Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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O Domingo Sangrento e a Frente de 1º de Maio, por Gilberto Maringoni

De algumas semanas para cá, o aspirante a führer instituiu seu domingo sangrento rotineiro. Não falha. Pode ser na rampa, pode ser em frente a algum quartel e, quem sabe algum dia, será numa cervejaria. Em qualquer lugar, o golpismo bate ponto a cada sete dias.

O Domingo Sangrento e a Frente de 1º de Maio

por Gilberto Maringoni

A SEMANA QUE PASSOU trouxe sinais de temor e esperança, com possível proeminência dessa última, em tempos pandêmicos. Jair Bolsonaro e suas hienas expeliram bílis raivosa em frente ao Palácio, dois dias depois de a oposição realizar sua mais importante atividade unitária desde janeiro de 2019. Agreguem-se outros fatos ao caldo da conjuntura: o presidente da República colheu dois reveses no STF e possíveis revelações de seu ex-ministro da Justiça rondam o governo como um espectro.

O chefe do Executivo decidiu elevar exponencialmente o tom em seu já tradicional chute de balde domingueiro, na tarde deste dia 3. “Peço a Deus que não tenhamos problema nessa semana, porque chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui para frente”, bradou da rampa do Planalto. E sublinhou: “As forças armadas ao lado da lei, da ordem, da democracia, liberdade também estão ao nosso lado” (sic). O general Heleno poderia copidescar a cantilena com sua sutil veia poética: “Vamos botar pra fo(…)er!”

De algumas semanas para cá, o aspirante a führer instituiu seu domingo sangrento rotineiro. Não falha. Pode ser na rampa, pode ser em frente a algum quartel e, quem sabe algum dia, será numa cervejaria. Em qualquer lugar, o golpismo bate ponto a cada sete dias.

O ritual conta com malta enfurecida e cuidadosamente organizada. Há verdamarelismo descontrolado, brados pelo fechamento do Congresso e do STF e malhação de supostos judas de ocasião. São lembrados cada vez mais Rodrigo Maia, João Dória, Wilson Witzel ou instituições inteiras que o impediriam de trabalhar. A novidade é o anjo caído Sérgio Moro, além de adereços adicionais, como as bandeiras dos EUA e de Israel exibidas juntamente com a brasileira.

A TÁTICA EXTREMISTA É SIMPLÓRIA. Não busca estudar o terreno, o potencial de suas forças, a possibilidade de ataques por novos flancos ou antecipar-se a movimentações inimigas. Apenas bate-se mais duro à medida que o tempo passa, elevando a violência verbal e incentivando a brutalidade física de seus seguidores.

Repetem-se absurdos, até que estes soem como ideias normais, colocadas para o debate nacional. Depois de tanto se repetir a necessidade de uma ruptura institucional, alguém pode propor dialogar sobre o fechamento de um dos poderes, num talk show de fim de noite, ou numa página de opinião qualquer. Por que não? É preciso tentar de tudo para tirar o país da crise, dirão vozes desinteressadas.

Após a presepada semanal, a reação democrática foi fulminante, pelas telas da…Rede Globo! O Fantástico destroçou a psicopatia bolsonarista, exibindo vozes uníssonas de Rodrigo Maia e dos principais líderes da oposição parlamentar (incluindo o PT), além de entidades do que se convencionou chamar de “sociedade civil” (OAB, ABI, Fenaj, ANJ etc.).

Essa verdadeira frente informal ganhou musculatura a partir das comemorações do 1º. de Maio das Centrais Sindicais, na última sexta-feira. É um marco para a democracia em tempos de coronavírus e catástrofe econômica.

EM ATO VIRTUAL que contou com dezenas de estrelas do mundo da cultura e do entretenimento – com destaque absoluto para o grande Odair José -, uma bolha foi rompida nos meios de comunicação. O movimento sindical demonstrou ousadia, serenidade e percepção clara do perigo da hora. Todo o esforço deve ser concentrado em salvar vidas, garantir emprego, renda e democracia.

O rompimento da bolha colocou pela primeira vez em anos, Lula e Dilma no Jornal Nacional, fora das notícias policiais. Devolveu-se a líderes banidos o espaço jornalístico que lhes é de direito. Pela tela da mesma Globo – cortejada ad nauseam pelo lulismo entre 2003-16 – desfilaram nos dias seguintes os petistas Fernando Haddad e José Guimarães, o comunista Flavio Dino, além do pedetista Ciro Gomes.

