O gatilho letal do senhor governador, por Flávio Siqueira Jr

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Imagem: Aroeira

De Outras Palavras

Como Geraldo Alckmin age para evitar o debate sobre uso, pela PM, de balas de borracha — que cegaram manifestantes e jornalistas em São Paulo e provocam mortes no mundo todo

Por Flávio Siqueira Jr.

O ciclista W. (ele teme ser identificado) foi vítima de uma bala de borracha durante protesto realizado Movimento Passe Livre (MPL) no dia 16/1, em São Paulo. O projétil, que acertou o seu olho direito, partiu da arma de um policial militar que acompanhava o ato. O oficial, afirmou W. em entrevista à Ponte Jornalismo, estava a menos de 10 metros de distância. “Eu vi o policial mirando em mim”, afirmou. Ele ainda não sabe se voltará a enxergar.

“Se não estivesse na rua protestando, não teria se ferido”, diriam alguns. “Se o governador Geraldo Alckmin não se negasse a discutir a regulação da ação policial em protestos, a bala não teria sido disparada contra o rosto do rapaz”, defenderiam outros. Qual a diferença fundamental entre os dois pontos de vista? O primeiro nega o dever de Alckmin, no exercício de sua função pública, de controlar sua própria tropa. Culpa quem está na rua defendendo direitos por sua própria tragédia – algo parecido com o que a Justiça disse a Alex Silveira, fotógrafo que perdeu um olho por conta de uma bala de borracha durante a cobertura de um protesto.

O fato é que Alckmin tem renunciado ao debate, apesar de ser o interlocutor supostamente mais interessado.  Prova contundente é o veto, no dia 20/12, ao projeto de lei (608/2013) aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Com justificativas vazias e nenhuma proposta, o governador vetou a proposta de proibição à munição de elastômero. Optou, portanto, pela não-resposta.

O Executivo está isolado em seu silêncio. O Legislativo já tem os dois pés no debate. O Judiciário também já foi provocado a se manifestar sobre a obrigação do Estado de definir parâmetros transparentes para a atuação da PM. No contexto da Ação Civil Pública movida pelo Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública paulista, na qual Conectas e Artigo 19 figuram como amicus curiae, uma decisão liminar determinou que o governo estadual proíba a utilização de balas de borracha e que elabore um plano público de ação em protestos, respeitando garantias constitucionais. A decisão está temporariamente suspensa, mas a 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo ainda pode se posicionar definitivamente.

O debate reflete a importância que se tem dado para o tema no plano internacional. Reino Unido, Palestina, Argentina, Egito e África do Sul já contabilizam mortes de pessoas atingidas por essa munição. Na Espanha, sete pessoas que estavam nas ruas de Barcelona perderam o olho, o que fez com que a polícia da província autônoma da Catalunha proibisse o elastômero em abril de 2014. O mesmo aconteceu na África do Sul em 2012, após a morte de uma pessoa atingida por uma bala de borracha no peito. A própria ONU proibiu a utilização desse tipo de munição por suas forças de segurança no Kosovo, onde duas pessoas morreram durante uma manifestação em 2007.

Em estudo divulgado na The Lancet, renomada publicação médico-científica que trata de temas relacionados à saúde, pesquisadores chegaram à conclusão de que a imprecisão no disparo de balas de borracha e sua má utilização quanto à mira e distância resultaram em ferimentos graves e morte de um número substancial de pessoas, “não devendo ser considerada um método seguro de controle de multidões”.

Todos, portanto, discutem o papel da polícia em protesto. Todos menos​ Alckmin que, apesar do dever de controlar a corporação, cala-se diante de tragédias como a de W. Seu silêncio evidencia o descompasso entre o que acontece nos gabinetes e a realidade bárbara das ruas. Seu silêncio é, hoje, a voz de ordem que autoriza o ataque.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

6 Comentários

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  1. ” Less lethal “

     Um dos maiores fornecedores de “balas de borracha” para forças de segurança, do mundo inteiro, é a empresa americana Lightfield, e na embalagem original ( 12 projeteis de calibre .12 – extended range ), está escrito, bem destacado o seguinte aviso: ” LESS LETHAL”, em portugues: MENOS LETAL.

     Portanto, como afirma o próprio fabricante, a utilização deste projetil, pode matar em determinadas circunstancias, tanto que em algumas cidades americanas, seu uso ( Seattle por exemplo ) foi substituido por “bags beans” ( saquinhos de feijão ).

     O maior problema, que as forças de segurança publica estaduais, não querem enfrentar, sequer discutir, é que elas ainda, tanto em doutrina, táticas e equipamentos, estacionaram nos anos 70 do século passado.

    1. No caso de São Paulo, não são só as tais

      “forças de segurança publica estaduais” que “estacionaram nos anos 70 do século passado”.

      O governador também. E como foi eleito e reeleito triunfalmente, pela lógica cartesiana, os eleitores paulistas

  2. Hoje à tarde na globo new, o

    Hoje à tarde na globo new, o Alkimin explicando a falta d’água e o que o governo pretende fazer.

    Não vou nem comentar o que senti.

  3. Perder a vida, ou um olho, ou

    Perder a vida, ou um olho, ou dois olhos, para ua bala de borracha tem sido a forma, delicada, dos governos dizerem ao povo que ficar em casa faz bem à saúde; que protestar nas ruas é coisa de gente incivilizada. Resquícios da ditadura permanecem na nossa sociedade de maneira absurda. Infelizmente o mesmo povo que perde olho mantém-se sob a batuta dos tucanos. Se era cego com dois olhos, com apenas um, então,…

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