Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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O desalento político no Brasil, por Aldo Fornazieri

Quanto mais desatinado o presidente da República mais se exige ação da oposição para dar direção e sentido ao país

Foto do Blog do Esmael

O desalento político no Brasil

por Aldo Fornazieri

Não é só no campo do desemprego que o Brasil tem alguns milhões de desalentados – algo em torno de 4,8 milhões. No campo político o número de desalentados deve ser muito maior. Talvez a metade da população ou mais. O capital político do presidente Bolsonaro está evaporando de forma rápida e bem antes do que se esperava. Claro que em política sempre é possível começar de novo, se refazer. Mas os sinais que emanam do Planalto não são estes. São de confusão, desatino, atabalhoamento, arruaça política, falta de noção, de compostura, de decoro e de equilíbrio.

Parece que Bolsonaro tem consciência do seu modo perturbado de ser e de agir. Por isso se cerca cada vez mais daqueles que podem dar-lhe alguma segurança, alguma contenção e algum limite: os militares. Mesmo na condição de comandante em chefe das forças armadas, Bolsonaro parece ver-se na eterna condição de capitão, subordinado a generais, coronéis e majores. A única forma de Bolsonaro sentir-se seguro é entre militares. A única forma de sobreviver é a de entregar-lhe mais poder e ser tutelado por eles. Mas, se exacerbar na indisciplina, à semelhança do tempo da ativa, os oficiais superiores poderão tirar-lhe o poder. 

Os militares tornam-se, desta forma, a única força com capacidade operacional dentro do governo. Com a crise envolvendo Bebianno, o PSL perdeu poder e relevância. O governo não tem uma base política sólida no Congresso e nem tende a tê-la. Irá tentar compor maiorias a partir das pautas. Os militares poderão compor-se com o outro centro político com capacidade operacional: o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Ele emergiu forte das eleições internas da Casa e tem mostrado capacidade de diálogo e de articulação. Pode dar uma certa coerência e estabilidade nas votações ao centrão, ao PSDB e ao MDB.

Na medida em que os militares vão controlando efetivamente o governo, controlarão também a economia. Por terem hoje mais afinidade com o liberalismo econômico e menos com o estatismo, mesmo sem descarta-lo totalmente, tenderão a se compor com Paulo Guedes, ao mesmo tempo em que tentarão limitá-lo. O Brasil vai se configurando, assim, como um país que tem um governo militar com verniz civil, emergido de uma eleição. Que argúcia, que perícia, que capacidade, que prudência os militares terão em manter-se dentro dos parâmetros da Constituição é algo que só o futuro dirá.

Com a queda moral dos bolsonaristas e da família presidencial, Sérgio Moro ficou pequeno, encolhido, e vai adquirindo o tamanho que sempre deveria ter tido. Só se tornou alguém por ter violado, com o beneplácito do STF, as leis e a Constituição, não só na sentença contra Lula, mas no próprio julgamento em si. Julgamento de exceção, pois significou a violação do princípio do juiz natural. Lula jamais poderia ter sido julgado por Moro. Na medida em que seu pacote anticrime não ataca as causas da violência, esta deverá continuar alta e Moro irá perdendo relevância.

Outro setor que corre riscos com o crescimento da força dos militares é o setor místico-lunático encastelado nos ministérios das Relações Exteriores, da Educação, do Meio Ambiente e da Família. O vice-presidente Hamilton Mourão já demarcou terreno com esses setores e, ao que tudo indica, em nome dos demais militares.

O que vai ficando cada vez mais claro é que as eleições de 2018 não significaram nem uma recomposição política e nem uma recomposição partidária do país. Bolsonaro mostra-se incapaz de agregar forças políticas, indicar caminhos, comandar um projeto, seja ele de país ou simplesmente de poder. Na medida em que o PSL, maior bancada da base governista, se mostra menos um partido e mais um ajuntamento de indivíduos, também é incapaz de pilotar uma recomposição política e partidária do país com a força do governo. Sequer há aquilo que alguns temiam ou imaginavam: uma força capaz de imprimir um viés fascistizante ao governo.

