Lula lê?!, por Wilson Gomes

Lula lê?!

Sugestão de Vânia

da Revista Cult

Lula lê?!, por Wilson Gomes

O mês iniciou com um tweet do perfil de Lula: “Preso político há 57 dias, o presidente Lula já leu 21 livros nesse intervalo, leituras que compreendem dos romances à política”. Sim, agora Lula e Dilma, que solenemente ignoraram redes sociais digitais nos tempos de abundante cobertura da mídia e de cotas garantidas de sonora nos telejornais da noite, publicam intensamente por esses meios. E interagem como nunca.

Mas como o antilulismo virou um costume nacional, imediatamente algumas patrulhas identificaram a anomalia e partiram para cima. É claro que Lula não pode ter lido tanto. É claro que Lula não pode ter lido. É claro que Lula não lê.

Como costuma acontecer em ambientes digitais, algum peixinho consegue se destacar do cardume quando logra expressar de forma concisa o que as pessoas gostariam de dizer no momento. É assim que as publicações “viralizam” e os autores se tornam celebridades instantâneas. Foi o que se deu com Bruna Luiza, que se identifica como “cristã e olavette”, uma bela combinação de palavras para dizer, simplesmente, “conservadora de direita”. Fake ou não, pouco importa, é um perfil conservador politizado, dos tantos que se multiplicaram por aí nos últimos anos, só que da cepa de Olavo de Carvalho, que formou e inspirou grande parte da arraia miúda (e graúda) da nova direita conservadora brasileira.

Pois Bruna fez as contas e descobriu que Lula só podia estar mentindo. “Se cada livro tem 150 páginas (o que é pouquíssimo para um livro normal), são 3.150 páginas. Lula teria que ler 55 páginas por dia”. Pronto. Desmascarado. “Qualquer pessoa que costuma ler sabe que isso é irrealista, especialmente para um semi-analfabeto (sic)”, publicou Bruna. O impacto foi enorme. E enquanto o afeto chegava na forma de likes e retweets, a moça subia o tom. Primeiro, publicou que “55 páginas para um semi-analfabeto (sic) é simplesmente impossível”, e, não contente, rematou “Todo mundo sabe que a única coisa que o Lula lê é rótulo de pinga”.

O tempo fechou, claro, porque em ambientes digitais toda a visibilidade vem ao custo de conflitos e tretas. Muitas tretas. Os críticos partiram para o ataque desqualificando antes de tudo o parâmetro “realista” de leituras da moça – o que haveria de extraordinário em 55 páginas lidas por dia, ainda mais quando incluem romances e livros de política?  Considerando-se que Lula, um sujeito extremamente ativo e inteligente, está encarcerado, sozinho e com enorme tempo livre, qual é mesmo a surpresa quanto ao fato de este tempo ser despendido na leitura do que lhe cai à mão? Se cortasse o wi-fi, talvez até Bruna conseguisse ler tanto.

Mas enquanto as pessoas se concentrava no parâmetro quantitativo, concentrei-me no “semi-analfabeto”. Aparentemente, o ser analfabeto, em Lula não foi uma circunstância nem era provisório, como em todo mundo, mas uma propriedade estável. Os outros analfabetos podem ser alfabetizados e até se tornarem grandes leitores, menos Lula, que foi, é e será sempre analfabeto. Ou quase. Lula pertence à raça dos analfabetos ou semianalfabetos, não tem escapatória. Não importam as evidências de que leia e muito. E de que não poderia ter tido a sua extraordinária trajetória de sucesso na vida se não dominasse a leitura e a escrita em um nível muito sofisticado. Não, Lula não engana, tem que ser, precisa ser um ignorante fingindo conhecer. Mudam-se circunstâncias, a natureza não se muda: a ignorância é da sua natureza.

Por anos, monitorei a reação das redes digitais da direita conservadora a cada título de doutor honoris causa que Lula recebeu. Foram muitos. A cada novo título, um surto de fúria e indignação no Twitter e no Facebook. Os antilulistas tinham convulsões públicas. O que sempre me impressionou, nesses momentos em que o despeito chegava às alturas, era o perfil dos revoltosos. Nunca vi sequer um dos habitantes do mundo científico, que fazem parte da minha rede, com títulos de doutorado e muitos estágios de pós-doutorado no currículo, achar indignos ou imerecidos os doutorados honoris causa de Lula.

