O Passado Como Luto ou Melancolia, por Jorge Alberto Benitz

Obras artísticas do passado podem ter – e muitas, provavelmente tem – mais valor artístico que as de hoje. No entanto, este encasular- se no passado achando que só lá existe algo de valor não é uma atitude saudável nem recomendável.

Obras artísticas  do passado podem ter – e muitas, provavelmente tem – mais valor artístico que as de hoje. No entanto, este encasular- se no passado achando que só lá existe algo de valor não é uma atitude saudável nem recomendável.

O Passado Como Luto ou Melancolia

por Jorge Alberto Benitz

Um efeito colateral da abordagem de um tema recorrente sempre gera uma disputa de narrativas entre as gerações. No caso do filme “Meu Pai” com Anthony Hopkins e Olivia Kolman deparei- me com verdadeiros carteiraços de amigos feicebuqueanos desqualificando o filme. Um, inclusive,  dizendo que o diretor até que tentou fazer um filme sobre o Alzheimer. Sua avaliação sobre o filme foi que o diretor  “ mandou o ator fazer tudo que um velho senil faz, do dramático ao ridículo, ligou a câmara, mas esqueceu de fazer um filme”. Para melhor ilustrar cita filmes anteriores sobre o assunto, que no entender dele, suponho, deram o tom certo ao tema como Memórias Secretas com Christopher Plummer, e Humberto D com Vittorio de Sica. Discordei, gentilmente, dizendo que, ao contrário dele,  gostei do filme e  do quanto o diretor se aproveitou bem dos  recursos cinematográficos e conhecimentos atuais sobre o Alzheimer  para fazer um filme de alta qualidade marcado pela performance brilhante dos atores já mencionados. Ele conseguiu captar a dissociação e perda da memória que acontece com a mente das pessoas devido a doença, com muita propriedade e apuro. A construção anárquica da memória com alzheimer parece muito bem demonstrada com os cortes e (des) construções mentais que a linguagem cinematográfica propicia, sugerindo que houve aconselhamento de psiquiatras ao cineasta.

Outro dia deparei- me com Ruy Castro dizendo em tom divertido e falsamente autocrítico  https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2021/04/sou-um-caso-perdido.shtml desconhecer George Clooney, para demarcar território acerca do que entende por bom filme, isto é, para ele o cinema acaba na década de 80 e estamos conversados. Os que emitiram estas opiniões, Ruy Castro e o amigo feicebuqueano, que me reservo ao direito de não dizer seu nome, são pessoas que respeito e admiro e não vou deixar de respeitar e admirar por isso.

Só que me reservo, também,  ao direito de achar que esta atitude reveladora de gosto, geralmente, coincidente com os tempos de juventude deles, deixa uma impressão de desvalorização do presente associada a uma idealização  do passado. Algo que traz implícito um desdém para tudo feito hoje e, ao mesmo tempo,  um carteiraço de alguém mais vivido que conhece mais o mundo, alguém que viu, leu e ouviu obras mais belas do que as feitas hoje. Enfim, alguém que viveu em um mundo melhor e menos decadente do que o de hoje.

Isso pode até ser verdade, isto é, obras artísticas  do passado podem ter – e muitas, provavelmente tem – mais valor artístico que as de hoje. No entanto, este encasular- se no passado achando que só lá existe algo de valor não é uma atitude saudável nem recomendável. Quem assim age não só demonstra uma falta de curiosidade e gosto de viver como uma relação depressiva com o presente que não lhes traz nenhuma satisfação e prazer. Satisfação e prazer que ele só encontra quando relembra situações e fatos vivido no seu passado dourado ou que o retratam artisticamente. Nada contra este gosto pelo passado desde que não venha acompanhado do desdém doentio ao presente. Eu, por exemplo, tenho gosto desmesurado pelo passado. Fiz inúmeros escritos e poesias exaltando este gosto.  Evitando, porém, de acompanha- lo por  um desdém ao presente, como eles.

Em uma “Live”  sobre o Simões Lopes Neto que recomendo vide link https://www.youtube.com/watch?v=-0mFeigUcOs,estava em discussão o regionalismo quando Jocelito Zalla, um dos palestrantes,  referiu- se aos  conceitos de Angel Rama que divide este movimento em dois, reativo e plástico. Luis Augusto Fischer, se apropriando de conceitos freudianos, comentou na sequência que existem duas formas de encarar o passado. O passado como luto ou como melancolia.

Como melancolia, é quando o sujeito fica, como se diz aqui no sul gaudério,  a lamentar sentado no toco, como fez literariamente Alcides Maya. Diz Fischer que encara o passado assim os que  “ chafurdados na melancolia ficam lastimando  “ Que pena! Aquele mundo já morreu”. O passado como luto é quando autores como Simões Lopes Neto, Guimarães Rosa, Juan Rulfo, Itamar Vieira Junior,  Gabriel Garcia Marques, olham para aquele mundo e dizem “ele morreu mas algo dele permanece e esta permanência é o plástico”.  O luto e/ou o plástico significa, se bem entendi, a obra literária que di aloga com o novo e sobrevive mesmo não sendo universal, isto é, mesmo sendo uma narrativa regional”.   

Redação

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