A última novidade sobre o Facebook é o prejuízo de Mark Zuckerberg, que perdeu 19 bilhões de dólares em 2018 mas ficou na posição de 7º. homem mais rico do mundo.
Segundo o filme que narra o “mito de origem” do Facebook, em reprise na TV, um grupo de talentosos alunos de Harvard percebeu a possibilidade de ligar os usuários uns aos outros horizontalmente, em rede. Desse modo, os contatos se multiplicariam exponencialmente e todo mundo poderia se comunicar com todo mundo. A descoberta foi muito louvada e gerou a ideologia, aliás muito explorada por tudo aquilo que navega na esfera digital, de que é um passo civilizatório, servindo à democratização e à solidariedade entre os seres humanos. Como se sabe, a iniciativa democrática e solidária de Zuckerberg foi sair correndo na frente e registrar a patente da descoberta só em seu nome. Mais tarde, processado, faria acordos milionários indenizando os demais inventores.
Caso célebre entre nós, e no passado, foi a apropriação individual de uma criação coletiva: o do primeiro samba gravado, “Pelo telefone”. Havia roda de samba permanente na casa da Tia Ciata, pé-de-valsa no miudinho, passo que sustentava por mais tempo que qualquer outro bailarino. Ela pertencia ao rancho Rosa Branca e ao bloco de sujos O Macaco é Outro. Morava no coração negro da Cidade Nova, ao lado da Praça Onze, lugar de concentração do Carnaval dos pretos e pobres. Grande carnavalesca e festeira, quando por motivo de doença não podia participar, as escolas se deslocavam para desfilar à sua porta. É personagem de Macunaíma.
A casa de Tia Ciata era lugar histórico de criação, frequentado por Pixinguinha, João da Baiana, Donga, Heitor dos Prazeres, pelos bambas enfim. Era hábito cantarem e tocarem juntos, fossem coisas antigas e até folclóricas, fossem improvisações: uma jam session, só que de samba. Pois bem, Donga saiu dali e foi registrar “Pelo telefone” como de sua exclusiva propriedade. O usurpador até hoje é lembrado pelo gesto.
No filme, os antagonistas de Mark Zuckerberg são dois belos exemplares anglo-saxônicos, louros de olhos azuis, atléticos, bem vestidos, de família rica, educadíssimos, típicos de Harvard. Manifestam desprezo pelo arrivista, mais esperto que eles, explorado no filme como surrado estereótipo étnico: financista, enfezado, narigudo, de cabelo crespinho. Ele os enfrenta dizendo que registra mas passa por cima da condescendência com que os dois wasps o tratam.
Só que na vida real foi prejudicado um brasileiro, que se chama Eduardo Saverin e que aparece rapidamente no filme, hoje vivendo em Singapura e pertencendo à lista dos bilionários da revista Forbes. Dá para entender que o filme tratou de captar as simpatias dos espectadores para o heroi-ladrão, retratando-o como oprimido, opondo-o aos dois wasps. Não seria tão óbvio se fosse um brasileiro.
Depois do filme, surgiu o escândalo, em investigação da Privacy International, organização destinada a estudar e revelar crimes cibernéticos ou digitais. Descobriu-se que Zuckerberg, dono da Instagram e do WhatsApp, vendeu os dados do Facebook de 83 milhões de pessoas à Cambridge Analytica, que os usou, entre outras virtuosas ações, para eleger Donald Trump e impor o Brexit. O moço bonzinho e oprimido pelos ricos estava, mais uma vez, passando a perna em todo mundo, e agora sobretudo nos incautos usuários.
Esses empresários de novas fontes de dinheiro e poder podem ser comparados aos “robber barons”, como os norte-americanos rotularam, entre outros, os pioneiros do petróleo Rockefeller e Mellon, ou o do aço, Carnegie. Suas falcatruas para enriquecer já foram amplamente divulgadas. Hoje, Zuckergerg, como Bill Gates e Steve Jobs, faz algo similar no universo digital. A abertura de um novo campo econômico, ainda virgem e não regulamentado, abre caminho para esse tipo de prática, seja no samba, seja nas matérias primas, seja no mundo virtual.
Agora, os dados dos usuários é que foram vendidos. No Facebook e similares, como tantos analistas já alertaram, o produto é você. Portanto, cuide-se.
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
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