Em compensação, a patuleia que mal tinha concluído uma graduação, se muito, entregava-se a gritos de “analfabeto!” ou, para usar o impropério cunhado ad hocpara Lula por Reinaldo Azevedo, “apedeuta!”. As pessoas do campo científico, sabem o que significam o h.c. e, em geral, não se sentem diminuídos porque a Lula foi concedido um título de honra, por méritos relacionados à sua reconhecida trajetória como homem público. Já para os antilulistas com menor educação formal, acontecia contrário: os títulos de Lula os ofendia pessoalmente.

Eu gostava particularmente do modo como os que se consideravam insultados pelos títulos de Lula iniciavam os posts em redes digitais ou as cartas-correntes de e-mails. Em geral, era na base do “só no Brasil mesmo…”, ainda que a universidade a conferir o título não fosse brasileira, ou “vejam a que ponto chegamos…”. A primeira fórmula denota a posição vira-latas básica. Equivale a dizer que “em lugares civilizados isso nunca aconteceria, já no Brasil até analfabetos recebem títulos de doutorado”. A segunda expressão afeta decadentismo: “houve um tempo em que este título era grandioso, nobre e para poucos, mas hoje em dia há esse absurdo de a plebe tomar conta de tudo e um qualquer virar doutor”.

O vira-latas é só isso mesmo, um sujeito invejoso, lidando eternamente com os seus complexos de inferioridade, para quem é insuportável admitir a ideia de que uma pessoa que ele considera igual ou inferior a si possa ser indignamente recompensada. O decadentista é alguém inconformado pela perda dos privilégios, seus ou da sua classe, com a massificação do acesso aos recursos. Mesmo que sejam recursos de que ele não desfruta, é questão de honra que estejam ao alcance somente de pessoas exclusivas e superiores, que não sejam compartilhados com essa massa indiferenciada de gente que ele nem reconhece nem respeita.

Há um monstro em mim que se diverte quando sofrem pessoas que pensam assim, confesso.

Bruna Luiza é só mais um registro de uma atitude moralmente bem pequena. Para ela, não é apenas que Lula não possa ser doutor; Lula não pode sequer ler 55 páginas por dia. Lula simplesmente não pode. O seu ódio por Lula só se sente autorizado moralmente e justificado intelectualmente se a inferioridade moral e cognitiva de Lula for um fato incontestável. Lula é um cachaceiro, um semianalfabeto, um mentiroso e um ladrão. Lula não presta. Se concordarmos com isso, mesmo um “cristão” tem o direito de detestá-lo e de o insultar. Lula não pode ser igual ou superior a Bruna Luiza, caso contrário é o ódio de Bruna que será considerado uma aberração moral e não Lula.

Neste sentido, é bem a cara da mentalidade-Bruna que ela cometa o que a Nova Ortografia considera um erro justamente na palavra usada para desqualificar Lula: semi-analfabeto. Não, Bruna, semianalfabeto se escreve como semiaberto, semiárido, semiembriagado, semiobscura. Mas a gente releva, é um erro circunstancial, qualquer um erra, não é uma questão de caráter. O engraçado é que quando lhe apontaram o erro, a menina Bruna rebateu, altiva: “Não sigo um acordo ortográfico assinado por um semi-analfabeto”. Pois é, como dizia, não há problema de caráter em errar justamente na grafia do adjetivo usado para chamar alguém de ignorante. O problema de caráter está implicado no preconceito que você carrega e reproduz apaixonadamente.

 
13 Comentários

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  1. Semi–analfa

    Luíza é uma aristocrata culta que bebe direto da fonte: olavo.

    Lula é um homem educado, um humanista e o maior estadista da história dessas terras.

    Respondo por ele: VTNC.

