ministro Teori Zavascki com uma única cajadada fere princípios fundamentais do Estado democrático de direito.

Neste sentido, o constitucionalista José Afonso da Silva[1] observa que o devido processo legal está baseado em três princípios, quais sejam: o acesso à justiça, o contraditório e a plenitude de defesa. Verdadeiros pilares do Estado democrático de direito.

Ao proclamar que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, XXXV da CR), a Constituição da República consagrou o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do direito da ação. Não se trata de apenas de assegurar o acesso ou o ingresso no Judiciário, mas de garantia constitucional e de direito fundamental. O acesso à justiça é a expressão da exigência do cidadão pelos seus direitos, buscando a solução para os seus litígios, perante uma ordem jurídica democrática e de direito. Através do citado princípio, a todos deve ser assegurado o acesso à justiça — direito público subjetivo — para requerer tutela jurisdicional preventiva ou reparatória a lesão ou ameaça de lesão a um direito individual ou coletivo.

O direito de acesso à justiça é tão elementar, conforme observa Cirilo Vargas, “que não fosse ele, as portas do Judiciário poderiam ser fechadas por falta do que fazer”.[2]

Segundo Ada Pellegrini Grinover, “o acesso aos tribunais não se esgota com o poder de movimentar a jurisdição (direito de ação, com o correspondente direito de defesa), significando também que o processo deve se desenvolver de uma determinada maneira que assegure às partes o direito a uma solução justa de seus conflitos, que só pode ser obtida por sua plena participação, implicando o direito de sustentarem suas razões, de produzirem suas provas, de influírem sobre o convencimento do juiz. Corolário do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional são todas as garantias do devido processo legal, que a Constituição brasileira detalha a partir do inciso LIV do artigo 5º, realçando-se, dentre elas, o contraditório e a ampla defesa (inciso LV do mesmo artigo)”.[3]

De tal modo, para que o acesso à justiça seja verdadeiramente efetivo é imprescindível que seja assegurado ao acusado a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes (artigo 5º, LV da CR).

Foi com as reformas iluministas, segundo informa Luigi Ferrajoli[4], que a defesa técnica, reduzida nos anos da Inquisição a “uma arte baixa de intrigas”, assumiu a forma moderna de patrocínio legal obrigatório. A importância da defesa técnica é reconhecida também pelo nosso Código de Processo Penal (CPP) quando proclama que “nenhum acusado, ainda que foragido, será processado ou julgado sem defensor” (artigo 261) e, ainda, “se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvando-o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação” (artigo 263).

Assim, verifica-se que a defesa técnica trata-se de direito irrenunciável e indisponível. Decorre do próprio contraditório, da igualdade entre as partes e da paridade de armas que ao acusado seja assegurado um defensor habilitado, ou seja, um advogado. Jeremy Bentham, apud Ferrajoli, afirmou que os cidadãos “poderiam cuidar de suas causas judiciárias como todos geram seus negócios”, e, neste caso, a autodefesa seria suficiente. Contudo, “onde a legislação é obscura e complicada e o processo é empedernido de formalidades e nulidades”, é indispensável e necessário a defesa técnica de um advogado profissional “para restabelecer a igualdade das partes quanto à capacidade e para contrabalançar, por outro lado, as desvantagens ligadas à inferioridade da condição de imputado”. [5]

Deste modo, qualquer tentativa de macular ou intimidar a defesa constitui afronta ao Estado de direito e ao processo penal democrático comprometido com a dignidade da pessoa humana. O julgador pode até indeferir ou julgar improcedente o pleito da defesa, mas não pode em hipótese alguma questionar o direito de defesa. O direito de defesa existe independente de ter ou não razão a defesa.

Necessário ressaltar, sem adentrar no mérito, que por mais de uma vez o ministro Teori Zavascki reconheceu abusos cometidos pelo juiz Federal Sergio Moro na condução da famigerada operação “lava jato”.

