O futebol como máquina de moer gente, por CarlosCarlos

É crucial que assim como Raí, dirigentes, jogadores, ex-jogadores e jornalistas que são contrários à volta precoce do futebol, se posicionem. O momento não permite omissão.

O futebol como máquina de moer gente

por CarlosCarlos

Futebol sem torcida. Gol sem comemoração. Sem cuspes no chão. Sem reclamação com árbitros. Confinamento de jogadores. Não, isso não é uma abstração de ficção científica como filmes estadunidenses antecipando o futebol do futuro com robôs em campo, mas sim o “desespero” de dirigentes da Federação Paulista de Futebol (FPF), em nome do seu presidente Reinaldo Carneiro Bastos, de voltar o Campeonato Paulista à qualquer custo.

Mas para não ficar tão escancarado, esses dirigentes “falam bonito” e fazem vários adendos, ressaltam que estão seguindo todas as recomendações médicas e que não há com o que se preocupar. Em recente entrevista ao Globo Esporte.com, o ortopedista Moisés Cohen, presidente do Comitê Médico da FPF, disse o seguinte:

“Tudo o que foi colocado no protocolo é uma recomendação da FPF para os clubes. Caberá a cada um deles acatar dependendo da sua realidade. Mas todos os médicos do Campeonato Paulista já se posicionaram favoráveis às medidas, e isso me deixou muito satisfeito”.

Satisfeito?? Que médico em sã consciência fica “satisfeito” em liberar jogos de futebol em meio à uma pandemia global que está matando milhões??

Ontem, 05/05/2020, segundo o Ministério da Saúde, o Brasil atingiu 600 mortes pelo Covid-19, em 24 horas. No total, até agora são 7.921 mortes e segundo a pasta ainda existem 1.579 óbitos em investigação. Ao todo, são 114.715 pessoas infectadas no país, e isso tudo falando somente em números oficiais.

O protocolo o qual Moisés Cohen se refere é um conjunto de diretrizes que a FPF estabeleceu para a volta do campeonato, como por exemplo o uso obrigatório de máscara em quase todas as situações,  testes periódicos em jogadores e demais envolvidos, jogos com portões fechados e restrição do número de pessoas nos treinos e nos jogos.

Em uma entrevista ao UOL, o presidente da FPF Carneiro Bastos, disse:

“Há uma preocupação muito grande de todos com a saúde, com a vida humana. Por isso estamos criando o protocolo da nova forma de jogar futebol. O futebol não vai colocar em risco nenhuma vida humana”.

Nova forma de jogar futebol?? Sem torcida e sem comemoração?? Sem cusparada no chão?? Que tal um futebol sem gols também?? Porque sabe como é, a bola pode estar contaminada com o Covid-19 e bater no rosto do goleiro, então melhor não chutar no gol pois o goleiro pode se infectar, mesmo com luvas (contém ironia).

Esse tipo de declaração de Carneiro tem uma semelhança com declarações do “presidente” Jair Bolsonaro, que um dia diz que vidas humanas importam, e no outro ressalta que a economia não pode parar, e vai cumprimentar apoiadores em meio à multidão, afinal, segundo o próprio “é só uma gripezinha”, e quando questionado em relação ao grande número de mortos pelo Corona Vírus no Brasil, disse: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o que?”. Ser presidente e tomar medidas que evitem ao máximo essas mortes já seria um bom começo.

É importante o povo brasileiro entender que a necessidade criada por eles mesmos, de manter a economia liberal com seus mercados atuantes, dentro desse jogo sórdido, acaba sendo mais importante que vidas humanas. Pois daí que sai a grana que fomenta toda essa desigualdade escancarada e que a pandemia agora ressalta com mais clareza. E não serão os filhos deles (nem os próprios) que vão trabalhar em serviços essenciais sob grandes riscos ou vão a campo para que patrocinadores voltem a pagar.

Pois o fato é que com a paralisação dos campeonatos, a FPF teve pagamentos de patrocinadores suspensos, conforme o próprio presidente da entidade explicou:

“Tivemos a suspensão dos contratos dos patrocinadores. Não tivemos futebol, não tem patrocinador. Estamos com uma receita muito diminuída. É raro o parceiro que continua pagando normalmente. Mas nós entendemos, os parceiros estão vivendo a mesma coisa que o futebol está vivendo. Por isso é importante que tudo volte para que tudo volte a girar novamente”.

Eles entendem os parceiros patrocinadores, mas será que entendem e pensam em todos aqueles que estarão na linha de frente para o “espetáculo” acontecer?? Jogadores, comissão técnica, árbitros, maqueiros, gandulas, profissionais da limpeza e todos demais envolvidos serão consultados?? Ao que me consta, Carneiro e outros dirigentes estarão em seus escritórios monitorando tudo, isso me lembra que em guerras mundiais os responsáveis pelas guerras comandam tudo de seus escritórios, enquanto no front estão os jovens, em sua maioria de baixa renda, que colocam suas vidas em risco por conta da estupidez humana. “Joguem os leões na arena que precisamos faturar”, um olhar mais apurado percebe que é dessa forma que as coisas estão funcionando em tempos atuais.

Além do documento do protocolo da FPF, o doutor Moisés Cohen também disse que estão em análise outras medidas, como a orientação para que jogadores não cuspam no gramado, não reclamem próximos aos árbitros e evitem comemorações de gols. Isso mesmo.

“São todas medidas que ainda estamos discutindo. São coisas que não estão na regra de um torneio que já começou, então o descumprimento não pode ser passível de punição. Talvez em competições futuras virem regras em regulamento, mas seriam situações de conscientização diante do cenário que estamos vivendo. Uma comemoração de gol como estamos acostumados vai contra tudo o que estamos pregando de evitar o contato para diminuir exposição ao risco de exposição. Mas são questões que ainda vamos estudar e avaliar”, disse Cohen.

Quando a medicina vira mercadoria, limites éticos são facilmente ultrapassados, e a forma que os interessados na volta dos campeonatos se expressam, dá a impressão pra muita gente que não há nada de mais nessas medidas. Mas ainda bem que temos no futebol aqueles que se manifestam com firmeza e baseados em valores ligados à vida humana, como Raí, dirigente do São Paulo Futebol Clube, que disse que o futebol não tem que voltar rápido, tem que voltar ao seu tempo, seguindo as recomendações da OMS – Organização Mundial de Saúde.

É crucial que assim como Raí, dirigentes, jogadores, ex-jogadores e jornalistas que são contrários à volta precoce do futebol, se posicionem. O momento não permite omissão.

E por falar em OMS, eu não sou médico, mas realmente estranho esses doutores de entidades que passam por cima das recomendações do maior órgão responsável pela saúde no mundo. Será que outros interesses em jogo ficam mais relevantes do que a própria vida humana??

CarlosCarlos é jornalista e idealizador do Programa Bola e Arte.

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