Mesmo com cerca de 47 milhões de votos no segundo turno das eleições, com força em governos estaduais do Nordeste e com a maior bancada parlamentar eleita, o PT também não se mostra capaz de ser um centro de recomposição política e partidária pela via da oposição. O partido não consegue nem fazer uma campanha consistente em prol da liberdade de Lula e nem avançar na ocupação de espaços políticos e de poder na oposição ao governo. Desta forma, o PT parece ter entrado num círculo da auto anulação: gira em torno do infortúnio de Lula, sem ser capaz de resolver o problema e sem ser capaz de sair dele.

Comandado por vozes estridentes, o PT se estreita e se torna caudatário da linha política do PSol. A estratégia do PT não pode ser a mesma do PSol. O PSol é um partido em construção. O seu radicalismo, a sua coragem e a sua combatividade tenderão a arrancar pedaços do PT nas bases. O PT não conseguiu fazer um balanço consistente das eleições e não consegue recolocar-se na conjuntura, não consegue reinventar sua estratégia e coloca-la em consonância com os novos tempos. O PT precisa ter um projeto de país que vá além dos limitados feitos dos 13 anos em que governou. Um projeto de transformação da sociedade e da economia que vá além de um rol de programas sociais que não foram capazes de mudar a estrutura das desigualdades que comanda o Brasil. Um projeto de reformas capaz de combater os privilégios públicos e privados, de modernização da administração e do Estado e de inserção do país no mundo globalizado de forma ativa.

A síntese do que se tem hoje no Brasil é a seguinte: um presidente que gera crises para o seu próprio governo e demonstra não ter capacidade e estrutura psicológica para comandar o país. Um núcleo militar cada vez mais forte no governo. Núcleo que até pode imprimir uma direção racional ao governo, mas que não tem base política no Congresso. Uma direção ultraliberal na economia que acredita que a reforma da Previdência e as privatizações são a chave que, por si sós, alavancarão o crescimento econômico, algo que é sabido que produz apenas efeitos parciais. Uma oposição sem rumo e fragmentada. Uma militância de esquerda pouco animada e sem direção. O maior líder político preso por sentenças injustas e uma carência desértica de novas lideranças políticas populares.

O Brasil elegeu um presidente que já é um desengano sem que se completassem dois meses de governo. A única forma de Bolsonaro sobreviver ao seu governo consiste em governar pouco, comandar pouco e falar pouco. A única forma de sobrevier é entregar-se à tutela dos militares e deixar que os seus ministros operem as ações do governo. Trata-se de um enorme desalento para a maioria dos eleitores que votou nele. Quanto mais desatinado o presidente da República mais se exige ação da oposição para dar direção e sentido ao país, ao povo. A oposição precisa ser capaz de mostrar que seria melhor que o governo que está aí.

Depois da crise política, institucional e partidária dos últimos anos era de se esperar que as eleições produzissem uma alentada esperança. Não é isto o que está se vendo. O Brasil precisa de uma reconstrução política e partidária, de partidos fortes e organizados, capazes de comandar movimentos e processos, renovações e mudanças. Precisa de lideranças inovadoras, prudentes e virtuosas, capazes de conferir dignidade, confiabilidade e legitimidade à política e às instituições. O povo precisa de comando e unidade por meio de líderes fortes e corajosos para que possa mobilizar-se na crença de que é possível construir um futuro melhor, mais digno e mais justo.

Como as perspectivas neste sentido não são boas, as bases políticas e sociais do campo progressista precisam se colocar em movimento por si mesmas, pelas suas lutas, pois somente esses movimentos e lutas serão capazes de gerar novas lideranças. Os líderes que estão aí, ou se reciclam, se renovam, ou precisam ser desalojados. Os trabalhadores, o povo, as mulheres, os jovens, os negros, as periferias não podem suportar novas derrotas, novas perdas de direitos, novas interdições do futuro. O palavrório dos dirigentes partidários, dos sindicalistas e dos parlamentares – com exceções, claro – é pouco crível, pouco animador, pouco convincente, pouco estimulante. O que esses dirigentes oferecem hoje é desalentador. O desalento não pode ser aceito.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

12 Comentários

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  1. Alguém precisa dizer ao Haddad que pare de divulgar ironias sobre Bolsonaro. Deve falar dos grandes temas da política. Esquecer das baixarias. A imprensa já está cuidando disso. Um líder da oposição tem que falar ao povo sobre os grandes temas da nação.