É imperioso advertir que os atos de defesa configuram a garantia do acusado e, portanto, de qualquer pessoa opor-se a uma pretensão punitiva. No Estado democrático de direito fundado, realmente, em bases democráticas — democracia material — deve prevalecer o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa. Repita-se, o status libertatis é a regra. A presunção é de inocência.

Já foi dito que toda restrição ao direito de defesa atinge e põe em risco o próprio Estado de Direito. De igual modo é inadmissível a criminalização do exercício da advocacia.

Hodiernamente, a sociedade alimentada por uma mídia tendenciosa tem sido levada a esquecer do papel fundamental do advogado no tão proclamado Estado Democrático de Direito. A nobre função do advogado está assegurada na Constituição da República (CR) que proclama: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. (artigo 133 da CR). Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi aclamado que a qualquer homem acusado de um ato delituoso são “assegurados todas as garantias necessárias à sua defesa”. (artigo XI)

Por tudo, ainda, que a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva ou de qualquer outro ser humano, continue a batendo nas portas do Poder Judiciário, não se pode afirmar, sob pena de aniquilamento da própria defesa, que a “insistência” daqueles atuam, em última instância, em defesa da liberdade está a “embaraçar” as investigações e o processo. Ao contrário, sem defesa é que o processo e a justiça se embaraçam e se perdem no meio das arbitrariedades.

1 SILVA, José Afonsa da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

2 VARGAS, José Cirilo de. Processo penal e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 1992.

3 Disponível em< http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-10/RBDC-10-013-Ada_Pellegrini_Grinover.pdf

4 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer Sica et. al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

5 FERRAJOLI, ob. cit.

Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista, doutor em Ciências Penais e professor de Direito Penal da PUC-Minas.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

View Comments

  • STF inteiro

    Não vale um "tostão furado", como diziam antigamente.

    Constituição ? que constituição ?

    Nossa pretensão é apenas ficar bonito nas fotos da mídia e virar uma CELEBRIDADE com muito dinheiro no bolso p/ adquirir um apartamento ou casa, bem longe daqui. Quem sabe nas Ilhas Cayman, pq em Maiami tem muitos brasileiros novos e antigos ricos, e não tolero esta gentinha "atrasada".

  • A cada dia que passa

    fica mais evidente a fragilidade das decisões tomadas nessa operação.

    Até algum tempo atrás o caipira de curitiba quem estava exposto a raiz de seu molar.

    Teori quando deferiu a liminar contra Cunha transcorrido mais de 6 meses de seu pedido ficou na corda bamba.

    Agora assinou a sua fragilidade com essa decisão.

    Em seu despacho disse que o STF sabe tudo de todos os processos. Rindo, pergunto: então porque não impediu que o grampo da Presidenta com Lula fosse divulgado.

    Acho, sinceramente, que esses senhores "entendem" que somente existe inteligência em Brasilia e que o restante da sociedade Brasileira é um bando de energúmenos.

    Atile-se ministro!

     

  • Há uma clara percepção de que

    Há uma clara percepção de que ministros do stf estão dando publicidade a sua posição favorável à operação lava-jato, como essa do ministro Teori: ”seria “mais uma das diversas tentativas da defesa de embaraçar as apurações”. Como a entrevista do ministro Barroso elogiando os "rapazes de Curitiba".  Vivemos um momento de gravidade em que a democracia está sendo vilipendiada. É fundamental que pessoas de bem se posicionem de maneira clara sobre o momento em que vivemos. Dos que ocupam cargos tão fundamentais, como os ministros do supremo, esperamos minimamente, que não embaracem a justiça.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

  • Francisco e Chico! FHC e Lula!!

    Pois o pau que dá em Chico nunca dará no Francisco!

    Não sei como o povo de uma maneira geral ainda se levanta de manha e vai pro trabalho!!!