  2. Não diria que o autor se

    Não diria que o autor se destacou do “meu” cardume, porque o dele é outro, cardume de peixão, não de um pobre bagrinho como eu. E como ele demonstra não ter nenhum preconceito sigo-o por esses mares revoltos pois ele expressa de forma concisa tudo o que eu gostaria de falar neste momento. Bagrinho petulante, até pensei, inicialmente, que poderia acrescentar algo ao texto sobre o motivo desses “alfabetizados” (as) assim se portarem. Mas ao final estava tudo explícito. Sofrem de uma inveja incurável, projetando no “apedeuta” as toneladas de complexos, frustrações e derotas que carregam. Os que eventualmente não forem culpados de seus fracassos merecem comiseração e psicoterapia se aceitassem o tratamento; os outros, agradecimento por divertirem nosso “monstro”. Só que há, neste momento, algo que muito me preocupa.e que não consigo ver saída com comiseração ou tratamento, e também não será motivo de diversão para monstro nenhum: Vislumbro  uma epidemia de suicídio num certo cardume, quando Lula, conduzido pela rainha, subir a rampa do Palácio da Noruega para receber um Prêmio. Há muito não rezava. Ultimamente minhas preces são diárias, clamando à intervencão divina que ele não seja agraciado com o Nobel da Paz, única forma de evitar a tragédia das mortes auto-infligidas, corrigindo, autoinfligidas.

  3. o professor confere ao olavo

    o professor confere ao olavo uma importâbcia que eu acho que ele não tem. Dizer que ele formou essa moçada é desprestigiar o esforço de muita gente. O olavo pegou a obra pronta e acabada. Só levou a fama. Esse esforço de colocar a culpa da imbecilidade brasileira em figuras como olavo é uma forma de isentar um monte de gente. O caetano por exemplo também acha que o Lula é analfabeto. Ou achava, sei lá (como agora ele grita fora temer eu não sei se mudou de opinião). Qual a diferença da bruna pro caetano? alguém explica? 

     

  4. Lula lê?!

    Pessoas como essa  Bruna merecem nosso desprezo. Eu conheci um homem do povo que quando tomava umas e outras costumava dizer, com a sapiência que as pessoas simples e sinceras possuem: “as pessoas são diferentes das criaturas”.

  5. Meu pai fez 80 anos, não tem
    Meu pai fez 80 anos, não tem o primário completo e leu mais livros do que qualquer universitário que eu conheci
    Leu quase todos do Guimarães Rosa, e nos três cursos universitários que fiz não conheci ninguém que tenha lido Grande Sertão ao menos, conhecem de ouvir falar. A bíblia sabe de cor. Leu muito até por causa da pobreza, ler era a única distração, pois era trabalhar e voltar pra um cubículo no fundo de uma habitação coletiva.
    Eu mesmo senti isso na pele quando a televisão da casa quebrou e não tinhamos dinheiro para o conserto, na ocasião, olhei pra estante e comecei a ler livros que me.marcaram, Sr. Pickwick e Servidão Humana, entre outros.
    Tem.mais pra essa gente.imbecil metida a sabida, meu pai também escreve versos em cordel.
    É um baiano retado..

  6. ficou bom o meme!

    que questiona duvidar de lula ler esses livros e acreditar que os desembargadores leram as trocentas mil páginas do processo em menos de 1 semana.

  7. Perdoai-vos pai

    `É recorrente na boiada. Quando estoura as reses que querem parecer diferentes correm mais que as outras. E dão pulinhos, fazem gracinhas para se achar superiores ao resto.

    Mas todas obedecem o berrante.

    Da globo. Que berra plimplim.

  8. Sempre disse a estes ingênuos

    Sempre disse a estes ingênuos (como a minha própria mãe) para não confundir analfabetismo com ignorância. Pelo que a literatura nos mostra, não sabemos se Sócrates sabia escrever ou mesmo ler. Claro que Lula sabe ler e escrever, mas a sua inteligência (principalmente política) não tem nada a ver com isto. Assim como a completa ignorância política, social e histórica do Ministro Barroso não tem relação alguma com sua formação em leitura e escrita.

  9. Uma coisa posso garantir, O

    Uma coisa posso garantir, O Lula sabe ler o que muitos não enxergam, o caminho para o desenvolvimento do Brasil.

    Agora, será que a Luiza sabe o que é, ou muito menos, ler um Micrometro ou um Paquimetro? O Lula sabe!

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