  2. Capacidade de se manter nos limites constitucionais? Nenhuma……

    Prenderam Lula, e ameaçaram quem ousasse soltá-lo, precisa mais?

    O país elegeu um aloprado e com um séquito de aberrações, vão tentar liberar o entulho para dar um verniz de normalidade e viabilizar o pacote de maldades que querem infligir ao povo….

    Quanto ao PT, fico imaginando qual a solução que esses críticos esperam do partido…..que o inicie uma revolução? Não perceberam que estamos em um regime de exceção? E se o PT, com trinta anos de existência, com o maior líder da esquerda, com uma administração presidencial aprovada está sofrendo pesados ataques, o que dirá um partido pequeno como o PSOL? Cujo maiir nome renunciou e abandonou o país????

    Menos…….

  3. Os brasileiros estão todos perdidos. Esse governo não tem proposta, montou uma equipe de idiotas, que usam a mídia para dizer impropérios.
    Os militares cada vez mais fortes, podem nos fazer uma surpresa, tipo 1964.

  4. Pelo que que está mostrado, em resumo, o Professor recomenda uma constituinte ou uma reforma constitucional que ordene os pontos que diz estarem desajustados na vida política e econômica do país. Quem iria por um guizo no pescoço do leão? Embora veja desarrumação de toda ordem no PT, que mantém sua base no Congresso, este partido é visto como completamente desarticulado para dar rumo ao país, que no momento seria a pacificação política e retorno da funcionamento da economia, no sentido de reduzir o desemprego. Diga-se de passagem, levando em consideração o que resta de partidos no país, talvez o único com capacidade orgânica e quadros para reverter a situação seja mesmo o PT. As mudanças políticas e econômicas mais profundas ainda não estão na pauta. O prioritário é recuperar o país para comando dos representantes do povo, livrar-se dos golpistas de 2016, cessar a tendência de entregar de todo o poder aos militares.

  5. Professor Aldo se os militares comporem completamente com a Maçonaria internacional do Guedes os Maçons militares brasileiros serão engolidos por eles,essa gente internacional ACABA com os países e repare só como o Brasil irá se DISSOLVER/DESMENBRAR com a aprovação do pacote de armas isto aqui virará o caos com Guerra civil,movimentos separatistas religiosos ou não e fora grupos paramilitares,tudo isso aplaudido pelas FORÇAS ESTRANGEIRAS INFILTRADAS NO GOVERNO BRASILEIRO e meticulosamente planejado,esse é o plano o CAOS,tá na cara,estou desconfiadíssimo q não são os militares brasileiros q mandam, são meros cumpridores de ordens,pelo andar da carruagem,o desmonte do país e o esfolamento do povo,isso tudo está sendo enviado goela abaixo pelo MOVIMENTO INTERNACIONAL EMPRESARIAL FINANCEIRO!!
    Se os militares são cinco chicotadas nos Brasileiros o Guedes é dez chicotadas prazerosas e sarcásticas no Brasil para a alegria e orgasmo do movimento internacional estrangeiro infiltrado aqui e lá fora !

  6. 88 anos de Fascismo de Esquerda. A Elite Parasitária do Projeto Fascista dos anos de 1930 já vislumbram a extinção. Mostrem a periferia de Manaus ou Belém. Ou Barcarena? Precisamos salvar a Humanidade com Nossa Amazônia e Nosso Meio Ambiente? País de muito fácil explicação. Quando a Censura permite.

