Dia do advogado, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Hoje pela manhã reencontrei vários colegas que trabalharam no Centro de Assistência Jurídica dos Alunos da Faculdade de Direito de Osasco. Mas não é deste encontro que pretende falar e sim de um processo do CAJ no qual advoguei durante vários anos, primeiro como estagiário, depois como advogado.

O caso em questão era singelo. A esposa queria interditar o marido. Ele procurou o CAJ. Como preenchia os requisitos econômicos, ele passou a ser defendido pela entidade. O caso foi distribuído para o Grupo I, do qual eu fazia parte.

Três laudos periciais foram feitos. Cada perito atestou uma coisa diferente. Por ocasião da impugnação do segundo Laudo Pericial ocorreu um fato peculiar.

O Perito diagnosticou o cliente como “oligofrênico” e afirmou que ele tinha “idéias passíveis de serem consideradas delirantes”. A capacidade daquele cidadão de manter contato com a realidade era limitada. Segundo o Perito, o cliente do CAJ tinha uma “tendência à substituir a ‘verdade factual’ por fabulações”.

Ao impugnar o Laudo tentei demonstrar que as expressões “idéias passíveis de serem consideradas delirantes” e “substituir a ‘verdade factual’ por fabulações” não poderiam ser consideradas provas de inaptidão mental do cliente para administrar seu modesto patrimônio. Afirmei que os políticos estavam acostumados a fazer isso constantemente. Em apoio à minha tese citei duas matérias jornalísticas: uma contendo um discurso otimista de Fernando Collor e a outra uma crítica econômica que desmentia o que aquele presidente havia dito.

O Juiz mandou o Perito responder à impugnação, mas fez uma observação na sua decisão: o psiquiatra deveria ignorar a parte da impugnação que se referia ao presidente Fernando Collor, pois a questão levantada pelo advogado não guardava nenhuma relação com o caso concreto.

Esse fato peculiar me ocorreu hoje por duas razões. A primeira porque já está ficando claro que o presidente Jair Bolsonaro tem “idéias passíveis de serem consideradas delirantes” e parece ter uma predileção especial por “substituir a ‘verdade factual’ por fabulações”. Portanto, se aplicássemos ao presidente o critério do psiquiatra que periciou o cliente do CAJ, Bolsonaro deveria ser interditado e afastado do cargo.

Ao final do processo e após três laudos periciais o cliente do CAJ foi interditado, mas a restrição se limitou à administração do imóvel que ele tinha junto com a esposa (e que ele queria vender). Como advogado dele decidi não recorrer da sentença, pois sabia que se ele vendesse a casa não conseguiria dinheiro suficiente para comprar outra. Além disso, em virtude da sentença ele poderia continuar a receber e administrar sua aposentadoria.

Bolsonaro está praticamente doando tudo o que tem valor no Brasil. Ele não está causando um prejuízo a si mesmo ou à família dele, pois é público e notório que o presidente tem o hábito de usar o Estado para garantir emprego e renda para os seus. Os prejuízos que ele está causando ao Brasil são imensos, alguns deles serão permanentes (como a destruição das Universidades Públicas e dos Institutos de Pesquisa, por exemplo). Não seria melhor interditá-lo para impedir a dilapidação daquilo que pertence ao povo brasileiro?

Não creio que isso venha ocorrer. Ao que parece, desde o golpe “com o Supremo com tudo” a “verdade factual” caiu em desuso no Brasil. Tanto que o novo governo resolveu recontar a História da ditadura militar para transformar em herói um coronel que se tornou infame por barbaramente torturar prisioneiros (algo que era crime até mesmo pelos padrões jurídicos daquela época e que se tornou expressamente proibido pela CF/88).

Quando o crime se um torna indício de heroísmo a sociedade deveria ficar em alerta. Mas não é isso o que está ocorrendo, pois infelizmente existem advogados (e não poucos) que apoiam a ideologia fascista, excludente, violenta e criminosa que chegou ao poder em 2018 e que começa a sequestrar as instituições públicas brasileiras em 2019.

A glorificação da tortura é o aspecto menos cristão e mais deprimente do governo Bolsonaro. Nesse sentido, não posso deixar de fazer uma última observação. O cliente do CAJ interditado porque tinha “idéias passíveis de serem consideradas delirantes” e uma tendência a “substituir a ‘verdade factual’ por fabulações” era um homem totalmente inofensivo. Ao contrário do presidente brasileiro, ele não era agressivo. Os três peritos atestaram nos autos que aquele cidadão não era violento. Esse fato também foi confirmado pela esposa dele em seu depoimento, cuja maior preocupação era impedi-lo de vender a “paupercula domo” do casal.

O Brasil não era pobre. Sob o governo Bolsonaro nosso país está adoecendo e sendo transformado numa “paupercula domo” para a esmagadora maioria dos brasileiros. Desgraçadamente existem advogados que acreditam que isso não vai empobrecê-los de uma maneira ou de outra. Esses são os advogados merecem ser homenageados no dia de hoje?

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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