“Democracia em vertigem” obriga a lembrar o que deve mudar nas esquerdas, por Roberto Bitencourt da Silva

Para isso, requer-se uma combinação filosófica e programática de princípios socialistas, nacionalistas e anti-imperialistas.

“Democracia em vertigem” obriga a lembrar o que deve mudar nas esquerdas

por Roberto Bitencourt da Silva

O filme “Democracia em vertigem”, dirigido por Petra Costa e que concorre ao Oscar de melhor documentário, é um bom e importante registro histórico sobre o curso dos acontecimentos políticos e sociais dos últimos anos, no Brasil.

Mostra os intragáveis, nauseantes e escroques personagens das direitas, diretamente envolvidos no golpe de 2016, assim como expõe as ilusões e crenças liberais do petismo – que configura, ainda hoje, uma espécie de esquerda Maysa, “meu mundo caiu”…

Em meio a muitas bobagens e percepções incompatíveis com a dureza da realidade nacional, bem como interesses explicitamente antipopulares, egoístas e antinacionais, ambos os fenômenos retratados pela diretora, por intermédio da seleção de opiniões reverberadas por personagens anônimos e ilustres, as ponderações mais lúcidas refletidas no filme foram proferidas por um trabalhador.

Indagado pela câmera, em uma praça, um senhor de meia idade posicionou-se com firmeza e clareza política, mais ou menos nesses termos, afirmando o que segue: “Querem retirar a Dilma para favorecer os banqueiros, os latifundiários, os ricos, os americanos, para entregar o petróleo… para o estrangeiro… Com Lula e Dilma, a gente conseguia umas migalhas”.

Correspondendo às expectativas então apresentadas pelo entrevistado, realmente, nem migalhas para o Povo Trabalhador o abjeto e ultraespoliativo bloco de poder admite mais. É dominação bruta e explícita das classes dominantes domésticas e gringas o que predomina.

Sendo forçado por ofício a assistir ao filme, sob o estímulo e a lembrança dessa exigência profissional por minha companheira, recordo-me de atos, gestos, iniciativas nefastas e lamentáveis omissões políticas, que tanto marcaram as últimas duas décadas brasileiras, com força de incidência na composição da triste moldura do tempo presente.

Se o condomínio do poder não pretende admitir sequer a concessão de “migalhas” -denotando uma voracidade terrível sobre os direitos coletivos e individuais da maioria e as riquezas e os recursos nacionais – não deveríamos mais, especificamente sob um enfoque de esquerda, nutrir ilusões cômodas, imediatistas e infrutíferas para a saída da desgraça neocolonial em vigor. Diga-se, ilusões e esquemas de interpretação que atravessam as esquerdas partidárias brasileiras, não se restringindo ao PT.

A respeito, refiro-me, em especial, à lamentável prioridade conferida à ação político-partidária nas instituições; à atenção exclusiva (e improdutiva) reservada aos processos eleitorais; e à desastrosa tentativa de aliança entre as aspirações das classes sociais detentoras do grande capital nacional e internacional e os interesses da maioria da população, integrada pela pequena burguesia e as classes trabalhadoras – altas, medianas, populares, oprimidas e marginalizadas.

Ora, romper com a a agenda entreguista e os atores políticos, econômicos e sociais, que preconizam e aplicam o aprofundamento da nossa subserviência neocolonial às potências capitalistas, ao capital estrangeiro, ao imperialismo (palavra-chave que não faz parte do quadro descritivo do filme de Costa, mas que é categoria vital para entender o nosso tempo e as nossas vicissitudes nacionais), assim como dar cabo ou mitigar bastante o poder dos seus vassalos títeres internos, são medidas imprescindíveis para a defesa da Pátria e do Povo Brasileiro.

Medidas incontornáveis para que possamos existir enquanto Nação, para que tenhamos capacidade de (re)construir a dignidade nacional e dar vitalidade aos instrumentos de exercício da soberania nacional e popular.