  7. Sua Interpretação peca apenas num único aspecto, o PT. Não, este não tem que ficar dando coordenadas para o governo governe. Oposição, se mantendo estrategicamente com seus binóculos à distancia, assistirá de camarote a autodestruição dos seus algozes. Foi assim q o Povo pediu. E quanto a Lula, quanto mais eles -algozes, o mantém preso, mais o país vai vai prorrogar sua crise política e econômica. Entende onde mora o Pulo do gato. E, o povo, sufocando-se na própria tragédia criada, fica na obrigação de pedir novo governo.

  8. O Brasil só começa a funcionar depois do carnaval. Isso se aplica a tudo. Portando, vamos esperar até lá para ver se alguém no PT resolva fazer alguma coisa.

  9. Pelo que parece, o Prof. Aldo acha que o PT é culpado de nao conseguir o Paraíso… Ora, ora, dê o caminho das pedras, professor, de como governar com um péssimo Congresso, imprensa monopolizada e partidarizada, judiciário judiciando contra e ainda assim conseguir o Paraíso. Falta de noçao pouca é bobagem mesmo.

  10. A redemocratização foi um processo de pacto de classes e não uma saída real com o julgamento de militares, políticos e empresários que compactuaram com o golpe de 64.
    O Brasil tem um longo passado pela frente. Um país que nunca conseguiu elaborar seu própria história porque sempre foi mal resolvido.
    Quem é mal resolvido consigo mesmo, não consegue andar nem para frente e nem para trás, fica apenas parado no tempo cultivando suas fantasias.
    O desalento provém de um choque de realidade para nos levar a ação. Mas será o suficiente para esses sujeitos saírem de suas psicoses megalomaníacas que ainda custarão vidas?
    É assim o Brasil, um gigante mal resolvido, sem caráter e sem noção de sua própria realidade e que está a deriva no oceano de ignorância coletiva.

  11. O desalento é enorme. Nestes dois meses de circo “Famiglia Bolsonaro” a agenda política foi dominada pelas doidices e pelas nefastas iniciativas das direitas. PT, movimentos populares, resistência a sério,nem com telescópio se vê.
    Um nação que nunca teve uma revolução, um momento político verdadeiramente disruptivo, não passou da infância. Os Estados Unidos, tão criticados, tiveram pelo menos três momentos, a guerra da independência, a guerra civil e o movimento pelos direitos civis dos anos 60. De um certo modo também a conquista do oeste, uma gigantesca reforma agrária e não só. Este momentos ou períodos marcaram ou fizeram um país inicialmente hiper-dividido e inexplorado em boa parte. Tudo à custa de muita violência, sem dúvida. E o Brasil? Algumas revoltas, a guerra dos Farrapos, talvez a mais politizada, a luta quase sempre vencida dos negros na resistência à escravidão, algumas revoltas regionais contra o império e a república velha, a Coluna Prestes, um movimento eminentemente militar.
    Somos uma “sociedade colonial avançada”, uma verdadeira república, uma democracia em moldes europeus nunca fomos. Um sistema político-partidário que ainda tem muito da “república velha”, apesar da digitalização das mensagens e manipulações diversas. Um nível educacional baixíssimo, se comparado com a Europa e mesmo com países como Argentina, Chile, Uruguai.
    É verdade, professor, que desalento. Nossa geração, a das pessoas de esquerda hoje entre os 65-/75 anos, parte dos quais já militantes nos anos duros da ditadura militar, foi fragorosamente derrotada. E vemos com pesar que a geração a seguir, que despertou com grande força ao final dos anos 70 e durantes os anos 80, que construiu o PT, a CUT, movimentos populares, também foi derrotada e muitos de seus dirigentes enredaram na burocracia estatal, no acomodamento, quando não em coisas mais condenáveis.
    PT e Lula não tiraram a mais simples lição dos anos 2015-2017. Ao insistir com Lula, ao não criar novas lideranças para sucederem a Lula como candidatos e líderes nacionais, Lula e PT afundaram-se, e Lula pagando um duríssimo preço.
    Que desalento, perdoem o dito cujo.

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