    Porque o povo ainda obedece quem lhe oprime com suas leis que prendem o trabalhador e liberam o "sociologo das madames de higienópolis" , se fosse só corrupção o problema do  Brasil! Chegamos num ponto sem retorno se não se derramar sangue! Só sangue vai poder lavar essa sujeira!!!Eu não acredito em mais nada que não seja uma imensa revolta popular que acabe em guilhotina para Globo, PSDB, PMDB, DEM, PP, FIESP(de todos os estados).

    Basta! Caminhar pela Paulista com palavras de ordem não vai mudar essa sujeira que estamos!!

  • " abusos cometidos pelo juiz

    " abusos cometidos pelo juiz Federal Sergio Moro na condução da famigerada operação "lava jato"."

    Parece que não só eu que considero esta lava rato "famigerada", adjetivo que já utilizei várias vezes para qualificá-la.

    "Esta porra" como disse o Jucá, ainda vai acabar com o Brasil. Mas, não com a corrupção, já que esta, a própria lava rato se encarrega de proteger. Vide delações contra o Aécio(8), Serra 24 milhões e Temer 10 milhões.

    Enquanto isto, ainda estão procurando o sítio e o apartamento do Lula.

    Todos são bandidos nesta força tarefa, da primeira a última instância.

  • O que que há, esses caras do

    O que que há, esses caras do stf foram abduzidos pelo planeta golpano? Será que não conseguem fazer um mínimo de esforço pra se livrarem do poder indutor da globo e pensar sobre as aberrações que dizem ao tentarem fazer justificativas sobre o injustificável? vi no cafezinho a explicação sobre essa decisão do teori. Meu Deus, o que esses mini-ministros fazem para arrebentar como o Pt, Lula e dilma é fora de qualquer hipótese de racionalidade jurídica. O Direito no brasil virou uma aberração paranóica total. Querem por que querem derrubar a Dilma,  prenderem o Lula e acabr como p Pt.  Depois ficam indignados como o Lula por ter ido à ONU. Quando isso se concluir, tomara que não, aí vai voltar tudo ao normal. porque aí não interessa mais o estado de exceção. Então, na ilusão desses moralistas hipócritas, os da direita entrarão  no paraiso (do capitalalimos selvagem) e os da esquerda queimaram na fogueira da miséria. Acho que só o Senhor pra fazer verdadeira justiça nesse país.

  • Crenças

    Tali Sharot

    "É difícil mudar crenças, pois as pessoas se agarram a elas como uma forma de ter esperança. Não avaliamos essas informações, emocionais, de maneira racional. Pensamos apenas se a ideologia nos fará bem ou mal, o que torna a crença integrante da personalidade. É o que nos faz achar que estamos certos mesmo quando existem evidências contrárias. Por isso, o impulso é avaliar os fatos por um foco enviesado. Se já apoio um lado durante décadas, a tendência é que eu ignore qualquer prova que mostre que esse lado está errado. Mais do que isso, costuma-se procurar por evidências, até as claramente falhas, que confirmem que continuar com a mesma ideologia é o único caminho correto. No cenário político, uma pessoa dita de esquerda se aterá tão somente aos fatos que certifiquem seu posicionamento. E uma de direita fará o mesmo. Esse comportamento está associado ao viés otimista. Defendemos a posição, seja lá qual for, que acreditamos ser a ideal. Não para os outros nem para o país, mas essencialmente para nossos desejos"

  • Juizes

    Uma perguntinha: esses caras são juizes ou manequins de griffe?

    O quanto eles gastam com seus modelitos?

    • É a deles

      Quem trabalhou nessa emissora sabe muito bem disso. Essa é a filosofia deles desde a época do, com o disse o Leonel Brizola,  senil. Achincalhar quem é contra os interesses dos tais marinhos. E tem os otários que acreditam que essa famigerada se preocupa com os problemas brasileiros. Tudo verniz e mal aplicado.

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