A tradução material disso significa unir o impensável contra um inimigo comum, numa articulação a um só tempo incisiva e plural. Vale sempre lembrar de antigo sábio oriental que enfatizou: “Só é radical quem é amplo”. Assim, o palanque eletrônico compartilhado nas páginas de centenas de entidades e organizações populares por mais de seis horas, contou com as presenças de Lula, Fernando Henrique, Marina, Ciro e Dilma, além de dezenas de lideranças nacionais. Esses cinco marcaram a espinha dorsal da manifestação. É pena que Rodrigo Maia e Guilherme Boulos – representantes de lados antagônicos no espectro político – não tenham também se colocado. Pois a frente necessária para se tirar Bolsonaro do poder não pode conter vetos preestabelecidos pela trajetória pregressa de cada personagem.

Foi justamente a presença de FHC que demonstrou o caráter panorâmico do ato. Sim, o ex-príncipe dos sociólogos que vendeu a Vale, a Embraer, a telefonia, o sistema elétrico, que quebrou o país três vezes e muito mais. Pois ele se descolou da direita extremada, num movimento que pode ter raízes mais profundas entre os donos do dinheiro no Brasil. E tal movimento deve ser saudado vivamente, pois política de frente é atividade concreta e bem delimitada.

FRENTE SE FAZ A PARTIR DE OBJETIVOS DEFINIDOS e não pela fulanização deste ou daquele componente. O que define uma convergência desse tipo é seu programa.

A mais ampla frente política da História, aquela que uniu o socialismo soviético aos imperialismos norteamericano e inglês na II Guerra Mundial se fez com meta nítida: extirpar a barbárie nazifascista da face da Terra. Não tinha estatutos ou ata lavrada em cartório. O que se pretende agora, em termos nacionais, é realizar tarefa semelhante.

A esse feito maiúsculo devem ser agregados as derrotas de Bolsonaro no STF, como a negativa à nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal e o tresloucado gesto do Itamaraty, que buscou expulsar em 34 diplomatas venezuelanos do território nacional.

O DOMINGO SANGRENTO bolsonarista deve ser visto também diante do depoimento de Sergio Moro em Curitiba e do estreitamento da base de sustentação oficial. Embora pesquisas até aqui demonstrem que o celerado mantém cerca de 30% de aceitação entre a população, sua movimentação pelo mundo institucional denota que o motor da extrema-direita começa a ratear. Para substituir dois ministros com elevada aceitação na opinião pública, Bolsonaro recorre ao rebotalho político brasileiro, onde também vicejam vultos como Roberto Jeferson e luminares opacos do Congresso.

Repetindo: Bolsonaro não dispõe de tática sofisticada. Quando acuado, ataca e ameaça recorrer às suas milícias reais. A temperatura da conjuntura se eleva, mas não se sabe o fôlego de uma coalizão governamental composta pela fina flor do lumpesinato a serviço do bom e velho grande capital, em tempos de devastadoras crises sanitária e econômica. Cadáveres começam a lotar corredores de capitais e o máximo que o pai do sátiro do Vivendas da Barra consegue berrar é: “Essa conta não é minha”! A grande incógnita dessa equação é: para onde irão as forças armadas?

Há um movimento importante em curso. O psicopata pode estar perdendo o monopólio da agenda. Ou a capacidade de manter a ofensiva no enfrentamento que construiu.

É algo fatal em qualquer disputa política.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

2 Comentários

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  1. Ainda bem que notaram a estranha presença das bandeiras de Israel e EEUU na rampa “da casa” do agitador, posto que não governa, só tumultua.
    Deve-se ainda notar que algumas centenas ou mesmo poucos milhares de míniontantes no ato não podem ser confundidos como “O Povo”. São apenas “hooligans”, torcedores fanáticos, violentos e barulhentos.
    Um equívoco que carrega o intento de confundir e convencer os demais de “apoio popular”. E funcionou virulentamente em 2018.
    Se considerarmos os cerca de 150 milhões de eleitores brasileiros, isto significa menos de 0,008% (8 milésimos por cento).
    Se consideramos uma torcida de time “pequeno” (o Bahia tem cerca de 2 milhões) e elas enchessem uma grande avenida para comemorar um campeonato, isto estará longe de poder se afirmar que o povo brasileiro torce para o Bahia. Mas o presidente do clube num palanque de carro de som estaria esfuziante.
    As mais recentes pesquisas dão ao agitador 27% de apoio efetivo, o que já está perto de 1/4 e caindo (já menos da metade da eleição), até o resquício eleitoral que lhe cabe, de 10% a 15% deste eleitorado politicamente drogado.
    Pequeno, mas muito ativo, organizado, agressivo e barulhento.
    E motivado, seja por $, seja por interesses ocultos ou por meras e incompreensíveis alucinações.
    Que evidentemente são difíceis de explicar.
    Mas comumente perigosas.

  2. A caterva barulhenta bolsonarista é igual a 10% do eleitorado. Os alienados e indiferentes são 29% (última eleição). Portanto, só é preciso ter um objetivo comum pros 61% exercerem a vontade da maioria.

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