Iniciativas decisivas para que o País possa controlar e dispor dos excedentes e das riquezas aqui geradas, em vez de transferi-las para os países centrais do capitalismo, como também almejando desenvolver tecnologia própria, visando reduzir ao máximo a dependência técnico-científica aplicada do exterior.

Para isso, requer-se uma combinação filosófica e programática de princípios socialistas, nacionalistas e anti-imperialistas. Uma projeção de ações que demanda árido e hercúleo trabalho político-cultural renovador das esquerdas, com vistas a incentivar a capacidade organizacional e mobilizatória popular. Uma práxis política mais dedicada à irradiação de ideias, dotada de maior desprendimento material e eleitoral, sem preocupação com conveniências e arranjos políticos de momento.

Trata-se, precisamente, de um conjunto de iniciativas, comportamentos e visões políticas, portador de fundamentais (ainda que difíceis) alvos econômico-sociais, que não se coaduna com o mesquinho horizonte político registrado pelas lentes e a narrativa do oportuno documentário de Petra Costa.

Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.

Redação

1 Comentário
  1. Os representantes da cultura nacional deveriam se preocupar mais com o que está ocorrendo ou o que ocorreu do que dar lições aos partidos e políticos.

    Realmente, em alguns momentos dá vontade de assumir a frase da Hanns Johst, um dramaturgo Nazista desde pequeninho que disse: “Quando ouço a palavra cultura….destravo a minha Browning” (Schlageter, Ato 1, Cena 1). Se a peça teatral não fosse de um nazista, se ala não fosse dedicada pelo autor ao seu ídolo Adolf Hitler, ou seja, se não fosse o monte de porcaria que ela representa, até que quando se lê alguns acadêmicos eruditos que não conseguem nem fazer uma tese descente na sua área de história e ciências sociais e colocam petulantemente a denominação de historiador, cientista social, professor disto ou daquilo e Phd em áreas correlatas, dá vontade de destravar uma arma e me suicidar.
    No caso do nazistão ele queria a arma para atirar nos intelectuais que escrevem besteiras dando conselhos a partidos políticos ou políticos profissionais o que devem ou não fazer. No meu caso seria um verdadeiro suicídio, pois como trabalhei quase 40 anos na academia, mas como meu trabalho foi na área técnica, nenhum cientista social teria condições de fazer uma crítica de minha produção acadêmica!

    Mas qual é a minha suposta necessidade de suicidar que mostro utilizando alterada a frase de tão repetida de Johst e impropriamente atribuída a Gobbels ou Göring? É a vergonha.

    Quando leio artigos tais como: “O que a esquerda deve fazer em termos de autocrítica”, “O que o partido A deveria ter feito na situação B”, ou mesmo, “ O que Lula (ou Dilma, é só mudar que dá no mesmo) deveria ter feito no ano tal.”
    Me lembro de outra frase que escutei de Emmanuel Todd, um demógrafo e historiador de esquerda, que ficou famoso com o livro que em 1972 a queda da União Soviética, através de uma análise rigorosa do único dado que era completo, a demografia da URSS e que quando perguntado a pouco sobre o futuro que ele previa através do livro A luta de Classe na França do Século XXI é que:

    “Prever o que jamais ocorreu é algo praticamente impossível”.

    Ele simplesmente diz que quando há uma sociedade atrasada que está na mesma situação que outra mais avançada estava há algum tempo, aí se pode fazer projeções e não previsões.

    Como o Brasil, dentro da América Latina é um dos países mais avançados, fazer previsão sobre o futuro e dizer o que um partido ou alguém que tem algum protagonismo qualquer deveria ter feito é uma simples especulação e não algo científico, logo os nossos “acadêmicos” deveriam se restringir mais a dar lições sobre o futuro e procurar interpretar corretamente o passado, pois talvez isto tenha mais serventia aos políticos profissionais.

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